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2007/11/22

Memórias das minhas Aldeias
Esquecimentos da História
Parte VIII – N.º 05 – UM COMÍCIO NO VIMIEIRO 

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Não se sabe o que se passou lá dentro, porque nenhum dos dois contou nada, absolutamente nada. A não ser que almoçaram juntos, “o Presidente” e o filho dilecto do soba da Lunda, o qual não resistiu a revelar a surpresa do convite que nada lhe fazia prever.

Apareceram a certa altura os dois à porta de casa, onde ainda os esperavam duas dezenas de curiosos.

Houve algumas fotografias inesperadas, cujos flashes – aparentemente desnecessários, sob o sol quase radiante - mesmo assim obrigaram os visados a pôr as mãos em pala sobre os olhos, muito sorridentes.

Um dos fotógrafos era o conhecido agente Rosa Casaco da Guarda do Presidente e coleccionador zeloso de fotografias do Chefe, talvez o seu fotógrafo preferido, possivelmente sem um só insucesso registado ao longo de muitos anos.

Quantas vezes terá sido delicioso o diálogo entre Salazar e o agente Rosa Casaco, até acertarem a posição e o ângulo melhor para mais uma fotografia do Chefe, que queria que tudo parecesse muito espontâneo e com pouca pose.

Consta que Salazar gostava de se rever nas fotos melhor sucedidas que lhe tiravam.

Alguns fotógrafos tremiam no temor das apreciações dele às fotografias que lhe faziam, até que todos foram sendo proibidos de tal e Rosa Casaco ficou quase só em campo.

Daquela vez, com o seu convidado da Lunda, “o Presidente Salazar” esteve singularmente à vontade e espontâneo nos contactos.

Pena que as fotos tiradas tenham desaparecido todas.

O Presidente até se aproximou dos circundantes que imediatamente o rodearam, apesar da diligência, mal sucedida, dos agentes.

Mal sucedida, tanto que o próprio Presidente se apressou a tranquilizá-los com uma pequena mentira…

“Conheço toda a gente!” – disse alto, sorridente.

“Menos aquele ali…” - e apontou-lhe o dedo sem deixar de sorrir.

O visado, moço duns dezoito anos, corou muito e aproximou-se um pouco, enquanto dizia o nome do pai, de que Salazar logo se recordou, com o bom ouvido que lhe era geralmente reconhecido e com a memória também famosa… Mas que lhe ia já falhando, algo mais que o ouvido, de que precisava sobretudo para as reuniões do Conselho de Ministros, das quais se queixava ao Doutor Mário de Figueiredo dizendo que os ministros que ambos vinham recrutando eram cada vez mais trôpegos das falas.

“Ouve Zé… dá um abraço meu ao Pai, não te esqueças. Sabes que andei na escola com o teu avô, o pai dele?”

“Saiba vossa Senhoria que sim!” – respondeu o rapaz com um grande sorriso.

O visitante da Lunda estava de boca aberta. Abençoado “Dão” desinibidor, beberricado ao almoço! Já levava muito que contar e não esperava ouvir mais.

Mas ouviu!

O angolano da Lunda contou-o a Celestino Maria alegremente e também muito desinibido, por mérito seguramente dum excelente “Dão” tinto que também eles iam bebendo esse dia ao almoço, no então melhor restaurante de Luanda.

Salazar puxou mais para o seu lado o convidado da Lunda e apresentou-o aos ouvintes em poucas palavras, muito precisas e um tanto elogiosas para ele e para o pai soba.

“Sabem porque veio visitar-me?...” – perguntou logo a seguir.

Sem esperar resposta, explicou… não sem antes olhar para o visitante, como pedindo-lhe licença para a inconfidência.

“Com certeza! – assentiu este – Muito nos honra, a mim, a meu Pai e ao nosso Povo, a gentileza de Vossa Senhoria!”

Salazar sorriu ao de leve… Como já tinha saudades daquele tratamento antigo quase caído em desuso e, naquele dia só, já ouvido por duas vezes!

“Pois saibam – disse Salazar elevando suficientemente a voz – que o Senhor Dr. Carvalho da Silva veio aqui para renovar, renovar, digo bem, o apoio firmíssimo de seu Pai e do seu reino da Lunda ao combate de Portugal ao terrorismo em África e muito particularmente em Angola! Merece o nosso reconhecimento que ele transmitirá com certeza a seu Pai e ao seu Povo!”

Uma forte salva de palmas soltou-se inesperadamente daquele magote de gente, quase sempre tão contida e até macambúzia, como se diz que são em geral os beirões, talvez desta vez movidos por qualquer discreto aceno dos agentes da segurança.

A Censura recebeu instruções rigorosas de não autorizar qualquer referência ao acontecido, de que aliás não se encontra recordação alguma na própria gente daquela aldeia.

A.C.R.

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