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2007/07/06

Memórias das minhas Aldeias
Esquecimentos da História
Parte VI - N.º 13 - OS PROVINCIANOS ABUNDAM 

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Quando os dois voltaram a falar, foi em grande camaradagem, no gabinete do cônsul, que foi buscar o rapaz ao único esconso que encontrara de início onde pô-lo a trabalhar. Mas foi buscá-lo numa disposição nervosa e, ao mesmo tempo, ostensivamente animada, para lhe dizer, muito sorridente que tinha encontrado a solução.

A descoberta era simples, acentuou sem delongas, simples como a do “ovo de Colombo”, depois de sabida, ou quase tanto.

Porque pô-la em prática tinha óbices diversos, talvez difíceis de vencer.

“Mas não é assim tudo o que vale a pena?” – interrogou-se o cônsul em voz alta, valendo-se do mais batido dos seus recursos oratórios de filosofia acaciana.

Histórias e recursos igualmente um tanto acacianos do autor?..

Diz-se que o bom relacionamento entre o Estado Novo e o “gaullismo” estava por essa altura no seu ponto mais alto, os líderes de ambos entendiam-se maravilhosamente, via embaixadores, em particular o Marcelo Mathias – mas não cegamente, que não seria próprio de um nem do outro – antes com toda a confiança que podiam permitir-se os dois homens mais desconfiados e seguros de si, em todo o Mundo, que havia então na política internacional.

Era nessa convicção que o cônsul “trabalhava” e decididamente apostava, confessava-o ele mesmo.

Rufino sente-se maravilhado de penetrar assim, pela primeira vez, nos segredos e oportunidades da alta política europeia. Admirava-se de ver como o cônsul navegava sem hesitações nem pruridos nessas águas, para si radical novidade e uma alegre surpresa.

O cônsul está visivelmente com as velas enfunadas e isso ajuda o ânimo de Rufino que quer ir rapidamente em frente.

Das conversas que o cônsul teve com os seus superiores, incluindo o embaixador em Paris, ficou-lhe a certeza de que a ideia foi bem acolhida, que tem pernas para andar, se bem explicada e com as necessárias cautelas, primeiro que tudo tirar a todo o processo qualquer contaminação sindicalista ou reivindicativa.

O embaixador ficou até de consultar o Ministério dos Negócios Estrangeiros, talvez mesmo directamente o próprio ministro, que por sua vez não deixaria, com certeza, de levar a ideia ao Presidente do Conselho.

Estas notícias inflamavam Rufino cada vez mais, enquanto ele ia pensando os pormenores de como executar o plano.

Começava a ter dificuldade em controlar a impaciência que crescentemente o ia dominando.

Mas não tardaram a chegar notícias do próprio ministro, de facto. E não só o embaixador consultara o ministro, como este garantia ter falado efectivamente ao Chefe do Governo. E estavam todos de acordo. E não só concordavam como davam conselhos, mandavam orientações, estabeleciam limites, sugeriam cautelas, até palavras de passe…

E mais. Responsabilizavam o cônsul pessoalmente mas autorizavam-no a recrutar o apoiante que sugerira, isto é, Rufino. Por isso o embaixador queria ver ambos, sobretudo para avaliar o homem da ideia, de quem o cônsul, valha a verdade, dizia maravilhas.

O cônsul ficou quase sem respiração quando Rufino lhe disse que já fora seleccionando mentalmente os primeiros imigrantes que pensava convidar para consultas…

Consultas! – exclamou o cônsul, como se gemesse.

Parecera-lhe de súbito ver tudo ir por água abaixo.

“Sim, senhor Cônsul, consultas, lembre-se de que foi o próprio Presidente do Conselho, o senhor Presidente do Conselho, queria dizer, quem achou muito bem essa abordagem que eu e o senhor Cônsul propusemos!”

Desde então o cônsul deixou a Rufino toda a condução do processo. E quando o cônsul levou Rufino ao embaixador para se conhecerem, foi Rufino quem explicou todo o esquema para a acção ao representante de Portugal junto do governo de Paris de França.

Tudo o mais foi tão rápido também, que um ano mais tarde, olhando para trás, da sua nova posição no mundo da imigração portuguesa em França, nem o próprio Rufino tinha facilidade de acreditar que não era apenas um sonho.

O seu salazarismo de raízes profundas e longínquas – na aldeia eram todos salazaristas, a começar pelos pais – o seu salazarismo ganhara pretextos e alimento para crescer esse ano ainda mais, tornando-se árvore de ramos invisíveis mas frondosos, que todos conheciam mas ele nunca exibia.

Também é verdade que deixara de ter problemas de dinheiro. Fora desligado inteiramente do seu trabalho burocrático do consulado, para se dedicar exclusivamente à iniciativa e funcionamento das “associações” de imigrantes portugueses em França.

Ganhava, por mês, aquilo que para ele era uma pequena fortuna, habituado, como estava, à maior austeridade.

Ninguém percebia como o PM consentira num regime tão excepcional, coisa inteiramente fora das suas regras e rigores, para uns de bota de elástico, para muitos outros manifestação, prova suprema do seu génio político de estadista modelador do homem português e da sua História.

A.C.R.

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