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2008/05/27

CONTA-ME COMO FOI… (20)
FIASCO DAS "NOITES CULTURAIS" 

(<--)

Não deveria tê-lo deixado escapar…

Sentia, de súbito, uma necessidade premente de falar com alguém, de confiança, dos últimos desenvolvimentos da sua vida.

Tinha de enfrentar sobretudo o grande problema lá de casa…

Os “clientes”, como ela lhes chamava, não faltavam nas reuniões de jogo bissemanais lá de casa, repito, mas aquilo estava a tornar-se rotineiro e repetitivo, com pouca graça e sem novidade alguma, apesar da paixão dos entusiastas que continuava a suscitar.

Mas sempre os mesmos, com as mesmas caras de ratões na expectativa dum bom golpe de sorte e transparentemente invejosos dos golpes que favoreciam os outros.

Todas as vezes… era sempre mais uma seca e pior que a anterior.

Tinha ela a consciência tranquila de não haver agravado nunca as coisas, mostrando-se desinteressada ou mesmo enfadada.

Só o que verdadeiramente a incomodava e chegava a transtorná-la, a ponto talvez de mostrar impaciência, era que os últimos participantes demorassem tanto a partir e ela tão ansiosa, desesperadamente ansiosa, todas as noites, não poucas vezes, por achar-se enfim a sós com o seu “borracho” de homem.

Mesmo tentando por todas as maneiras não lhe estragar “o negócio”, como ele lhe chamava, a rir para mostrar que também não levava aquilo muito a sério, mas encantado, evidentemente encantado.

Tanto que acabava sempre por rogar-lhe paciência e compreensão… Lembrasse-se ela de que tudo entre eles começara por uma noite dessas…

Não tardou muito a assentarem num compromisso.

A título experimental, garantiu ele, antes de conseguir a completa anuência da mulher.

E era disso mesmo que ela agora se arrependia, de não ter falado da situação ao primeiro marido, mesmo que em plena rua e de improviso.

Talvez, no entanto, tivesse sido melhor não ter aproveitado a ocasião para fazê-lo, de tal modo, vendo bem, ele se mostrara displicente e longe de tudo.

Quando chegou a casa, porém, foi o seu actual marido que a surpreendeu dizendo-lhe…

“Olha… queres saber quem telefonou?... Foi o teu ex… há menos de cinco minutos.”

“Não disse o que queria?”

“Não. Apenas que tem urgência de falar contigo. Pediu que lhe telefones… Não sei porquê, mas pareceu-me assunto de negócios. Não estiveste com ele na rua?... Foi pelo menos o que ele disse.”

Ela não chegou a ouvir tudo, já estava agarrada ao telefone.

Queria o seu antigo marido saber se era verdade o que ouvira dizer dos serões de jogo deles. Se era certo – insistiu – que iam substituir as sessões de jogatina por “noites culturais”. Ela percebeu que ele galhofava ligeiramente, no tom em que falava, mas deu-se por desentendida e respondeu sem fazer caso da troçazinha dele do lado de lá da linha.

Ou seriam os “complexos” dela?...

Decidiu que também o seu “ex” teria de perceber que era tudo muito sério nas “noites culturais”, tão sério ou mais do que as sessões de jogo.

“Noites culturais! Mas que pomposo para coisa tão simples e despretensiosa…” – chocarreou ela um pouco.

“Não me pareceu – respondeu ele. – Olha que já me falaram disso cinco ou seis pessoas vossas conhecidas, julgo que até vossas amigas. Há bocado é que não chegou a lembrar-me de falar-te nisso. Estavas com tanta pressa!... que não tive tempo de lembrar-me…”

“Então, o teu telefonema é para nos ofereceres a tua colaboração? Bem precisamos, que ainda me lembro, cultura era contigo… Sabias tudo, falavas à vontade de tudo e com certeza agora sabes ainda muito mais. Parece que até os nossos filhos saíram uns génios. Não é pelo meu lado, penso eu… Do que tu gostavas, em mim, era doutra coisas. E não gostavas pouco…”

Mesmo com a ajuda dele, que o actual marido não hesitou em aceitar também, aquilo foi um fiasco.

Isto é, a primeira noite cultural foi um completo fiasco.

Não admira, talvez, se o leitor concordar comigo que escolher, para inaugurar a nova empreitada, a projecção de um documentário cinematográfico da vida dos pinguins nos pólos, não parece de um bom senso por aí além…

Foi o primeiro marido que deu a ideia e fez a projecção, porque tinha a fita lá em casa e nunca conseguira exibi-la a quem quer que fosse.

Diálogo cultural é que ali também ninguém quis.

Diga-se, em qualquer caso, que a noite não foi de todo perdida, porque, mal acabou a projecção, correram todos para as mesas de jogo e foi até de madrugada.

A.C.R.

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