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2008/03/31

CONTA-ME COMO FOI …(10)
UMA FAMÍLIA DE GRÃO-SENHOR 

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O Senhor do Anjo da Guarda vivia com uma sobrinha que era todo o seu enlevo. Com os seus dezoito anos, a rapariga atingira o mais alto grau do poder de sedução que uma rapariga daqueles sítios pode atingir e era já o objecto secreto, outras vezes não, de muitos galãs da sua idade, e mais velhos, daquelas aldeias. O velho Senhor do Solar do Anjo da Guarda percebia isso, e vigiava-lhe apertadamente os mais pequenos passos, ainda que nunca tivesse chegado a ter razões para suspeitar de que ela desse especial atenção fosse a qualquer deles que fosse.

Mesmo assim, a vigilância dele não desarmava, porque, se acreditava religiosamente poder confiar na excelente formação da moça, era forçado, recordado até da sua própria adolescência e mocidade, a desconfiar incansavelmente dos atrevidos que lhe rondavam a casa, desde os doze ou treze anos dela. Até com serenatas, fosse qual fosse o pretexto. Os anos dela; os anos do tio; o obstáculo vencido dum qualquer exame escolar de maior risco; o dia universal das raparigas; o dia da santa padroeira do seu nome; o aniversário do baptismo, rigorosamente festejado em casa como o dia do nascimento “para a vida da alma”; o dia da espiga, por ser o dia de festa das colheitas e porque os rapazes achassem que jamais por aquelas aldeias se colhera flor mais formosa, mais enternecedora… mais apetecida; etc., etc.

Mas o velho tio, apesar da ousadia deles e dos disfarces com que sabiam embelezar ou esconder os seus desejos, estava convencido de que também disso percebia mais que os rapazes todos juntos e tudo, de facto, conseguira fazer, até então, para frustrar-lhes os ímpetos e as garotices às vezes um tanto acanalhadas.

Inspirava-lhe mais dúvidas e algum temor o afilhado do padre-capelão, um garoto da idade dela, em quem o padrinho depositava muita confiança, mas que às vezes, com a bênção do padrinho, se permitia ir lá pelo Solar, aproveitando à rente o mais pequeno e insignificante pretexto.

Mas os pretextos, na verdade, não eram muitos e o Senhor do Anjo da Guarda até tivera, nalguma altura, uma conversa com a sobrinha sobre o rapaz, a tirar “nabos da púcara”, tendo ficado mesmo francamente mais sossegado, convencido de que também ela via no rapazola nada mais que outro insignificante, incapaz de alguma vez a seduzir. Mais: o certo até seria que a rapariga não engraçava nada com o moço, é certo que um rapagão, e que estava muito mais próxima de desprezá-lo completamente que de outra coisa qualquer.

De tal sorte que, com alguma ingenuidade, possivelmente, o tio sentira mesmo uma certa necessidade de revalorizar um tanto o rapazola. Sem forçar demais a nota, claro, não fosse o Diabo tecê-las. Mas lembrando à sobrinha que, fossem quais fossem as reservas que o rapazola bem merecia, também era justo creditá-lo do grande apoio que prestava ao padrinho, o padre-capelão, nas tarefas do apostolado da paróquia a que o padre se entregava com tanta paixão e fidelidade ao seu sacerdócio em Cristo, que era o pároco daquelas redondezas alargadas mais querido e mais admirado e da devoção de todos os fieis, sem excepção.

A rapariga achou os reparos pertinentes e até passou a tratar o rapazola algo menos agrestemente.

Mais uma vez teve o tio ocasião de louvar-lhe o bom senso e a docilidade para compreender e acolher os conselhos, de experiência feitos, dos mais velhos.

Porém o que mais consolava o velho Senhor era a ocasião que não perdera de mais uma vez prestar justiça ao seu grande e muitíssimo prezado e admirado amigo, o padre-capelão da sua Casa e prior da paróquia da aldeia, conhecida como Santa Comba de Seia, para se distinguir de Santa Comba-Dão.

A.C.R.

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