2007/12/26
Memórias das minhas Aldeias
Esquecimentos da História
Parte VIII – N.º 13
BONS FADOS?... MAUS FADOS?...
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O primeiro alarme veio de Rufino, para Celestino Maria, que imediatamente o transmitiu a Jucelino.
“Que coisa é essa?” – gritava Rufino, exaltado, ao seu homem de confiança em África, do outro lado da linha.
“Sim, que é isso que andais a tramar tu e o teu amigo salazarista filho do soba da Lunda, metidos, ao que por aí se espalha, em projectos tolos de alta política estúpida!...
“Quem quereis vós enganar?... Quem julgais vós enganar?... Somos todos uns pataratas… E só vós gente de Olhão!
“ De Olhão, hem!
“Só vós mesmo, hem!
“Mas explica lá! Sempre quero conhecer da vossa boca, de fonte perfeitamente autêntica, que enterro andais a forjar-nos!”
Rufino tinha razões de sobra para a sua fúria.
Ele sabia como a política mata, num sopro, o mínimo laivo de humor que se pretenda insinuar em qualquer situação da vida real ou imaginária.
“Se cheira a política, lá se vai a graça toda, amigo!” – berrava Rufino, tão alto que parecia ter perdido por completo a confiança na invenção de Alexandre Bell, o diabólico inventor.
Aquilo despertou os brios de Celestino Maria.
Afinal ele era também um dos responsáveis pelo colossal logro.
Colossal?...
Não seria exagero?...
Pois se era exagero, havia que aguentar até ao fim e todos juntos!
Não hesitou, por isso, em atacar o exagero com um exagero maior.
“Pois não compreendes, Rufino?... Do que se trata é nada menos que de um plano de génio!...”
“Sim, de génio!” – insistiu Celestino Maria, como se adivinhasse o espanto do outro, pousado com todo o conforto no seu belíssimo gabinete da sede da UL, em Lisboa, no fim da linha…
“Pois não percebeis, aí em Lisboa! E nós a pensarmos que éramos nisto apenas as vossas marionetas! E afinal, vocês é que são as marionetas dos cordelinhos que daqui manejamos!... Sem sabermos! Sim, sem sabermos mas com uma arte consumada para a manipulação!”
Para surpresa sua ainda maior, Rufino respondeu-lhe com inesperada serenidade…
“Pois então… explica lá isso, muito bem explicado. Não me escondas ardil algum. Visto que não sei nada dos vossos ardis, nem vou pôr-me a adivinhar, quero tudo aqui perfeitamente contado, tim-tim por tim-tim. Não escondas nada, nem as coisas mais estranhas… faço-me entender?...”
“Fazes, claro! – garantiu Celestino Maria – Mas de facto não há nada de estranho. Só génio! – repito. Só génio puro! Génio da cepa pura. Meu também, mas sobretudo daquela cabeça incrível do nosso Jucelino…”
E prolongou por alguns segundos o silêncio, certo de levar ainda mais ao rubro a ansiedade do “Chefe”, lá de Lisboa, como em geral, entre si, todos lhe chamavam familiarmente, algumas vezes “Mestre”, embora sempre sem a mínima falta ao respeito que todos também invariavelmente lhe tinham.
Mas, em vez de deixar a conversa prosseguir, Rufino mudou de tom para corrigir…
“Não! Não digas nada. Eu não preciso. Vamos ver só de que modo a coisa acaba por estoirar!”
E sem acrescentar mais nada, desligou de pronto, como era seu hábito.
A.C.R.
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