2008/05/16
CONTA-ME COMO FOI… (17)
DESVAIRAMENTOS DE AMOR… CEGUEIRA DE AMOR
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Eram com certeza grossos exageros da maliciosa opinião pública de aldeias, vilas e pequenas cidades de província. Tanto assim que a visada, não só nunca precisou de indignar-se com as más-línguas, como nem sequer fez caso algum. Mais sintomático ainda...
De súbito soube-se, por línguas indiscretas doutras bandas, duas ou três léguas dali, que a dama estava perdida de amor e concupiscência por um moço de família aristrocática, com fama de extremamente bem parecido, orfão de pai e mãe, a viver sozinho com quatro ou cinco criadas e criados, à boa e feliz moda antiga de gente de pergaminhos e outros luxos, como manter dois ou três ricos cavalos.
Os criados ainda conseguiam tirar-lhe rendimentos bastantes, das melhores propriedades herdadas, para aguentar o sustento das bocas todas, deles e do amo e primos que iam lá por casa, bem como para todos se vestirem e para a conservação do bonito solar, o que não era nada coisa de somenos, tudo somado.
Ultimamente, porém, o rapaz enchera-se de brios, depois de lhe contarem a história dum camarada de nobreza, o qual conseguia arredondar proventos recebendo no seu luxuoso solar os necessários viciados no bridge. Eram partidas infindáveis até de madrugada, que o dono da casa regava generosamente com os produtos da garrafeira, acumulados pelos falecidos pais e avós ao longo de anos, mas que as visitas compensavam pagando uma taxa por cabeça, estipulada pelo dono da casa, com a adequada folga, para que todos estivessem à vontade, como em suas próprias casas.
O brasonado rapaz do solar da aldeia, a duas ou três léguas dali, tirou inspiração da história que se passava em Lisboa e, substituindo o bridge por pocker, umas vezes, outras por sueca, passado apenas um mês tinha o “casino” do seu domicílio a funcionar perfeitamente rodado. Com tanto êxito que ao segundo mês decidiu passar de uma noite de jogatina por semana, para duas, porque, com uma noite só, já não conseguia satisfazer a procura toda, que aliás não parava de crescer com pontual regularidade e cada vez mais satisfeita e mais viciada.
A demoradamente supracitada dama ouviu falar do “casino” e mexeu cordelinhos insuspeitados, até que o rapaz mestre do jogo, e bom farejador destas situações, lhe telefonou a convidá-la para uma sessão, porque, disse ele, tinha sabido por uma amiga comum do interesse dela. Ora essa! Sim, teria todo o gosto… e era uma honra irrecusável… uma grande alegria… satisfazer-lhe a curiosidade… para não falar dos tremores de ansiedade que quase a paralisavam.
“Mas eu não percebo nada de jogos de cartas!” – apressou-se ela a esclarecer, num tom de voz de completamente derretida no mesmo instante, só de ouvir-lhe “os doces murmúrios” telefónicos. Mas tudo muito varonil, como não resistiu a contar às outras damas, visivelmente a torcerem-se de inveja e ciúmes.
Calou-as e sossegou-as, fazendo-se acompanhar por duas delas na primeira noitada de visita ao “casino do rapagão”, como logo ficou conhecido entre elas o local onde ansiavam por encontrar o “tenebroso salafrário”, que só pela fama já lhes punha comichões.
O salafrário ou bisbórria tinha só dezasseis anos e algo mais de metro e oitenta e cinco, porque ainda estava a crescer, em altura e de ombros.
Ele, para mentir pouco, costumava atribuir-se dezsseis anos e meio.
A.C.R.
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