2007/07/12
Memórias das minhas Aldeias
Esquecimentos da História
Parte VI - N.º 15 - DOIS "DEVOTOS" DE SALAZAR
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Jean Ousset seduziu imediatamente Rufino, em duas conversas que tiveram pouco depois do seu regresso das Américas, do Sul e Central, pela sua eloquência, pela sua cultura e clareza de ideias e propósitos, pelo seu programa, ardente de convicções e idealismo inteligente, pelo seu encanto, em suma.
Mas também Rufino convenceu Ousset do seu talento para a doutrina e para a acção, mesmo descontando o factor de aproximação que tinham descoberto ao fim das primeiras três horas a conversarem, a sua admiração sem restrições por Salazar.
Mas, ao contrário, como Rufino também já compreendera nos encontros com os mais novos – e todos os dias foram aparecendo outros que nunca vira – nenhuma desculpa dos actos de De Gaulle ou qualquer pequeno ou grande elogio deles eram ali bem recebidos.
O mais que, nesses casos, podia esperar-se, como reacção de qualquer frequentador ou responsável do Office, era um silêncio educado.
Mas geralmente percebia-se o sentido da fúria, maior ou menor, de parte de todos aqueles franceses, relativamente ao presidente da República que na altura tinham, não por ser presidente da República, mas por ser De Gaulle, a quem não perdoavam querer a qualquer custo desfazer-se do Império ultramarino da França, nem, talvez ainda mais grave, que tão ligeiramente tivesse traído as convicções monárquicas da sua juventude, dizia-se, convicções que em geral eram as dos seus críticos, adversários, dissidentes, inimigos.
Comparando com isso, não há dúvida de que com Salazar eles eram tolerantes sem limites, tudo lhe perdoariam, inclusive não ter implantado a monarquia, ao passo que a De Gaulle nada perdoavam.
Para eles, Salazar era a sabedoria sem mácula nem limites, ao passo que em De Gaulle tudo eram truques políticos que, mesmo quando geniais ou de uma audácia extrema, não conseguiam eles nem queriam perdoar-lhos.
Mesmo Rufino, apesar de novato em especulações de política internacional, acabou por perceber que a chave de todas as explicações era Pétain, o marechal comandante do exército francês que tivera de render-se aos alemães e assumir a chefia do Estado.
Na realidade, a direita francesa, em grande parte, não tinha ainda digerido a derrota de 1941, mas considerava a rendição única saída para uma catástrofe de que só as esquerdas eram culpadas pelas suas políticas de desarmamento, de derrotismo, de cedências sucessivas a Hitler e de completa cegueira estratégica nos anos da guerra e anteriores à guerra.
O marechal não passaria de vítima dos erros acumulados pelos políticos e pelo sistema degenerado da III República, vítima que tentara salvar o que era possível salvar da França, sacrificando mesmo o seu imenso prestígio como militar e herói francês maior da I Guerra Mundial.
Aos olhos de muitos franceses, Pétain continuava pois a ser o verdadeiro herói e o grande visionário, enquanto De Gaulle fora realmente o traidor, ao dividir a França profunda efectivamente em duas, impedindo-a também de desempenhar o papel de fiel da balança da guerra que prosseguiu de facto sem ela.
A chamada “Resistência” que De Gaulle fomentou no interior da França, sendo assim, foi por isso também, antes de mais, profundamente anti-francesa.
Rufino não conseguiria nem queria discutir as razões dos que defendiam qualquer das teses, cada uma das quais, parecia-lhe, fundada em argumentos que se contradiziam entre si, sobretudo a tese dos anti-gaullistas.
Talvez até tivessem dado a esta uns ares de coisa acabadamente coerente, de pensamento perfeitamente coerente que, no fundo, não possuiria. Mas isso era com os franceses. Agora do que Rufino precisava era que o deixassem trabalhar e que também trabalhassem consigo na mobilização dos imigrantes portugueses em França, à volta de Paris sobretudo.
“Maître” Jean Ousset concordou com Rufino, sem hesitação alguma.
A.C.R.
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