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2007/05/25

Memórias das minhas Aldeias
Esquecimentos da História
Parte V – N.º 19 

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Aquele “tonto duma figa” não chegou a casa, no dia seguinte, senão quando estava prestes a começar a festa de São Marcos que tinha essa noite o seu arraial, famoso em todo o concelho e concelhos vizinhos e, desde o ano anterior, ainda mais famoso, verdadeiramente ultrafamoso.


Ora Rufino de modo algum podia faltar ao lançamento do “balão gigante”.

Dois emigrantes nos Estados Unidos, o Toni e o Meni, com a tónica no “i”, como seriam lá conhecidos e como gostavam de continuar a ser tratados cá, tinham chegado havia pouco mais de um ano, regressados definitivamente a Portugal com um pequeno pecúlio que talvez lhes bastasse para o resto das vidas.

Traziam com eles uma coisa nunca vista.

E isso era o seu grande capital, o do respeito que desejavam e haviam conseguido merecer dos seus conterrâneos.

Valia muito mais que todo o dinheiro, aos olhos deles, pois que de modo nenhum podiam competir, a contado, com os emigrantes nos Congos, Belga e Francês, e mesmo no Brasil ou na África do Sul, que ainda não era o que viria a ser.


Meni e Toni haviam aprendido na América a construir um enorme balão, como não se fazia igual no nosso País, asseguravam os artistas. Tinham-se saído bem no ano anterior e a responsabilidade era, por isso, ainda maior agora. Crescera apenas algum receio de ambos. Quando tinham começado, no ano anterior, o trabalho de fazer o balão, não sabiam ainda quanto aqueles rapazes que se apressaram a dar-lhes ajuda eram pouco jeitosos, mal jeitosos de mãos, inábeis, para dizer tudo.

Estariam melhor para o novo balão?

O Zezinho Cruz, em quem tinham tanta confiança, garantia-lhes que sim, mas Toni e Meni desconfiavam da boa vontade dele, apesar de como tecelões novatos estarem todos a trabalhar para o patrão, na “fábrica” inaugurada umas semanas antes.

Esse ano a festa a São Marcos foi por isso também a festa da inauguração da “fábrica” e de acção de graças pelos benefícios que trazia à Folgosa do Salvador e a toda a Freguesia.

Quando já passava uns minutos da meia-noite e o balão das mil folhas de muitas cores, com a enorme mecha acesa, começou a querer subir e o largaram para subir, subir, subir no céu, até desaparecer no meio das estrelas, todos enfim puderam sossegar das suas desconfianças sobre as capacidades da rapaziada para colar pelo seguro todas as mil folhas, uma a uma, sem deixar fenda ou risco de fenda por onde o ar quente se escapasse e o balão subisse pouco e mal, acabando por descer sobre a povoação e deitar fogo às casas.

É certo que, para prevenir o pior, todas as medas de palha dos fenos segados nos últimos dias tinham sido cobertas de terra ou afastadas para bem longe.

Assim, também nenhum proprietário deixara de tomar estritas precauções enchendo de água quantos baldes havia em casa, para os ter à mão, perto de todos os sítios onde houvesse riscos de caírem fagulhas e – sabe-se lá! – pingarolas acesas ou bocados da mecha encharcada de petróleo.

Que frio fez quando o balão desapareceu de todo no céu super-estrelado!

As pessoas tinham-se esquecido de que ainda era Abril e nem com um casaquito ligeiro vinham protegidas, para o terreiro do arraial, tal o entusiasmo de não perder a largada do balão que já fazia inveja, segundo algumas delas, aos próprios “americanos da América” que o tinham inventado.

De tal modo que o Meni e o Toni, fora de si de entusiasmo, começavam a pensar se não seria altura de projectar um balão de mil e quinhentas folhas a mandar para o espaço no arraial de São Marcos do ano seguinte. Embora tal monstro, diziam o Meni e o Toni, que falavam sempre em coro de dois, garantissem que tal feito só era ousado por especialistas de Nova Iorque, sim, Nova Iorque mesmo, visto impor um reforço muito arriscado da caldeira, a armação que suportava a mecha.

Mas ficaram de pensar, concordaram todos, e então Zezinho Cruz decidiu que, nesse caso, se chegassem a tanto, conviria não deixarem de requerer a patente da invenção.

“Em nome do São Marcos!” – exclamou, com o seu ar mais sério de malandro, o “Rufino das pegas”, como o tratavam os invejosos dos seus sucessos e sem-vergonhas de femeeiro.


A.C.R.


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