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2008/03/14

CONTA-ME COMO FOI …(7)
À MEMÓRIA DOS MÁRTIRES DOS INCÊNDIOS FLORESTAIS 

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O último grande incêndio desse Verão aconteceu ia o Outono a querer começar, nos primeiros dias de Setembro, numa altura e em condições que os entendidos optimistas até já considerariam nada propício à dimensão que aquele fogo atingiu.

Começou o incêndio onde não se esperaria, na Quinta da Bica, à beira do rio Seia e perto da sua nascente, na margem direita, em zona que se diria exemplarmente acautelada pelos seus proprietários altamente responsáveis e conscientes dos seus pergaminhos e obrigações na prevenção dos fogos; atravessou a estrada da Beira e, em vez de seguir para os lados de Pinhanços, que também abundavam em proprietários responsáveis e impecavelmente zelosos, que seguramente se esfalfariam para detê-lo; seguiu o fogo direito à Vila Chã, destruindo, no caminho, muitas casas da Aldeia de São Miguel, e foi atravessar a estrada para Nelas, já próximo de Paranhos e Tourais, com um salto inacreditável pelas alturas das copas dos pinheiros, antes de atravessar para a margem esquerda, como se tivesse primeiro de acabar o trabalho encetado na margem direita!

E que trabalho era?

O povo disse que o fogo tinha de acabar de dar sumiço ao Solar do Anjo da Guarda, que já estava a arder e acabaria completamente destruído pelo fogo em pouco mais de três quartos de hora, ao todo!

O povo acreditava que era o castigo esperado e compreensível para um velho desentendimento entre Deus e o dono do solar, por pecados seus da juventude e outros menos antigos.

O velho senhor dono do solar da margem direita do rio, cheio de artrose, praticamente cego e também surdo, quase de todo inutilizado, salvou-se apesar de tudo. Povo e não povo todos achámos que sim, que de facto só um milagre.

Dir-se-ia um sonho mau, péssimo, o pior possível, mas custava a acreditar que tudo aquilo tivesse sido, em todo o caso, mais que um sonho.

Os bombeiros não queriam acreditar.

O fogo começava a parecer exausto, mas ai dos bombeiros que, estoirados, completamente desfeitos, sem saberem para que lado voltar os poucos esforços que ainda tentavam opor à corrida das chamas, ai dos bombeiros se esperavam que o rio detivesse a fúria assassina delas, a descerem aquelas encostas até ao rio, como se o vento que soprava forte não tivesse outro propósito senão esse de enganar os “soldados da paz”.

Foi a ilusão de pior memória que alguma vez terá tomado conta das vontades e cabeças de bombeiros e corporações de bombeiros de toda a Beira Alta!

Do outro lado do rio avistava-se mais um solar, ainda mais belo e mais imponente que o do Anjo da Guarda.

Era urgente evitar que o fogo atravessasse o rio lá baixo, no ponto certo para chegar em poucos minutos ao outro solar do lado de lá do rio e, em poucos quartos de hora, destruí-lo igualmente.

O comandante apercebeu-se do perigo e, com as coisas controladas do lado de cá, mandou que três bombeiros menos ocupados, descessem até à passagem que parecia de propósito para facilitar o salto do rio pelas chamas.

Eles foram sem hesitar, dir-se-ia que alegremente até, porque começavam a sentir-se menos úteis nos seus lugares. E foram postar-se lá baixo, ao pé do Seia, de vigilância atenta à passagem do rio e às chamas que de longe desciam aproximando-se a maior velocidade do que eles tinham suposto.

Mas continuaram ainda assim seguros de si e cegamente determinados.

De tal modo que, lá chegadas, as chamas os enrolaram sem eles perceberem como. Quando deram pela gravidade da armadilha em que haviam caído, era tarde e já não tinha remédio.

Foram as primeira e únicas vítimas dos fogos aquele ano, para salvarem um solar que era e é monumento nacional, mas muito pouco ou nada lhes dizia, afinal.

Só puro e heróico profissionalismo.

A.C.R.

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