2007/09/28
Memórias das minhas Aldeias
Esquecimentos da História
Parte VII - N.º 05 - UM VENDAVAL DE ESPERANÇAS
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O Bispo, de facto, conquistou uma adepta em cada uma delas, as que apanhavam dos maridos pela medida grande e dura, e as outras, as que os maridos habitualmente poupavam, mas, porque as traziam ameaçadas da mesma receita, raramente precisando de concretizar, apenas que elas possuíam memórias de ferro e, uma vez sovadas, nunca mais esqueciam.
Quando o Bispo se despediu, vieram em massa à porta principal da igreja com insistentes adeusinhos, antes de espontaneamente desatarem todas a dar palmas, em uníssono, iniciando uma prática que só alguns anos depois se tornou corrente e popular, não apenas fora mas dentro dos próprios templos convertidos em salas de espectáculos pagãos, convidando os “actores” a subir ao palco para vénias verdadeiramente… teatrais.
Ali nasceu, naquelas aldeias – e dizem que os beirões são tristonhos e bonzos chapados, sem graça nem inspiração!... Pois, na verdade, ali nasceu a prática dos aplausos à primeira vista despropositados, que um dia, anos depois, se estenderia mesmo aos enterros, na última despedida, quando os “actores” “sobem” (descem) ao derradeiro palco, deitados de costas debaixo da terra.
Aplausos, esse “juízo final” dos sobreviventes, em vez de orações de esperança na vida eterna…
O senhor Bispo partiu pensando nisto também, no que reflectia pela primeira vez, segundo mais tarde havia de explicar a Rufino de quem, sem querer, se tornaria o guia espiritual e uma espécie de confidente muito a propósito.
A propósito?
Mas foi o Bispo que chamou Rufino ao paço em particular.
Em particular, sim, porque precisava de falar-lhe, mandou dizer-lho pelo pároco, Pe. Manuel, antes de este ser levado a resignar, porque, segundo o Bispo lhe comunicou, estava como padre um tanto obsoleto, ultrapassado em relação às novas orientações da Igreja e do Papa “felizmente reinante”, que começavam a traçar o futuro do Catolicismo para os cem anos seguintes, garantiu-lhe.
Era um dos sinais da eternidade da Igreja – ditou o Bispo – essa sua comprovada capacidade de andar sempre cem anos à frente.
- Não achas? – perguntou-lhe D. Manuel sorrindo como sempre e sempre no mesmo jeito de enfrentar o mundo à sua volta completamente certo de domá-lo e torná-lo melhor e mais seguro para todos nós mas, não obstante isso tudo, um mundo também de esperanças ao nosso alcance.
- Vai em frente! Não hesites! – disse-lhe o Bispo – Vou mandar-vos o melhor dos meus padres novos. Ele fará que te compreendas melhor a ti próprio, em toda a dimensão dos teus enormes recursos…
- Vossa Excelência Reverendíssima, acredita, senhor Bispo?... – retorquiu-lhe Rufino, o mais cerimoniosamente que sabia para tratar um Bispo, na expectativa de que Sua Reverendíssima se explicasse melhor.
- Sim, acredito! – insistiu Dom Manuel ao fim duma eternidade, mas com energia renovada, como se tudo voltasse ao princípio, tomado o Bispo pelo seu entusiasmo e confiança dos seus melhores momentos. Sim, aqueles dois jovens, o “padre novo” de que falara e o próprio Rufino, é que lhe inspiravam grandes planos e grandes certezas para um futuro sem limites, em que a juventude, convencia-se ele, era o seu “ópio do povo”, ópio de vida e, ao mesmo tempo, a alavanca do porvir. Um porvir que ele via abrir-se e alargar-se infalivelmente, como infalível era a palavra do grande Papa Pio XI, que lhe traçava os contornos exactos, acreditava o Bispo com toda a sua alma, como acreditavam milhares de Bispos no mundo todo e umas dezenas, centenas de milhares de párocos da rede mundial tentacular também infalível. Tão infalível quanto era incontornável e irresistível, “pela graça do Espírito Santo” que o Bispo sentia fisicamente soprar no mundo inteiro como um vendaval avassaladoramente reconstrutivo.
Mas, como hoje, não eram poucos então os que não viam nisso senão ilusões e sintomas da mais irremediável decadência.
A.C.R.
Quando o Bispo se despediu, vieram em massa à porta principal da igreja com insistentes adeusinhos, antes de espontaneamente desatarem todas a dar palmas, em uníssono, iniciando uma prática que só alguns anos depois se tornou corrente e popular, não apenas fora mas dentro dos próprios templos convertidos em salas de espectáculos pagãos, convidando os “actores” a subir ao palco para vénias verdadeiramente… teatrais.
Ali nasceu, naquelas aldeias – e dizem que os beirões são tristonhos e bonzos chapados, sem graça nem inspiração!... Pois, na verdade, ali nasceu a prática dos aplausos à primeira vista despropositados, que um dia, anos depois, se estenderia mesmo aos enterros, na última despedida, quando os “actores” “sobem” (descem) ao derradeiro palco, deitados de costas debaixo da terra.
Aplausos, esse “juízo final” dos sobreviventes, em vez de orações de esperança na vida eterna…
O senhor Bispo partiu pensando nisto também, no que reflectia pela primeira vez, segundo mais tarde havia de explicar a Rufino de quem, sem querer, se tornaria o guia espiritual e uma espécie de confidente muito a propósito.
A propósito?
Mas foi o Bispo que chamou Rufino ao paço em particular.
Em particular, sim, porque precisava de falar-lhe, mandou dizer-lho pelo pároco, Pe. Manuel, antes de este ser levado a resignar, porque, segundo o Bispo lhe comunicou, estava como padre um tanto obsoleto, ultrapassado em relação às novas orientações da Igreja e do Papa “felizmente reinante”, que começavam a traçar o futuro do Catolicismo para os cem anos seguintes, garantiu-lhe.
Era um dos sinais da eternidade da Igreja – ditou o Bispo – essa sua comprovada capacidade de andar sempre cem anos à frente.
- Não achas? – perguntou-lhe D. Manuel sorrindo como sempre e sempre no mesmo jeito de enfrentar o mundo à sua volta completamente certo de domá-lo e torná-lo melhor e mais seguro para todos nós mas, não obstante isso tudo, um mundo também de esperanças ao nosso alcance.
- Vai em frente! Não hesites! – disse-lhe o Bispo – Vou mandar-vos o melhor dos meus padres novos. Ele fará que te compreendas melhor a ti próprio, em toda a dimensão dos teus enormes recursos…
- Vossa Excelência Reverendíssima, acredita, senhor Bispo?... – retorquiu-lhe Rufino, o mais cerimoniosamente que sabia para tratar um Bispo, na expectativa de que Sua Reverendíssima se explicasse melhor.
- Sim, acredito! – insistiu Dom Manuel ao fim duma eternidade, mas com energia renovada, como se tudo voltasse ao princípio, tomado o Bispo pelo seu entusiasmo e confiança dos seus melhores momentos. Sim, aqueles dois jovens, o “padre novo” de que falara e o próprio Rufino, é que lhe inspiravam grandes planos e grandes certezas para um futuro sem limites, em que a juventude, convencia-se ele, era o seu “ópio do povo”, ópio de vida e, ao mesmo tempo, a alavanca do porvir. Um porvir que ele via abrir-se e alargar-se infalivelmente, como infalível era a palavra do grande Papa Pio XI, que lhe traçava os contornos exactos, acreditava o Bispo com toda a sua alma, como acreditavam milhares de Bispos no mundo todo e umas dezenas, centenas de milhares de párocos da rede mundial tentacular também infalível. Tão infalível quanto era incontornável e irresistível, “pela graça do Espírito Santo” que o Bispo sentia fisicamente soprar no mundo inteiro como um vendaval avassaladoramente reconstrutivo.
Mas, como hoje, não eram poucos então os que não viam nisso senão ilusões e sintomas da mais irremediável decadência.
A.C.R.
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