2007/07/05
Memórias das minhas Aldeias
Esquecimentos da História
Parte VI - N.º 12 - UM PROVINCIANO EM PARIS
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Os triunfos de Rufino em França foram construídos sobre bases muito menos misteriosas do que os seus inimigos quiseram fazer crer.
Instalado em Paris, ao serviço do nosso consulado, Rufino pôde rapidamente aperceber-se dos problemas que afligiam os imigrantes portugueses, que acorriam em longas filas, ao consulado, com suas grandes e pequenas aflições e que começavam a crescer em números surpreendentes, já deixando prever a enorme colónia que poucos anos depois chegariam a constituir.
Com apenas poucos dias de contactos com “aquela gente”, Rufino lembrou-se do que lhe contara na aldeia um emigrante português no Congo Belga, João Loureiro, bom conhecedor que era, por ter também ouvido contar aos mais antigos, de como, uns cinquenta anos antes, Zé Gomes, de Tourais ou da Lapa, soubera tirar proveito… De quê?... Lembram-se?... Dos problemas dos indochineses que quase só a pulso construíram o caminho-de-ferro do Baixo Congo, para sobre isso Zé Gomes edificar um enorme sucesso e enorme fortuna, como não chegara a conhecer-se outra, nem tão rápida, feita por portugueses em qualquer dos Congos.
De súbito, teve Rufino a certeza de que os imigrantes portugueses do séc. XX não fariam diferença alguma, ou pouca, dos imigrantes indochineses do séc. XIX para o séc. XX; e que, esgaravatando bem, até ofereceriam idênticas oportunidades a um tipo esperto como Zé Gomes … e como Rufino ele próprio, o qual, desde que soubera de Zé Gomes, percebia agora, o deixara instalar-se no seu íntimo como uma espécie de ideal subconsciente.
Tanto assim?
Rufino gostava singularmente da palavra associativismo, cujos ventos e potencialidades o Pe. Quelhas lhe explicara um dia, numa aula de Corporativismo, julgava lembrar-se, do Colégio de Seia. Porque fora numa daquelas aulas em que aprendera tudo o que sabia de política, que não era muito, mas tinha a solidez e perspicácia de quanto nesse domínio ensinava o Pe. Quelhas Bigotte, como era geralmente conhecido e tratado.
Não saberia na altura Rufino dizer porquê, mas o certo é ter sido “associativismo” a palavra que lhe ocorrera ao fazer a descoberta ou ter a intuição dos potenciais da imigração.
Pensando bem, teve-a logo por descoberta providencial.
Como logo também sentiu crescer a sua admiração já grande pelo Pe. Doutor Quelhas.
O associativismo – afigurou-se-lhe imediatamente – era a chave. O problema grande “daquela gente” era a sua incapacidade de associarem-se, de se organizarem em associações que se impusessem aos governos – os de Paris e de Lisboa – mas sobretudo à massa dos franceses comuns propensos a menosprezarem e abusarem dos imigrantes indefesos, na verdade de todos os imigrantes, mas os portugueses, a ele, Rufino, é que doíam a valer.
Convenceu-se pelo menos disso, em poucos minutos.
Mas quem poderia abrir-lhes os olhos e lançá-los na via dum associativismo militante, com grande sentido utilitário?
Talvez houvesse que espevitar-lhes o patriotismo, desde que isso porventura não ofendesse nem alertasse a reacção organizada dos franceses…
Mas, mesmo assim, quem seria o motor?
Porque não ele mesmo Rufino?
Foi falar com o cônsul. Discutiram a ideia. O cônsul achou muito interessante mas alertando para a eventualidade de Lisboa, o Ministério dos Negócios Estrangeiros, claro, pôr dificuldades… De facto, tudo seriam dificuldades, riscos, augurava o cônsul. Como poderiam dourar a pílula?
Não foi logo que Rufino entendeu que talvez as "dificuldades" ficassem muito reduzidas se o “esquema” não representasse trabalho e preocupações suplementares para o cônsul que nascera um tanto cansado.
Mas foi ele a sugerir, isto é, determinar que iriam pensar naquilo uns dias mais e que voltariam a falar, “conspirar” – disseram ambos a brincar, tal era a confiança que, em apenas alguns meses, poucos, o cônsul se habituara a depositar no súbito extra-numerário que a sorte fizera cair no consulado. Um consulado habitualmente conformado com a miséria de recursos humanos, sem rasgo nem iniciativa, da qual Lisboa gostava de ter o exclusivo, como continua a acontecer, ao que dizem observadores apressados, plantados nos seus lugares-comuns de emprenharem pelos ouvidos.
Quando voltaram a falar, o cônsul e o seu extra-numerário…
Instalado em Paris, ao serviço do nosso consulado, Rufino pôde rapidamente aperceber-se dos problemas que afligiam os imigrantes portugueses, que acorriam em longas filas, ao consulado, com suas grandes e pequenas aflições e que começavam a crescer em números surpreendentes, já deixando prever a enorme colónia que poucos anos depois chegariam a constituir.
Com apenas poucos dias de contactos com “aquela gente”, Rufino lembrou-se do que lhe contara na aldeia um emigrante português no Congo Belga, João Loureiro, bom conhecedor que era, por ter também ouvido contar aos mais antigos, de como, uns cinquenta anos antes, Zé Gomes, de Tourais ou da Lapa, soubera tirar proveito… De quê?... Lembram-se?... Dos problemas dos indochineses que quase só a pulso construíram o caminho-de-ferro do Baixo Congo, para sobre isso Zé Gomes edificar um enorme sucesso e enorme fortuna, como não chegara a conhecer-se outra, nem tão rápida, feita por portugueses em qualquer dos Congos.
De súbito, teve Rufino a certeza de que os imigrantes portugueses do séc. XX não fariam diferença alguma, ou pouca, dos imigrantes indochineses do séc. XIX para o séc. XX; e que, esgaravatando bem, até ofereceriam idênticas oportunidades a um tipo esperto como Zé Gomes … e como Rufino ele próprio, o qual, desde que soubera de Zé Gomes, percebia agora, o deixara instalar-se no seu íntimo como uma espécie de ideal subconsciente.
Tanto assim?
Rufino gostava singularmente da palavra associativismo, cujos ventos e potencialidades o Pe. Quelhas lhe explicara um dia, numa aula de Corporativismo, julgava lembrar-se, do Colégio de Seia. Porque fora numa daquelas aulas em que aprendera tudo o que sabia de política, que não era muito, mas tinha a solidez e perspicácia de quanto nesse domínio ensinava o Pe. Quelhas Bigotte, como era geralmente conhecido e tratado.
Não saberia na altura Rufino dizer porquê, mas o certo é ter sido “associativismo” a palavra que lhe ocorrera ao fazer a descoberta ou ter a intuição dos potenciais da imigração.
Pensando bem, teve-a logo por descoberta providencial.
Como logo também sentiu crescer a sua admiração já grande pelo Pe. Doutor Quelhas.
O associativismo – afigurou-se-lhe imediatamente – era a chave. O problema grande “daquela gente” era a sua incapacidade de associarem-se, de se organizarem em associações que se impusessem aos governos – os de Paris e de Lisboa – mas sobretudo à massa dos franceses comuns propensos a menosprezarem e abusarem dos imigrantes indefesos, na verdade de todos os imigrantes, mas os portugueses, a ele, Rufino, é que doíam a valer.
Convenceu-se pelo menos disso, em poucos minutos.
Mas quem poderia abrir-lhes os olhos e lançá-los na via dum associativismo militante, com grande sentido utilitário?
Talvez houvesse que espevitar-lhes o patriotismo, desde que isso porventura não ofendesse nem alertasse a reacção organizada dos franceses…
Mas, mesmo assim, quem seria o motor?
Porque não ele mesmo Rufino?
Foi falar com o cônsul. Discutiram a ideia. O cônsul achou muito interessante mas alertando para a eventualidade de Lisboa, o Ministério dos Negócios Estrangeiros, claro, pôr dificuldades… De facto, tudo seriam dificuldades, riscos, augurava o cônsul. Como poderiam dourar a pílula?
Não foi logo que Rufino entendeu que talvez as "dificuldades" ficassem muito reduzidas se o “esquema” não representasse trabalho e preocupações suplementares para o cônsul que nascera um tanto cansado.
Mas foi ele a sugerir, isto é, determinar que iriam pensar naquilo uns dias mais e que voltariam a falar, “conspirar” – disseram ambos a brincar, tal era a confiança que, em apenas alguns meses, poucos, o cônsul se habituara a depositar no súbito extra-numerário que a sorte fizera cair no consulado. Um consulado habitualmente conformado com a miséria de recursos humanos, sem rasgo nem iniciativa, da qual Lisboa gostava de ter o exclusivo, como continua a acontecer, ao que dizem observadores apressados, plantados nos seus lugares-comuns de emprenharem pelos ouvidos.
Quando voltaram a falar, o cônsul e o seu extra-numerário…
A.C.R.
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