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2007/06/26

Memórias das minhas Aldeias
Esquecimentos da História
Parte VI - N.º 09 - Um empurrão histórico 

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Rufino apreciaria sobretudo, mais tarde, ouvir classificar assim os acontecimentos e passos desses dias.

Estava-lhe no sangue.

Informou do desafio recebido de Sevilha, onde estava exilado o Professor, apenas os seus tês colaboradores mais íntimos e de maior poder de decisão, com quem se encontrou na sede. Resolveram ali mesmo propor ao Professor por telefone irem ter com ele a Ayamonte para mutuamente se esclarecerem melhor.

Tinham a certeza de que o telefone usado não estaria sob escuta dos “pides” da Revolução. Mas o Professor é que ficou apavorado, a tremer, não se percebia se da excitação pelo projecto e de cautela prudencial, se de puro medo, um tanto cagarola como por alguns era tido.

Mas aceitava-se. O Professor deixara família em Lisboa, mulher, filhos e netos, e o isolamento em Sevilha trazia-o irritado e assustadiço. Foi por isso quase comovedor o encontro de Ayamonte entre amigos e conhecidos, a tal ponto o Professor parecia, no fim, reviver das esperanças pela excelente audiência dos compatriotas para o desafio que lhes remetera para Lisboa.

O que também o fazia sentir-se vibrar de importância renovada, factor decisivo de realização pessoal, que havia muito não acariciava por dentro, como era e sempre fora indispensável ao seu ego.

Só muito mais tarde o Professor confessaria que a ideia lhe fora sugerida, em Lisboa ainda, por um colega docente da sua antiga Universidade, de que ambos eram catedráticos, mas que na altura lhe parecera megalómana e sem “mercado”, completamente deslocada, talvez porque as suas esperanças de ser reintegrado na Universidade eram ainda muitas e agora nenhumas…

Era evidente que sonhava voltar ao Ensino pela via sugerida.

Tanto era esse o sentido mais profundo do desafio que não negou, quando Rufino se apressou a observar que afinal isso não passaria de umas meras salas de estudo de preparação e aperfeiçoamento de finalistas do secundário para a frequência posterior da Universidade.

O Professor acenou que sim com a cabeça, mas automaticamente Rufino levantou-se para dizer que, para “salas de explicações”, não contassem com ele nem com o “movimento”. Que queriam uma Universidade, uma verdadeira Universidade. E logo voltou a sentar-se porque o Professor, ligeiramente surpreendido, não demorou a tranquilizá-lo, que “sim senhor”, que “sem dúvida criara um equívoco”, que “de facto”, que “vistas as circunstâncias gravíssimas…”, que “só uma Universidade estaria à altura de resolver a anarquia trazida à Universidade pública pelo espírito e desgovernos de “Abril”.

Rufino não hesitara em usar os seus métodos, para que não houvesse ponta de dúvida sobre quem estava decidido a mandar ali, e sentiu-se confortado e compensado, por ficar a saber como devia passar a tratá-lo sempre.

Mas voltemos à reunião de Ayamonte.

Também aí Rufino dera as primeiras provas dos seus métodos, porque se pôs a questão da entidade que havia de organizar a Universidade: uma fundação talvez… uma sociedade comercial… uma simples associação… uma cooperativa, muito na moda com a Revolução?...

“Uma cooperativa! – disse sem hesitar Rufino – Assim ninguém se vai assustar com as nossas ambições, para uma Universidade privada, que será a primeira de Portugal!”

Nenhum dos presentes perguntou ou estranhou nada e ficou aceite sem discussão que seria uma cooperativa.

Quanto viria Rufino a arrepender-se dois ou três anos mais tarde da solução que impusera com tanta facilidade, talvez porque nem um só – salvo ele próprio – tivera até aí oportunidade de conhecer as implicações e inconvenientes duma cooperativa, de qualquer cooperativa!

Mas os dados estavam jogados, sem poder perceber-se ou prever-se, então, que grande parte dos problemas e vulnerabilidades da futura Universidade viriam exactamente da sua instituição fundadora, uma cooperativa.

“E casa?” – perguntou o Manuel Arnao.

“Isso – cortou Rufino que de súbito estava cheio de pressa, porque como sempre queria voltar rápido a Lisboa –. Isso… e o nome da Universidade… e o Reitor… e as propinas… e como contornar a lei do ensino superior privado, que não existe!... isso fica tudo para a primeira reunião em Lisboa, quando o Professor puder deixar o exílio, que não vai tardar, porque das consequências do “11 de Março”, graças ao “25 de Novembro” e às eleições, o País vai recuperar cada vez mais de pressa.” Não tarda temo-lo em Lisboa, Professor!” – exclamou Rufino com uma palmada ligeira nas costas dele, que a cerimónia ainda não lhe permitia muito mais.

Todos sorriram e foi assim que se despediram “até Lisboa”, com Rufino no seu íntimo dispondo já as coisas em pensamento, de modo a encontrar-se com as pessoas que lhe trariam soluções para os muitos problemas que ficavam ainda pendentes.

A.C.R.

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