2007/06/11
Memórias das minhas Aldeias
Esquecimentos da História
Parte VI – N.º 04
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Tínhamos jurado um ao outro que um dia havíamos de virar a esquerda do avesso. Como quem diz “desorientá-la” de tal modo que fosse incapaz de reencontrar o seu Norte e desatasse a não dizer coisa com coisa, ainda mais do que sempre lhe foi próprio.
Não foi tão difícil como podíamos pensar.
Porque, na verdade, não conhecíamos bem a esquerda, nem quanto lhe faltava sentido algum de humor e o sentido das responsabilidades, mais co-relativos e interdependentes um do outro do que se imagina.
Houve um tempo em que escrevíamos ambos para o mesmo semanário de direita, por alguns facciosos tomado mesmo como de extrema-direita.
Era frequente escrevermos cada um para seu lado, discutindo um com o outro como se fôssemos adversários, atacando um o que o outro defendia e vice-versa.
Para criar suspense… Para alimentar expectativas e alçapões.
Deliciosas simulações nos permitimos!
Mas acreditávamos que a censura não nos tocaria, tão obviamente conforme aos interesses do regime era o que escrevíamos que, chegámos a pensar, até a esquerda podia responder aos nossos desafios que, mesmo espalhando os seus dislates, estava a servir connosco o regime contra que se batia.
Digamos que a censura – ou quem nela mandava – acharia interesse às nossas teses e para lhes dar mais verosimilhança deixaria passar o contraditório esquerdista.
Acreditávamos que o guarda-chuva que fornecíamos assim à esquerda acabaria por beneficiar-nos, ao mesmo tempo que a desmascarávamos.
Queríamos pôr a censura a permitir-nos o gozo de assistirmos ás cambalhotas dos censurados para fazerem passar na Imprensa as teses fracturantes com que a censura mais embirrasse.
Tínhamos, por isso, decidido fazer o contrário: dávamos nós a cambalhotas e obrigávamos os “esquerdas” a perder a transmontana com as nossas mais imprevisíveis piruetas. Talvez o melhor de tudo tenha sido o que recordo a seguir.
Aproveitámos a proximidade do trigésimo aniversário do Alzamiento nacionalista em Espanha para lhes provocarmos as “garras” e a falta de sentido de humor, em geral, e histórico, em particular.
O meu amigo descobrira uma tese inédita, absolutamente chocante para alguns, enquanto outros ficavam perplexos ou atónitos, sem conseguirem pronunciar-se.
Segundo ele ou no seu ver, os Aliados jamais teriam vencido a Alemanha e ganho a Europa, se Franco não tivesse ganho a Guerra Civil de Espanha contra Comunistas e Soviéticos. Teriam estes, nessa hipótese, ganho eles a Europa. E os anglo-americanos o mais que teriam podido fazer para recuperar essa Europa, seria aliarem-se aos alemães…. nazis, contra os soviéticos a cercarem a Europa pelo Oriente, ou fosse a URSS comunista, e pelo Ocidente, ou fosse a Península Ibérica mas comunizada, uma vez derrotado Franco.
Sendo assim, explicava o meu amigo em sucessivos e repetidos artigos, no tal pasquim de direita ou extrema-direita, a Nova Ordem democrática europeia, em que vivemos ainda, só fora possível graças à vitória de Franco, de quem os democratas e as democracias sempre espalharam cobras e lagartos.
Franco, tanto como as democracias, responsável pela ordem nova europeia, vigente, em pleno, pelo menos desde 1945!
Viva Franco!... arriba Espana, una grande y libre!...
Parecía irrecusable e indesmentível.
Mesmo metendo os pés pelas mãos, como os esquerdas logo desataram a fazer, em desespero.
Desta vez, em lugar de fingir desacordo com o meu amigo, em vez de atacá-lo, apressei-me a apoiá-lo entusiasticamente e a reforçar a sua argumentação, já de si suficiente para calar detractores mais finos que os esquerdistas trôpegos dominantes nos MCS.
Foi a oportunidade de juntar em frente unida esquerdas e extrema-direita contra nós ambos, eu e o meu amigo, uma honra e sumo divertimento, inéditos uma e outro.
Os esquerdistas – iludindo a censura – caíram-nos em cima, acusando-nos duma tentativa infame, nada menos de acintosamente querermos arrastar pela lama o papel decisivo e histórico da URSS na vitória sobre o nazismo; a extrema – direita cobriu-nos de sarcasmos por pretendermos negar ao franquismo o seu maior mérito, exactamente o seu anti-democratismo radical, asseguravam os rapazes, quase todos de “pinhas” rapadas e todos de bracinhos ao alto.
Por uma táctica nossa de grande êxito, resolvemos continuar a discutir e desenvolver o assunto entre nós ambos, no jornal, ignorando a existência de uns e outros, de esquerda e de extrema direita, mas nunca deixando indirectamente sem resposta um único argumento que valesse a pena, dos poucos deles todos.
Ficou memorável!
Tivemos orgulho em ensinar a uns e outros coisas fundamentais de que nunca tinham ouvido falar, sobre que nunca tinham reflectido e que aparentemente muito abalaram os reflexos condicionados, pavlovianos, de uns tantos dotados de algum Q.I..
Mas talvez esteja a presumir. A verdade é que todos acabaram por recair nos lugares-comuns próprios das ideias ou falta de ideias deles. Como a todo o momento se pode confirmar, são incuráveis e cada vez mais parecidos uns com os outros.
A.C.R.
Não foi tão difícil como podíamos pensar.
Porque, na verdade, não conhecíamos bem a esquerda, nem quanto lhe faltava sentido algum de humor e o sentido das responsabilidades, mais co-relativos e interdependentes um do outro do que se imagina.
Houve um tempo em que escrevíamos ambos para o mesmo semanário de direita, por alguns facciosos tomado mesmo como de extrema-direita.
Era frequente escrevermos cada um para seu lado, discutindo um com o outro como se fôssemos adversários, atacando um o que o outro defendia e vice-versa.
Para criar suspense… Para alimentar expectativas e alçapões.
Deliciosas simulações nos permitimos!
Mas acreditávamos que a censura não nos tocaria, tão obviamente conforme aos interesses do regime era o que escrevíamos que, chegámos a pensar, até a esquerda podia responder aos nossos desafios que, mesmo espalhando os seus dislates, estava a servir connosco o regime contra que se batia.
Digamos que a censura – ou quem nela mandava – acharia interesse às nossas teses e para lhes dar mais verosimilhança deixaria passar o contraditório esquerdista.
Acreditávamos que o guarda-chuva que fornecíamos assim à esquerda acabaria por beneficiar-nos, ao mesmo tempo que a desmascarávamos.
Queríamos pôr a censura a permitir-nos o gozo de assistirmos ás cambalhotas dos censurados para fazerem passar na Imprensa as teses fracturantes com que a censura mais embirrasse.
Tínhamos, por isso, decidido fazer o contrário: dávamos nós a cambalhotas e obrigávamos os “esquerdas” a perder a transmontana com as nossas mais imprevisíveis piruetas. Talvez o melhor de tudo tenha sido o que recordo a seguir.
Aproveitámos a proximidade do trigésimo aniversário do Alzamiento nacionalista em Espanha para lhes provocarmos as “garras” e a falta de sentido de humor, em geral, e histórico, em particular.
O meu amigo descobrira uma tese inédita, absolutamente chocante para alguns, enquanto outros ficavam perplexos ou atónitos, sem conseguirem pronunciar-se.
Segundo ele ou no seu ver, os Aliados jamais teriam vencido a Alemanha e ganho a Europa, se Franco não tivesse ganho a Guerra Civil de Espanha contra Comunistas e Soviéticos. Teriam estes, nessa hipótese, ganho eles a Europa. E os anglo-americanos o mais que teriam podido fazer para recuperar essa Europa, seria aliarem-se aos alemães…. nazis, contra os soviéticos a cercarem a Europa pelo Oriente, ou fosse a URSS comunista, e pelo Ocidente, ou fosse a Península Ibérica mas comunizada, uma vez derrotado Franco.
Sendo assim, explicava o meu amigo em sucessivos e repetidos artigos, no tal pasquim de direita ou extrema-direita, a Nova Ordem democrática europeia, em que vivemos ainda, só fora possível graças à vitória de Franco, de quem os democratas e as democracias sempre espalharam cobras e lagartos.
Franco, tanto como as democracias, responsável pela ordem nova europeia, vigente, em pleno, pelo menos desde 1945!
Viva Franco!... arriba Espana, una grande y libre!...
Parecía irrecusable e indesmentível.
Mesmo metendo os pés pelas mãos, como os esquerdas logo desataram a fazer, em desespero.
Desta vez, em lugar de fingir desacordo com o meu amigo, em vez de atacá-lo, apressei-me a apoiá-lo entusiasticamente e a reforçar a sua argumentação, já de si suficiente para calar detractores mais finos que os esquerdistas trôpegos dominantes nos MCS.
Foi a oportunidade de juntar em frente unida esquerdas e extrema-direita contra nós ambos, eu e o meu amigo, uma honra e sumo divertimento, inéditos uma e outro.
Os esquerdistas – iludindo a censura – caíram-nos em cima, acusando-nos duma tentativa infame, nada menos de acintosamente querermos arrastar pela lama o papel decisivo e histórico da URSS na vitória sobre o nazismo; a extrema – direita cobriu-nos de sarcasmos por pretendermos negar ao franquismo o seu maior mérito, exactamente o seu anti-democratismo radical, asseguravam os rapazes, quase todos de “pinhas” rapadas e todos de bracinhos ao alto.
Por uma táctica nossa de grande êxito, resolvemos continuar a discutir e desenvolver o assunto entre nós ambos, no jornal, ignorando a existência de uns e outros, de esquerda e de extrema direita, mas nunca deixando indirectamente sem resposta um único argumento que valesse a pena, dos poucos deles todos.
Ficou memorável!
Tivemos orgulho em ensinar a uns e outros coisas fundamentais de que nunca tinham ouvido falar, sobre que nunca tinham reflectido e que aparentemente muito abalaram os reflexos condicionados, pavlovianos, de uns tantos dotados de algum Q.I..
Mas talvez esteja a presumir. A verdade é que todos acabaram por recair nos lugares-comuns próprios das ideias ou falta de ideias deles. Como a todo o momento se pode confirmar, são incuráveis e cada vez mais parecidos uns com os outros.
A.C.R.
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