2007/06/29
Memórias das minhas Aldeias
Esquecimentos da História
Parte VI - N.º 11 - ORIGENS DUM PROVINCIANO
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Donde vinha aquele “provinciano” que se apresentava como estando por trás disto tudo, Rufino de seu nome conhecido?
Vimo-lo em grupo no terreiro da aldeia, quase como que a chocarrear um pouco com os outros, olhando-os a todos de cima, considerando-os sem desprezo mas insignificantes, atraindo e adorando em geral as mulheres mas sempre menosprezando-as um tanto.
Já o dissemos, tinha então dezassete anos.
Depois não soubemos nada mais dele.
O tal que namorava a rapariga por quem Rufino andava doido de volúpia emigrou efectivamente, para o Congo, não sei se o Belga se o Francês, mas saira da Folgosa uns dias antes e na noite primeira que passou no Atlântico a caminho não sei se de Matadi, se de Ponta Negra… Nessa noite já Rufino ia na terceira ou quarta noite de farra na cama com Isabel, que assim se chamava a infidelíssima namoradeira.
Tudo bem, se não se tivesse deixado engravidar pelo amante que, naturalmente, não quis ouvir falar em aborto. De modo que a rapariga, como só visse reticências para casar em Rufino, não teve outra saída que não fosse enganar um terceiro namorado de que ninguém sabia, mas até aí platónico e que sempre platonicamente a visitara até o outro ir para a África.
Era rapariga de estofo!
Mas séria.
Pois que só impôs três condições a Rufino.
Uma, que ele não voltaria a deitar-se com ela.
A segunda, que ele desapareceria da aldeia, para bem longe, pelo menos Lisboa, antes do casamento dela com o tal outro.
A terceira, e não a menos dura, porque a atracção de Rufino por Isabel tinha assomos de cegueira e fixidez, a terceira era que Rufino não voltaria à aldeia enquanto ela ou o futuro marido fossem vivos!
Ah! E enquanto também forem vivos filhos dos três… quarta condição.
Rufino contou à mãe o que se passava, depois de a fazer jurar segredo por todas as almas dos que “lá temos”, expressamente e particularmente as de dois irmãos dele que tinham morrido já granditos, antes de Rufino nascer.
A mãe não só jurou, mas arranjou-lhe dinheiro para ele emigrar para França, que era para onde começavam a desandar, em massa, os portugueses que tivessem qualquer razão para não viver em Portugal.
Fez-lhe apenas um aviso e, ao mesmo tempo, uma recomendação.
O aviso, de que lhe ia ser situação intolerável ter de ignorar o filho de Isabel, como se ele não fosse filho de Rufino e neto dela. Não sabia como, mas teria de arranjar maneira de aguentar.
A recomendação/imposição, que quando lhe escrevesse de França ou Aragança, nunca, mas nunca, em absoluto, lhe falasse ou perguntasse, mesmo subentendidamente, pelo neto dela, aquele filho dele, Rufino.
Experimentou Paris e as facilidades de arranjar emprego, nesse tempo, eram tais que Rufino escolheu provisoriamente a construção civil, enquanto aprendia francês, com mira em futuro melhor. É que já decidira que entretanto iria conseguir melhorar bastante a sua escolaridade, que era pouco mais que elementar, constando apenas, para lá da primária, dos dois anos do “ciclo preparatório”, que conseguira fazer num só ano, com uma perna às costas, no Colégio de Seia.
Enquanto trabalhava, matriculou-se numa das escolas portuguesas da zona de Paris, mantidas pelo governo de Lisboa, onde rapidamente revelou talentos surpreendentes para o estudo.
De pressa percebeu e jurou a si próprio que faria em metade do tempo, não mais de ano e meio, os três anos que lhe faltavam para completar o que então já se chamava o 9º ano da escolaridade obrigatória. Mas mesmo assim melhorando sempre o seu Francês, em que descobria, quase às cegas, um poder de expressão fantástico que, coisa singular, lhe fazia gostar e descobrir, também cada vez mais, a riqueza do seu Português que voltara a usar muito, porque tinha bastas e contínuas ocasiões disso, no Consulado geral, onde por um acaso formidável arranjara um “furo” temporário inesperado. Era mal pago mas dava-lhe muito mais tempo para pensar e estudar, que agora tinha a certeza de serem as melhores ocupações para singrar naquilo que, apesar de tudo, não deixava de considerar a sua triste vida de então.
Mas também descobrira que, sendo isso verdade, não deixava de ser a garantia de que, para escapar à “triste vida”, acabaria por mais cedo agarrar os triunfos que sabia estarem-lhe prometidos pela Providência.
A.C.R.
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