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2012/10/01

Ilusões, expectativas e manifestações 

Ninguém será demasiado ingénuo na política portuguesa para acreditar que as manifestações contra as medidas de austeridade, independentemente do seu acerto ou desacerto, não têm por trás uma organização experiente, uma mão invisível, que é tudo espontâneo, como se em política alguma coisa fosse espontânea. Para quem quiser estudar o fenómeno, basta olhar para as palavras de ordem, para as sequências de acontecimentos diante das forças policiais, os crescendos e decrescendos de provocação e violência, os passos para a frente e para trás, tudo é estudado e organizado ao milímetro. Não é obra de inexperientes imbuídos de espontaneidade.

No entanto, e até que as pessoas, perante o peso da dura realidade, deixem de acreditar que as manifestações trazem mais trabalho, reduzem a dívida pública e fazem baixar os impostos, importa perceber que a adesão de muitas pessoas a estas "formas de luta", que estavam moribundas desde o estertor do PREC, corresponde a uma ilusão colectiva que criou expectativas talvez hoje impossíveis de cumprir, após quase 40 anos.

Nos momentos de crise a percepção que as pessoas têm da política e dos políticos vem mais ao de cima que nunca. A ilusão de muitos portugueses consiste em considerar o Estado como uma espécie de divindade, uma entidade que nos protege a todos, de quem devemos esperar tudo, alguém em quem se tem uma confiança absoluta, mais até do que na própria família. Muitos portugueses consignam ao Estado tudo ou quase tudo, eles esperam tudo ou quase tudo do Estado e acham que o Estado pode e deve substituir tudo ou quase tudo, incluindo a família.

A histeria actual a respeito do Estado social vem de que muitas pessoas já perceberam que o Estado não vai poder corresponder às suas expectativas de lhes proporcionar emprego vitalício, educação, saúde, pensões, reformas. Mais: num momento em que a população está fortemente envelhecida, muitos idosos na solidão a carenciados de apoios, cada vez há menos jovens e cada vez nascem menos crianças, pretende-se subir as contribuições sociais, não para melhor garantir as pensões no futuro, coisa que está crescentemente em risco, mas sim para alimentar as dívidas do Estado, precisamente desse Estado de quem muitos portugueses esperam milagres. O curioso é que são esses mesmos portugueses que acreditaram no Estado social aqueles que agora mais se opõem à subida da TSU para o ajudar a sobreviver. Por uma razão muito compreensível: os aumentos de contribuições não se destinam a pensões, mas a pagar dívidas acumuladas pela incúria e incompetência de sucessivas gerações de políticos e governantes de um País que teima em ser ingovernável. Pelo menos...

Muitos portgueses começam agora a perceber que esse Estado com que sonharam não existe, estão agora a perceber como foram enganados ao longo de décadas por políticos habilidosos e ávidos de votos.

Coitados daqueles que acreditaram no Estado social, não se importaram com a sua família e não pouparam, ficando agora nas mãos de um gigante falido.

Pode-se sair daqui e levantar a cabeça? Talvez, mas não com os políticos da AR.

Falta uma coisa muito simples: as virtudes.

manuelbras@portugalmail.pt

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