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2007/06/08

Memórias das minhas Aldeias
Esquecimentos da História
Parte VI – N.º 03 

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Pelos anos sessenta tive um grande amigo com quem muito gostava, e ele gostava também, de fazer longas e “profundas” especulações sobre a vida política em geral e a portuguesa em particular.

Tinha vinte e tal anos mais que eu, fora o meu primeiro chefe na função pública, e apesar de tudo entendíamo-nos muito bem, com alguma cerimónia sempre mas com muita franqueza e liberdade de pensamento, embora não tanta de expressão, porque a cerimónia e a diferença de idades, nesse tempo, a tornavam menos espontânea e mais contida, hoje penso que pelo grande respeito mútuo entre nós, principalmente.

Dava-nos especial deleite zurzir gente pouco respeitável da política, tivéssemos ou não afinidades ideológicas com elas.

A começar pelos esquerdistas da Pátria, particularmente abundantes em certa altura, a quem chamávamos “cães em vinha vindimada”.

Isto é, gente que se imaginava então superior a tudo e a todos e, por isso, gostava de aparentar que não nos conhecia e de fingir que desprezava a gente de direita ou que simplesmente, não se deixava passar por gente de esquerda, o que seria nos nossos círculos o máximo dos horrores e das indignidades.

Ser de esquerda era mais que uma tara, era também um nódoa indelével.

“Eles” sabiam o que pensávamos e só conseguiam imaginar uma vingança: Olhar-nos de alto, por entenderem que “não há como o desprezo”. Acreditavam até que isso nos faria perder pelo menos o sono. Não sabiam que nenhum de nós precisava de dormir mais do que cinco ou seis horas em cada vinte e quatro.

Mas o meu amigo era muito escrupuloso com a dignidade do “próximo”, chegava a pedir-me que não fosse tão cruel com aquela gentinha que não tinha culpa de ter nascido quase toda estrábica. E eu respondia-lhe, sorrindo…

“Mas qual de nós dois será, afinal, mais cruel com eles? … Eu que me contento com charmar-lhes “cães em vinha vindimada” ou o senhor que os considera estrábicos, zarolhos, zambaios, zanagos, vesgos, caolhos?...”

“Ah! Seu dicionário de sinónimos! – ripostava ele -. Por favor pare.”

“E há muitos mais! – respondia-lhe – Mas não digo, sossegue… Já chega de insultos. E não fui eu que puxei por isso!” – observava-lhe, brincando.

“Mas sempre lhe digo – insisti – que há coisas bem piores que esses supostos insultos. Esta gente de esquerda tem um considerável mérito: sabe autopublicitar-se e promover-se –. São bons comerciantes. Aos seus próprios olhos, sabem tudo, são os mais inteligentes, são os únicos rigorosos e exigentes em matéria de moral, só eles são gente séria, são os únicos que pensam nos desvalidos e fazem alguma coisa por eles, um não mais acabar de presunções e água benta!”

O meu amigo fez um gesto de algum enfado como de quem já muitas vezes me ouviu aquela ladainha.

Eu fiz de conta que não percebi e mudei de disco.

“Agora – disse eu – descobri-lhes há poucos dias um fraco que deixa alguns completamente desorientados…Sabe como eles são gente de lugares comuns repetidos até à exaustão, sem senso crítico nem pudor algum de repetirem asneiras muito batidas, só porque as atribuem a alguma das suas autoridades intocáveis…”

“Então diga lá…”

“Coisas simples… que o Marx se esqueceu se calhar de ensinar-lhes e fornecer-lhes respostas. Garanti-lhes que esquerdas nunca houve, senão a partir da Revolução Francesa e que todos os progressos da humanidade, todos os movimentos inovadores e revolucionários, até então, foram exclusivamente promovidos e conduzidos pelas direitas.

Se não precisámos de esquerdas durante tantos milhares de anos, por que havemos de precisar delas agora? Vão ver que as esquerdas estão a acabar. Talvez em breve, e não fazem cá falta alguma… Até aqui, embora completamente surpreendente isto tudo e os deixasse zonzos, ficaram apenas perplexos, os meus esquerdistas. Muito pior foi depois.

A.C.R.

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