2007/09/26
Memórias das minhas Aldeias
Esquecimentos da História
Parte VII - N.º 04 - EPICOSPAIS BRUTALIDADES
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Foi por ali, pela querela paroquial sumariamente referida, que começaram as invejas que tornariam impossível a Rufino continuar a viver na aldeia onde tinha nascido e crescido.
O pároco começou a arrepender-se de ter-lhe dado tanta “guita”, o que apenas compreendeu ao fim de alguns meses, mais de um ano, quando já só remédios radicais poderiam repor a sua própria autoridade de árbitro e chefe supremo.
Mas ele mesmo não adivinharia ainda que até o próprio bispo da diocese seria chamado a intervir para acalmar os ânimos e pacificar os ímpetos.
De facto o mal originário foi o sangue na guelra do miúdo Rufino.
O “senhor Alfredo” tinha um neto, o mais novo deles, em quem Rufino viu o meio de activar a simpatia e aliança do avô.
Ao Pe. Manuel não caiu bem a manobra, porque o rapazinho estava em caminho de descobrir uma vocação para o seminário – que na paróquia não surgia nenhuma havia mais de dez anos, quando antes era verdadeiro alfobre delas… E Pe. Manuel via ali o risco de também a vocação do neto do “senhor Alfredo” ir por água abaixo.
Pe. Manuel bem sabia que a Igreja possui garantias de “vida eterna”. Em todo o caso, defecções como essas sempre tornavam as coisas mais difíceis e mais trabalhosas. E, sendo as ovelhas ranhosas, no mundo, cada vez mais ranhosas, tudo também passava a ser sempre cada vez mais problemático e mais dependente, portanto, do reforço extra da divina Providencia, o que se afigurava sobretudo abusivo da parte da Igreja. E da clerezia naturalmente que sim, também.
Pois bem. A situação de conflito anunciada teve efectivamente a sua gravidade e ensinou muito a Pe. Manuel, mas foi sobretudo lição de primeira apanha para o nosso prezado Rufino, lição que ele jamais irá esquecer e que definitivamente o soldará para todo o sempre à Santa Madre Igreja, num amor da fidelidade mais absoluta e mais incondicional.
O grande Norte da sua vida, para dizer tudo e da forma mais simples.
Custe-nos embora o que nos custe compreendê-lo e ainda menos admiti-lo, pelo difícil que em muitos momentos da sua vida nos será entender o nexo entre atitudes variadas suas, na aparência profundamente contraditórias com o rigor e exigência do seu proclamado cristianismo.
A Professora Liberata foi a primeira ou talvez dos primeiros a sofrer-lhes o impacto, duma violência para que não estava preparada e que jamais poderia ter previsto ou imaginado.
A professora tinha uma sobrinha, pouco mais que adolescente, a quem prezava como a uma filha que nunca tivera nem poderia ter tido, pois aos treze anos fizera em segredo juramento, no altar de N.ª S.ª Conceição, de castidade absoluta para a vida inteira, levada não se sabe por que exemplos ou modelos de vida eventualmente difundidos pelos pregadores mais exigentes desses tempos de grande eloquência e rigor e de grande vibração para o ascetismo.
Dizia-se que a sobrinha já lhe seguira os passos.
Não se sabe por que mais ou menos subtis insinuações suas, Rufino sentiu abrirem-se os olhos do futuro seminarista para a beleza discreta mas irrecusável daquela pura adolescente que também foi atraída por ele, pela insistência delicada mas firme do rapaz.
Resultado: súbito se constatou que duas irresistíveis vocações se tinham perdido, a dele para o seminário e o sacerdócio, a dela para o convento e a renúncia à maternidade.
Foi grande o escândalo e maior o desespero do avô dele e da tia dela.
Certo é contudo que quanto constou daquele teor, respeitante ao envolvimento de Rufino no escândalo, nunca pôde ser confirmado por factos concretos, nem ele fez muito para clarear o ambiente.
Mas a agitação nos círculos paroquiais do Salvador foi inesperadamente excessiva e ameaçadora, a ponto de o Bispo da diocese ter julgado indispensável intervir.
O Bispo, com cinquenta e poucos anos, encantou mulheres e raparigas pelo seu ar de juventude e olhos muito azuis.
Dava a sensação de estar habituado a isso, pelo à vontade muito familiar e ao mesmo tempo correcto, sem rigidez, da postura exibida.
Todas o ouviram sem enfado, muito sossegadas e tranquilas, ao longo da longa homilia de quase vinte e cinco minutos, enquanto no coro os homens, mas sobretudo o pessoal da banda de música de Loriga, se iam agitando cada vez mais impacientemente.
Em lugar de homilia, melhor seria chamar-lhe sermão.
Sermão no sentido, que muitas vezes se dá à palavra, de desanca sem contemplações ou piedade.
O Bispo não teve ponta dumas nem doutra, embora sem que alguma vez perdesse o leve sorriso que lhe amenizava o rosto, enquanto desferia as episcopais brutalidades.
Ricos tempos!
Mais que umas tantas daquelas ouvintes do Bispo estariam lamentando que os maridos não lhes fossem ao pêlo com a mesma gentileza dele e pedindo-lhes desculpa também como D. Manuel, com o mesmo sorriso angelical.
O pároco começou a arrepender-se de ter-lhe dado tanta “guita”, o que apenas compreendeu ao fim de alguns meses, mais de um ano, quando já só remédios radicais poderiam repor a sua própria autoridade de árbitro e chefe supremo.
Mas ele mesmo não adivinharia ainda que até o próprio bispo da diocese seria chamado a intervir para acalmar os ânimos e pacificar os ímpetos.
De facto o mal originário foi o sangue na guelra do miúdo Rufino.
O “senhor Alfredo” tinha um neto, o mais novo deles, em quem Rufino viu o meio de activar a simpatia e aliança do avô.
Ao Pe. Manuel não caiu bem a manobra, porque o rapazinho estava em caminho de descobrir uma vocação para o seminário – que na paróquia não surgia nenhuma havia mais de dez anos, quando antes era verdadeiro alfobre delas… E Pe. Manuel via ali o risco de também a vocação do neto do “senhor Alfredo” ir por água abaixo.
Pe. Manuel bem sabia que a Igreja possui garantias de “vida eterna”. Em todo o caso, defecções como essas sempre tornavam as coisas mais difíceis e mais trabalhosas. E, sendo as ovelhas ranhosas, no mundo, cada vez mais ranhosas, tudo também passava a ser sempre cada vez mais problemático e mais dependente, portanto, do reforço extra da divina Providencia, o que se afigurava sobretudo abusivo da parte da Igreja. E da clerezia naturalmente que sim, também.
Pois bem. A situação de conflito anunciada teve efectivamente a sua gravidade e ensinou muito a Pe. Manuel, mas foi sobretudo lição de primeira apanha para o nosso prezado Rufino, lição que ele jamais irá esquecer e que definitivamente o soldará para todo o sempre à Santa Madre Igreja, num amor da fidelidade mais absoluta e mais incondicional.
O grande Norte da sua vida, para dizer tudo e da forma mais simples.
Custe-nos embora o que nos custe compreendê-lo e ainda menos admiti-lo, pelo difícil que em muitos momentos da sua vida nos será entender o nexo entre atitudes variadas suas, na aparência profundamente contraditórias com o rigor e exigência do seu proclamado cristianismo.
A Professora Liberata foi a primeira ou talvez dos primeiros a sofrer-lhes o impacto, duma violência para que não estava preparada e que jamais poderia ter previsto ou imaginado.
A professora tinha uma sobrinha, pouco mais que adolescente, a quem prezava como a uma filha que nunca tivera nem poderia ter tido, pois aos treze anos fizera em segredo juramento, no altar de N.ª S.ª Conceição, de castidade absoluta para a vida inteira, levada não se sabe por que exemplos ou modelos de vida eventualmente difundidos pelos pregadores mais exigentes desses tempos de grande eloquência e rigor e de grande vibração para o ascetismo.
Dizia-se que a sobrinha já lhe seguira os passos.
Não se sabe por que mais ou menos subtis insinuações suas, Rufino sentiu abrirem-se os olhos do futuro seminarista para a beleza discreta mas irrecusável daquela pura adolescente que também foi atraída por ele, pela insistência delicada mas firme do rapaz.
Resultado: súbito se constatou que duas irresistíveis vocações se tinham perdido, a dele para o seminário e o sacerdócio, a dela para o convento e a renúncia à maternidade.
Foi grande o escândalo e maior o desespero do avô dele e da tia dela.
Certo é contudo que quanto constou daquele teor, respeitante ao envolvimento de Rufino no escândalo, nunca pôde ser confirmado por factos concretos, nem ele fez muito para clarear o ambiente.
Mas a agitação nos círculos paroquiais do Salvador foi inesperadamente excessiva e ameaçadora, a ponto de o Bispo da diocese ter julgado indispensável intervir.
O Bispo, com cinquenta e poucos anos, encantou mulheres e raparigas pelo seu ar de juventude e olhos muito azuis.
Dava a sensação de estar habituado a isso, pelo à vontade muito familiar e ao mesmo tempo correcto, sem rigidez, da postura exibida.
Todas o ouviram sem enfado, muito sossegadas e tranquilas, ao longo da longa homilia de quase vinte e cinco minutos, enquanto no coro os homens, mas sobretudo o pessoal da banda de música de Loriga, se iam agitando cada vez mais impacientemente.
Em lugar de homilia, melhor seria chamar-lhe sermão.
Sermão no sentido, que muitas vezes se dá à palavra, de desanca sem contemplações ou piedade.
O Bispo não teve ponta dumas nem doutra, embora sem que alguma vez perdesse o leve sorriso que lhe amenizava o rosto, enquanto desferia as episcopais brutalidades.
Ricos tempos!
Mais que umas tantas daquelas ouvintes do Bispo estariam lamentando que os maridos não lhes fossem ao pêlo com a mesma gentileza dele e pedindo-lhes desculpa também como D. Manuel, com o mesmo sorriso angelical.
A.C.R.
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