2007/12/08
Memórias das minhas Aldeias
Esquecimentos da História
Parte VIII – N.º 09 – ANTI-RACISMO UNIVERSITÁRIO
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Em Pretória, África do sul, a receptividade para o projecto da UL foi superior a tudo quanto razoavelmente podia esperar-se.
O seu governo teoricamente de esquerda estava completamente aberto à iniciativa privada, mesmo em matéria de ensino, até universitário.
Nos meios da colónia de portugueses ou deles descendentes, então, verdadeiramente surpresa só foi o facto de, pela primeira vez em dezenas de anos, aparecerem portugueses continentais, bem preparados, vindos directamente da Metrópole, verdadeiramente competentes e a proporem-se investir à grande e arriscar, mais à grande ainda, em projectos inéditos, de facto inovadores e de grande alcance, ao que tudo indicava.
O êxito foi absoluto!
Não eram, em todo o caso, completamente saudáveis todas as reacções.
Também se manifestaram velhos ressentimentos de colonos que haviam sofrido os complexos de superioridade dos brancos anglo-saxões, no tempo deles, e que agora sofriam, adivinhava-se, os complexos de identidade dos negros ainda não suficientemente convencidos da força do seu papel na nova sociedade e no novo Estado de direito.
Estes eram os deslumbrados que não se convenciam da normalidade da situação, portanto pouco seguros de si e dos restantes negros em geral, temerosos no fundo de que um dia destes talvez tudo voltasse ao antigo, tão incrível tudo lhes parecia. Também é verdade que as coisas não tinham mudado tanto como lhes fora prometido…
É certo que, na sua maioria, esses resíduos da população eram de gente negra socialmente muito modesta a quem eram oferecidas prerrogativas que mal compreendiam e que, aliás, pouco proveito conseguiam tirar delas.
Que esquerdismo podia ser o do governo?
O partido dos brancos, de facto, tinha um poder real muito superior ao dos votos que recebia, pois que representava as grandes forças dirigentes da sociedade, na economia, na cultura, na ciência, na investigação, no capital, na banca, na iniciativa empresarial e associativa, mesmo nas principais religiões.
De facto, não era num partido político só que os brancos sul-africanos andavam arregimentados, mas em três: um conhecido, ou dito, do centro, outro de direita e o terceiro de extrema-direita.
O “de extrema-direita”, não se levava a sério.
O “de direita”, ninguém o levava a sério.
E o do centro tinha-se por investido da missão de representar os brancos, um partido missionário, portanto, fosse isso o que fosse, dizia-se anti-racista mas era, logicamente, o único verdadeiramente racista, por acreditar piamente na superioridade dos brancos, sem nunca o dizer, mas praticando-o sempre, incansavelmente.
Era o partido, portanto, dos grandes interesses, sem o esconder, pois que isso ninguém lho levava ou levaria a mal.
Ah! E também muito exaltadamente democrático.
Pedindo nisso meças a todos os mais partidos, mesmo os dos negros, que nunca defendiam com o mesmo empenhamento o valor absoluto do sufrágio universal, nem o dogma do valor absoluto de cada voto.
Só por isso o maior partido de negros era cada vez mais mal visto entre os estratos de negros privilegiados que iam ascendendo socialmente em número rapidamente crescente.
Receava-se, mesmo, que esses negros dominassem em breve os bunkers partidários mais tradicionalmente brancos, isto é, de origem branca mais pura.
Foi entre esses negros que a “Universidade branca” mais rapidamente conquistou adeptos e os militantes mais entusiastas.
Sem se saber como, foi assim que ela passou a ser mais conhecida.
Não por UL, mas por Universidade branca, que ser “branca” tinha para as elites negras mais sentido que ser “livre”.
Mais exactamente: ser “branca” era verdadeiramente ser livre, ou ainda mais e melhor que ser livre, aos olhos – repita-se – dessas elites negras.
Que, verdade seja dita, eram especialmente bem olhadas pelos brancos de vistas mais largas.
Aliados, brancos, em maioria, e negros, em minoria mas poderosos, conduziram rapidamente a UL sul-africana a um espantoso sucesso.
Como uns e outros estavam arreigados aos seus interesses profundos, e eram todos gente profundamente lúcida, a Universidade “branca” não demorou nada a aparecer como a menos racista das Universidades, se não mesmo a mais anti-racista do mundo inteiro…
Era pelo menos assim que Jucelino e Celestino Maria gostavam de apresentar a situação que lhes dava um gozo profundo.
A ponto de Jucelino Carvalho da Silva, o filho do soba da Lunda, já não duvidar de que o seu plano político global dera, com tudo isto, um enorme passo em frente, que talvez o tornasse já irreversível.
Ele assim o cria…
Mas não contava a ninguém, por enquanto.
A.C.R.
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