2004/02/06
Para uma espécie de Balanço do Nacionalismo Português. (IV)
E para conversa de blogues também.
(continuação do post de 2004/02/05)
Podia ter acrescentado isto, no fim do post anterior, mas sirvo-me do que então não escrevi, para começar o poste de hoje:
Penso, julgo que sem vanglórias, que a Universidade Livre, naquela emergência nacional de 1974-77, terá sido o contributo decisivo para salvar-se o ensino universitário em Portugal, tal era o descalabro a que ia chegando a Universidade pública: das muitas anomalias em geral e, em particular, das passagens administrativas — Eu conheço um "licenciado" em Direito de quem é voz corrente, entre os seus contemporâneos de Coimbra, que não fez, senão na secretaria, mais de metade das cadeiras do curso.
Para as estruturas minadas e corrompidas pelo PREC das velhas Universidades, o “susto” que foi o aparecimento da Universidade Livre em Lisboa, em 1977, e logo no Porto, apenas um ano depois, foi um trauma que de repente os fez cair em si: tinham perdido o monopólio! Brincar em serviço, continuarem a “brincar em serviço” passou a ser uma ameaça de morte para elas, com a novidade da concorrência duma Universidade privada — verdadeiramente a primeira — que vinha para repor ordem, estabilidade e sentido dinâmico das responsabilidades no ensino superior.
Aí começou, lenta mas segura, a regeneração da Universidade pública portuguesa (embora não tenha ainda cicatrizado das feridas todas).
E assim começou a crescer e rapidamente a enraizar-se o sucesso da Universidade Livre, logo tornada uma bandeira para muitos e uma certa entidade mítica para muitos mais, lá dentro e cá fora.
É curioso como ainda há dias, num restaurante cá para cima, a 300 Kms de Lisboa, ouvi numa mesa de magistrados perto da minha que falavam dum colega deles que se formara na Livre, em Lisboa. “Na Victor Córdon”! — disseram eles. Era assim, tu cá, tu lá, que falavam, com simplicidade e alguma cumplicidade e ternura, da “Livre” de boa memória, fechada violentamente por Poderes absolutamente discricionários, vai só para oito anos e já parecem uma eternidade.
Sim, a “Livre” é cada vez mais, para os que a frequentaram e para os amigos e companheiros desses, cada vez mais uma entidade mítica, que atravessou a tragédia portuguesa como um furacão, um raio fulgurante que tudo iluminou por instantes e logo se apagou.
Morreu no tempo certo?
Porque tinha realizado a sua missão?
Sim, também, talvez; mas sobretudo porque não lhe foi nem seria possível resistir ao enredo tecido por inimigos poderosíssimos e implacáveis na perseguição dos seus objectivos e ambições e dos meios de iludirem os seus próprios medos.
Fizeram-nos “morder o pó” sem remissão.
Acertaram em cheio no uso dos seus meios que se sintetizam, no essencial, em duas palavras: Política e “Justiça”.
Sim, as mais vergonhosas tramóias da Política, todos os seus alçapões, na mais descarada e impúdica exibição; e o mais inverosímil mas efectivo manejo dos mecanismos dilatórios da Justiça, pelos mais “admiráveis” advogados mestres em chicana.
Uma notificação que acabam de receber os advogados da Livre, e nossos, deixou-nos simultaneamente orgulhosos e siderados.
Um Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça reconheceu-nos agora a plena razão num processo em que era posta em causa uma assembleia geral da Cooperativa de Ensino Universidade Livre que realizámos em 1981, coroando uma acção que já tínhamos ganho na 1ª Instância e também na Relação, resultados confirmados, portanto, mas apenas (!) vinte e dois anos depois, pelo S.T.J..
Sem a chicana e outras coisas dos tristes advogados dos nossos adversários, a nossa razão deveria ter sido reconhecida há muitos anos e a Universidade Livre não teria seguido os caminhos ínvios que percorreu, nem a espoliação dos direitos nossos e da Livre teria sido possível.
E, finalmente, uma vitória moralmente gloriosa e infinitamente reconfortante, mas que por não chegar em tempo útil pode confirmar-se como totalmente... inútil, para efeitos operacionais.
Não impede que mandemos, para já, um público grande abraço aos nossos Advogados, em particular ao Dr. Manuel Arnao Metelo.
A.C.R.
(continua num próximo post)
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O EXTERMÍNIO DAS MULHERES
Editado por Nova Arrancada, S.A.
1. Hoje é claro para todos que a ideologia propugnadora da libertação dos povos e do proletariado, contrariamente ao que proclamava, oprimiu durante mais de meio século muitas nações e imensos operários. Anunciou o paraíso mas fabricou um inferno. Os sobreviventes dessa ideologia prometem uma nova redenção, agora da mulher, só que o resultado será a sua aniquilação.
2. Os pró-aborto, em nome da libertação das mulheres, fomentam o meio principal de eliminá-las: Um estudo numa dúzia de povoações na Índia revelou que em 10 mil pessoas só 50 eram raparigas. Alguns milhares tinham sido abortadas porque os exames pré-natais tinham indicado que eram mulheres (R. Stone). A Newsweek (13.01.89) relatou que em 6 clínicas de Bombaim, em 8 mil amniocenteses indicativas do sexo feminino das crianças todas, excepto uma, foram abortadas. O Times publicou isto: “Na Coreia do sul, onde é comum o exame para determinar o sexo, o nascimento masculino superou o feminino em 14%, enquanto a média mundial é de 0,5%. A agência noticiosa Xinhua relatou que na província de Guangdong 500.000 homens estão a chegar à meia idade sem esperança de se casarem pois são dez vezes mais que as mulheres com idades entre os 30 e os 45”. (Special Fall Ed. 1990). Nos USA, a amniocentese é usada para determinar o sexo da criança. O Medical World News apresentou um estudo sobre 99 mulheres informadas do sexo dos seus bebés: 53 eram meninos e 46 meninas. Só 1 mãe é que abortou o filho, enquanto 29 abortaram as suas filhas. Os preconceitos irracionais para com as mulheres estão a torná-las objecto de extinção. E o instrumento usado, o aborto, é promovido por quem diz defendê-las! Dado que são mortas muito mais filhas que filhos algumas feministas já falam de “feminicídio”. (Para o n 2, cf R. Alcorn).
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2004/02/05
Para um Balanço do Nacionalismo Português (III)
O que os outros blogues dizem.
(continuação do post de 2004/02/04)
Já dissemos de referências que aí se fizeram a iniciativas do grupo de há quase quarenta anos, iniciativas que o tornaram uma entidade publicamente visível.
Começámos naturalmente pela “Resistência” e pelo VECTOR.
A “Resistência” tem sido particularmente considerada, creio que pelo lado da marca doutrinária, cultural e crítica de que ficaram muitos testemunhos.
É vulgar, por exemplo, encontrar pessoas de gerações de diversas idades que se me “gabam” de, nas suas casas, haver ainda colecções completas dela e de serem seus leitores, vinculados.
Penso ser relativamente conhecido o papel que teve na luta contra o PREC.
O mesmo se dirá do VECTOR, porque ambos desmascaram muito cedo a traição comunista e anti-nacional que, através do PREC, ameaçou Portugal e tudo o que era português.
Um blogue chegou já a falar desenvolvidamente do MPP – Movimento Popular Português, citando o próprio relatório do MFA sobre o 28 de Setembro, o qual acusava o MPP de estar entre as forças que, no mínimo, criaram o ambiente para a suposta intentona de 28/09/1974.
O MPP foi realmente o primeiro “partido” pós-25 Abril que atacou frontalmente o PCP e a sua acção de traição a Portugal; e o MPP foi uma criação principalmente do CESV, através dum grupo de dirigentes seus, que aliás também souberam extinguir o MPP, quando se descobriu a infiltração dele por uns tantos “militantes” mais que suspeitos.
Depois foi o PDC – Partido da Democracia Cristã, onde o mesmo grupo do CES Vector também desempenhou um papel que já foi publicamente contado. Mas, até agora, não soube eu na blogosfera de qualquer referência ao PDC.
A criação mais espectacular do grupo do VECTOR/Resistência terá sido, porém, a Universidade Livre, para o que o VECTOR foi solicitado por um ou dois elementos muito ligados às Universidades públicas antes do 25 - A, os quais com enorme empenho nos pediram para tornarmos a iniciativa de lançar a UL.
Bem, a ideia desses elementos, para falar rigorosamente, não era de uma Universidade, mas apenas de um centro de aulas preparatórias para o acesso às Universidades públicas e de acompanhamento e reforço dos cursos delas, que andavam completamente pelas ruas da amargura, em 1974-79.
O grupo do CESV é que insistiu em que o projecto fosse transformado no projecto duma Universidade privada, como veio a acontecer.
Disto nada podiam saber os jovens responsáveis dos vários blogues que já largamente referiram a UL, a propósito do estado a que chegou o ensino universitário privado, em Portugal, quase todo ele directamente derivado — mesmo quando por maus caminhos — do que foi a Universidade Livre.
A.C.R.
(continua num próximo post)
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APELO ASSIMILADO?
Do livro “Em Defesa da Vida”
Editado por Nova Arrancada, S.A.
1. São, ainda, poucos os que compreenderam a importância e a seriedade do desafio que nos foi lançado com a encíclica “O Evangelho da Vida”. O que está em jogo na defesa da vida toda e de todos é, também, a salvaguarda da liberdade (nnº 19, 96), da igualdade (57), da democracia (19, 70, 101), do direito (4, 18, 20). “As argumentações da encíclica nestes pontos são extraordinariamente convincentes” (Casini). “Urge (pois) uma mobilização geral das consciências e um esforço ético comum, para se pôr em prática uma grande estratégia a favor da vida.” (95). “Somos enviados como povo. O compromisso de servir a vida incumbe a todos e a cada um. É uma responsabilidade tipicamente ‘eclesial’, que exige a acção concertada e generosa de todos os membros e estruturas da comunidade cristã.” (79).
2. Nenhuma pessoa razoável “tentará justificar a fome de populações inteiras, o tráfico de droga, as guerras de ‘purificação’ ou de ‘limpeza étnica’ ou outras formas de deliberada violência e de morte de seres humanos; todavia o aborto, que todos os anos mata 40 milhões de pessoas, não só é promovido mas também financiado por vários governos” (O’ Connor, cf. 10). Este “género de atentados, relativos à vida nascente [...] apresentam novas características e levantam problemas de singular gravidade: é que, na consciência colectiva, tendem a perder o carácter de ‘crimes’ para assumirem, paradoxalmente, o de ‘direitos’, a ponto de se pretender um reconhecimento legal por parte do Estado e a consequente execução gratuita pelos profissionais de saúde”. (Cf. 11). Trata-se de “uma objectiva conjura contra a vida em que se acham também implicadas Instituições Internacionais, empenhadas em encorajar e programar verdadeiras campanhas para difundir [...] o aborto”. (17).
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2004/02/04
Um Balanço do Nacionalismo Português Actual (II)
Alguns o revivem, por isso, na multiplicidade das memórias que foi deixando.
(continuação do post de 2004/02/04)
Segunda conclusão ou constatação do nosso balanço; a riqueza memorialística da blogosfera, mesmo em muito que directamente nos diz respeito.
Falemos, então dessas memórias.
Não suporíamos, quando há sete meses iniciámos o blogue da Aliança Nacional, que diversos passatempos do nosso percurso de quase quarenta anos de militância como cidadãos, viríamos a encontrá-los simpaticamente recuperados por gente de outras gerações, na blogosfera deste país. Com fama de habitualmente desmemoriado ou de selectivamente esquecido.
Memórias serão apenas memórias, “causas que nada movem”, para os que se esfalfam a depreciar as memórias dos outros; mas tornam-se elas preciosas quando demonstram a coerência dum percurso e a firmeza dum compromisso sempre renovado.
Nesses casos, a memória torna-se estruturante; e felizes são os que podem praticá-la frontalmente e sem preconceitos.
Um grupo com História, um grupo que tenha uma História de quarenta anos — anos coincidentes com os últimos quarenta anos de Portugal e do Mundo, anos cheios de riquezas, de deslumbramentos, de conquistas e perdas, de ansiedades, de iniciativas e revelações, de terrores, de glórias e misérias, de esperanças e mesmo de desesperos, de ruínas e reconstruções — um grupo como esse, cujas primeiras reuniões já formais tiveram lugar, em 1966, numa sala anexa à Igreja da Penha de França, em Lisboa, e que, sempre evoluindo, naturalmente, na sua composição, nunca mais desistiu de intervir, intervir, intervir; um grupo assim não resiste ao orgulho de ver-se reflectido no espelho que são as memórias dos outros a seu respeito.
Porque o grupo possuía, nos seus elementos, convicções vigorosas e um potencial realizador, de sonho e ideal, de visionária temeridade também?
O futuro, entretanto decorrido, parece ter demonstrado que havia, de facto, em tais elementos, doses razoáveis de tudo isso.
Para que os que me lêem possam confirmar, recordarei aqui algumas iniciativas e intervenções do grupo, só as que, do meu conhecimento, já foram referidas estes meses, noutros lugares da blogosfera portuguesa.
Começo por uma excepção à regra, isto é, por um post publicado aqui mesmo pelo Miguel Jardim, num inventário que ele fez das organizações europeias de inspiração católica no pós-guerra, onde para Portugal ele fala do Círculo de Estudos Sociais Vector e da “Resistência”.
É que o CESV e a revista “Resistência” são na verdade o ponto de partida visível de tudo, na já longa vida e percurso do “grupo”.
A.C.R.
(continua num próximo post)
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CLANDESTINIDADE
Editado por Nova Arrancada, S.A.
Os defensores da legalização do aborto argumentam que ela é necessária para acabar com o clandestino já que este provoca consequências na saúde da mulher e é a 2ª causa de morte materna (segundo os últimos dados, em Portugal, foram 3 as mortes num ano).
Ora, a experiência dos países onde ele foi liberalizado diz-nos que o clandestino não acaba e que aumenta em muito o número de mulheres que abortam (nos USA, até hoje, aumentou de 100.000 [clandestino] para 1.500.000 [legais], por ano!). Assim, não se “resolve” mas agrava-se o problema. Além de que, o aborto legal também afecta a saúde e o número de mortes que provoca nas mulheres “permanece o mesmo”. (R. Alcorn).
Acresce que assim como no caso da violação, por exemplo, que é um atentado horrível contra a mulher, ninguém procura torná-la legal e mais segura também no do aborto que é a morte deliberada de um bebé “o nosso objectivo não deve ser o de torná-lo mais seguro e o mais fácil possível mas sim o de arranjar alternativas e restrições legais para evitá-lo”. (R. Alcorn).
Se qualquer pessoa que queira abortar sabe onde o fazer e a quem deve recorrer como é que a polícia é a única a ignorá-lo? E se não ignora porque é que não age? E se age porque é que há um vazio judiciário? Se se está preocupado com as mulheres vítimas do aborto a solução não é despenalizá-lo mas acabar com o clandestino, pois, se as coisas funcionassem como deviam, o que, querendo, era viável, ele reduzir-se-ia drasticamente.
Não basta, porém, a defesa legal da vida é também necessária a “adopção de medidas sociais, familiares, morais e culturais” (D. António Ribeiro) que a reconheçam e a promovam.
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2004/02/03
O nosso Balanço do Nacionalismo Português Actual. Rapidamente mas com Força.
Embora provisórias, naturalmente.
A primeira será que nem sempre o blogue da Aliança Nacional serviu de “ponto de encontro” dos nacionalistas portugueses, tanto quanto e tanto como se desejaria.
Por vezes — mais se adivinha do que se constatou — o blogue terá antes revelado desencontros.
O que a Aliança Nacional mais desejou, e deseja, é e era, sobretudo, fazer a demonstração da capacidade do campo nacionalista português para renovar-se, no sentido dum nacionalismo realmente novo, ou pós-moderno, e não meramente restauracionista e regressista.
Não temos dúvidas de que esse propósito está plenamente demonstrado e aplicado na grandíssima maioria dos textos aqui desenvolvidos, sem prejuízo, aliás, do pluralismo editorial do blogue.
Mas a verdade é que nunca ignorámos que o combate pelo novo nacionalismo teria de ser duro, persistente e demorado, porventura sempre ameaçado pela sensação que uns tantos quererão continuar a transmitir de que nada se passa de novo no Portugal nacionalista de hoje e desde há uns bons anos atrás.
Gostarão esses de pensar que lhes bastará passar como distraídos a assobiar para o lado, convictos de que assim nada virá a acontecer efectivamente que lhes perturbe a pasmaceira.
Eles — e estão muito longe de constituir a maioria dos nacionalistas portugueses — já estão na verdade fora da História.
E “morrerão” sem darem por isso, apesar das bandeirinhas de entusiasmos frios ou requentados que aqui e ali, de tempos a tempos vão agitando.
António da Cruz Rodrigues
(continua num próximo post)
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O ABORTO - UMA QUESTÃO DA CONSCIÊNCIA DE CADA UM?
Editado por Nova Arrancada, S.A.
NUNO SERRAS PEREIRA
Sacerdote da Ordem Franciscana, Província Portuguesa
1. Segundo alguns a consciência seria um oráculo inapelável e infalível, decidindo sobre o bem e o mal. Como numa mesma situação duas pessoas poderiam decidir “infalivelmente” de modo oposto isto significaria a aceitação do relativismo. Ora, este é a porta de entrada para o totalitarismo porque onde não é acolhida e respeitada a verdade objectiva e universal prevalece a tirania do mais forte.
2. A consciência recta é um órgão que escuta a verdade sobre o bem da pessoa e formula juízos sobre cada acção concreta, indicando o bem a praticar e o mal a evitar. Não obriga por si mesma mas porque mostra a vontade de Deus. Não dita um preceito seu, mas de Deus, como um arauto que divulga um édito do rei (S. Boaventura). Pode, porém, ensurdecer ou enganar-se nos seus juízos, tornando-se errónea: Deus contradiz-se? Proíbe algo a alguém, mesmo à custa do martírio, enquanto autoriza ou exige a outro que cumpra a mesma acção? Claramente não se pode identificar cada juízo da consciência individual com a voz de Deus (Ratzinger). “O sentido do que é recto e do desordenado [...] é tão delicado, tão vacilante, tão facilmente confundido, obscurecido, pervertido, tão subtil nos seus métodos argumentativos, tão impressionável por factores educativos, tão influenciado pelo orgulho e pela paixão, tão flutuante e instável no seu percurso [...]. Por isso a Igreja, o Papa, a Hierarquia são — no projecto divino — o auxílio que Deus providencia para satisfazer uma nossa urgente necessidade.” (Newman).
3. A dignidade da pessoa exige, não só, que a consciência seja respeitada e não seja submetida a coacção mas exige também a salvaguarda do bem-comum e dos direitos dos outros. Por isso, se alguém com indevidas convicções homicidas, portanto com uma consciência errónea, quiser atentar contra outrem pode e deve ser impedido de o fazer. Sendo o aborto a morte deliberada de um ser humano não pode, pois, ser deixado à consciência de cada um.
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2004/02/02
O ABORTO É JURIDICAMENTE ILEGÍTIMO
Do livro “Em Defesa da Vida”
Editado por Nova Arrancada, S.A.
Socialistas e comunistas querem agora ampliar as facilidades legais à prática do aborto. Reclama-se mesmo que a decisão de abortar seja deixada inteiramente ao arbítrio da mulher grávida, durante um período largo da gestação. Defende-se a liberalização do aborto e o direito a abortar. A favor desta causa, desencadeou-se já uma intensa campanha de manipulação da opinião pública, com recurso a fortes doses de argumentação sofística.
É, por isso, oportuno lembrar alguns princípios elementares da bioética, do biodireito e da biopolítica, que não podem deixar de considerar-se parte integrante de uma concepção substantiva de Estado de Direito e da tábua de valores da democracia autêntica. Passo a enunciá-los em apertada síntese:
1. Segundo os dados da ciência embriológica, o fruto da procriação humana é, desde a fecundação (zigoto), um novo indivíduo da espécie humana.
2. Este ser humano embrionário — revela-o, por sua vez, a reflexão filosófica — é uma pessoa (indivíduo subsistente, racional e livre, único e irrepetível). À luz da razão e da fé, podemos aperceber-nos da eminente dignidade da pessoa, que pertence por igual a todos e cada um dos homens, independentemente das suas condições físicas e psíquicas (princípio da igual dignidade). A pessoa humana tem valor de fim, não sendo legítimo reduzi-la a simples meio ou tratá-la como mera coisa (princípio personalista).
3. Quem é pessoa, em sentido natural ou ontológico, é também, necessariamente, pessoa jurídica, ou seja, sujeito de direitos, sobretudo daqueles que respeitam aos bens essenciais do “homem enquanto homem” — os direitos naturais ou direitos humanos.
4. Compete à ordem jurídica e política reconhecer e tutelar eficazmente esses direitos, a começar pelo direito à vida, como garantia da realização da justiça (o respeito dos direitos de cada um) e do bem comum (as condições sociais propícias ao pleno desenvolvimento das pessoas). A proibição de matar (os seres humanos inocentes) é um imperativo moral absoluto de que a lei civil tem de se fazer eco. A Constituição de 1976 reconhece o direito à vida como direito fundamental, decretando a inviolabilidade da vida humana, sem distinguir entre vida natal e pré-natal. Por seu turno, o Código Penal pune o crime de homicídio.
5. Objectivamente, o aborto provocado (morte, causada directa ou deliberadamente, do ser humano embrionário) é um homicídio, e particularmente grave, por atentar contra a vida de seres humanos inocentes e indefesos. Apesar disso, o ordenamento jurídico português, em 1984, contrariando o direito fundamental à vida, passou a admitir, sob protecção da lei, certas formas de prática abortiva. É essa protecção que agora se pretende alargar.
6. O recurso ao aborto provocado não é questão do puro foro íntimo da consciência individual, mas problema de transcendência social, que importa sobremaneira à ordem jurídica e política, pelas profundas repercussões que tem do ponto de vista da justiça e do bem comum. O Estado não pode “privatizar” esta realidade e adoptar perante ela o lema “laissez faire, laissez passer”.
7. Abandonar a vida dos nascituros à liberdade de disposição de outras pessoas equivale a instrumentalizar esses seres humanos a conveniências e critérios alheios e traduz-se numa violação grosseiramente discriminatória do princípio da igual dignidade de todos os homens.
8. Não há nenhuma razão susceptível de legitimar a morte intencional e directa do feto. E não basta a eventual bondade de intenções (v.g. preservar a saúde ou a vida da mãe) para sanar a ilicitude do acto intrinsecamente mau do aborto provocado: o fim não justifica os meios.
9. Repugna especialmente admitir que o ser humano em gestação possa ser sacrificado, segundo uma lógica utilitarista e voluntarista, ao bem-estar e ao desejo dos progenitores.
10. A lei permissiva que consente e favorece a prática do aborto é ilegítima, mesmo se dotada de validade formal: nem tudo o que é legal é legítimo (v.g. a legislação anti-semita de Hitler, a repressão legal dos dissidentes na União Soviética). Não é, sequer, verdadeira lei (regra de justiça e prescrição racional para o bem comum), mas corrupção da lei e violência. Clamorosamente injusta, não obriga moralmente, contra ela se justificando, além de outras formas de resistência, a invocação da objecção de consciência. Esta é um direito e um dever fundamental, constitucionalmente consagrado, que pertence não só aos profissionais da saúde chamados a intervir em actos abortivos, mas também aos políticos que participam no processo de feitura da lei. Desse firme respeito pela consciência e pela lei moral deu um testemunho singularmente exemplar o Rei Balduíno, recusando-se a promulgar a legislação belga despenalizadora do aborto.
11. Os cidadãos que queiram manter-se fiéis a esta carta de princípios em defesa da vida e da dignidade da pessoa não poderão dar o seu apoio a partidos e políticos permissivos em matéria de aborto.
12. É com princípios racionais como estes, radicados na verdade das coisas, e não com movimentos passionais de opinião e votações imponderáveis, que se deve tratar a problemática do aborto. Eles rejeitam tanto a resposta permissiva (abortismo permissivo) como a resposta puramente repressiva (anti-abortismo repressivo), preconizando antes soluções fundamentadas em critérios de justiça, de equidade e de bem comum (anti-abortismo humanista). Este último caminho pertence à cultura da vida e repudia terminantemente as facilidades abortivas concedidas pelo Estado. Crê firmemente que, sobre os tristes despojos dos fetos abortados e a angústia das pobres mães abortadeiras, jamais se poderá edificar solidamente a cidade dos homens. Afastando-se de posições de rígido legalismo condenatório (“dura lex, sed lex”), a opção humanista empenha-se em prevenir o mal do aborto, ajudar as famílias, apoiar as mulheres grávidas, promover a paternidade responsável, proteger os diminuídos, incentivar a adopção, aperfeiçoar o estatuto do nascituro, estimular o acolhimento do dom da vida.
(Agência Ecclesia, 30 de Outubro de 1996)
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