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2007/05/14

Memórias das minhas Aldeias
Esquecimentos da História
Parte V – N.º 14 

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Sem essa informação, mas com tanto ou ainda mais instinto - que é sempre o que lhes vale – muitos empresários chegam a aparentar um verdadeiro poder divinatório do sentido das modificações políticas, internas e externas, que virão beneficiá-los ou prejudicá-los, no devir das correntes comerciais com o exterior, a curto ou médio prazo.

Direi que terá sido muitas vezes o caso de Joaquim Fernandes Simões.

Poderíamos falar da sua actuação empresarial, do aproveitamento de ventos e marés, nas conjunturas da “expedição militar dos Açores” em 1940-44, ou da guerra do Ultramar, em 1961-74, ou do extraordinário boom económico europeu a partir de 1951.

Mas detenho-me apenas na compra da fábrica de Vodra, em 1937, que é também a prova do seu apuradíssimo “faro” comercial.

J. Fernandes Simões quis aquela fábrica e teve a fábrica de Vodra.

Penso que, ao comprar a fábrica de Vodra, ele usou flagrantemente o seu poder divinatório.

Ter-lhe-ão palpitado as enormes possibilidades que as guerras em curso ou a rebentar, em breve abririam à industria, num País governado pelo génio político de Salazar, já revelado, que merecia toda a confiança?

Com o capital amealhado no comércio das lãs e o grande crédito de confiança que já conquistara junto da banca, bem como talvez com os créditos por fornecimentos de lãs eventualmente feitos à firma João Dias, e por cobrar, “atirou-se” Joaquim Fernandes Simões decididamente à compra da fábrica de Vodra.

Por um valor que me constou em 1939 e que, actualizado para escudos cotados pelo euro, parece realmente impressionante, sobretudo atendendo ao breve currículo empresarial do tão jovem comprador*. Por outro lado, o estado a que a fábrica chegara, com apenas vinte trabalhadores ao serviço – disse-me ele – torna o valor de que se falou ainda mais aparatoso. Mas, mesmo assim, porventura não excessivo em si, se pensarmos que, com o rigoroso “condicionamento industrial” em vigor então, só o alvará da fábrica teria com certeza alto valor.

Enfim, um acto, essa compra, que bem revela que nível atingira já a capacidade de decisão e o poder de manobrar capitais que o nosso homem demonstraria ao longo de toda a sua vida.

Porque Joaquim Fernandes era de facto um negociador extraordinário, infatigável, persistente, imaginativo e clarividente, mas que não perdia tempo, nem o seu nem o dos outros, com manobras para poupar tostões, quando tinha que obter o que desejava verdadeiramente.


Dizia-se, até ao fim, entre os seus amigos e admiradores, a respeito do seu dinamismo empreendedor, da sua capacidade negocial e do seu sentido das oportunidades, que “mais vinte empresários em Portugal, com os seus poderes e iniciativa, e depressa recuperávamos a distância que nos separa de muitos dos países mais avançados”.

Talvez nem todos os que o diziam, mesmo assim, pudessem fazer justiça aos efeitos positivos mais profundos da sua visão industrialista e empresarial.

No apogeu do grupo têxtil de J.F.Simões, só nas fábricas de Seia, Vodra e Quintela chegaram a estar ocupados mais de 4000 trabalhadores.

De 1940 a 1975, Seia passa a ser o segundo Concelho da Serra da Estrela, no peso dos lanifícios, confecções incluídas, só atrás do grupo Covilhã-Unhais da Serra-Tortozendo.

Passa também de Concelho predominantemente agrícola a concelho largamente dominado pela indústria e pelos serviços. Foi este crescimento que permitiu e motivou a grande expansão do emprego e do nível de vida. Com as remessas dos emigrantes também, permitiria tal expansão o grande surto urbanístico da vila, promovida a cidade em 1986.

A ponto de o concelho de Seia, em desenvolvimento urbano, económico e escolar, ter passado claramente à frente dos concelhos vizinhos de Oliveira do Hospital, Gouveia, Nelas, Manteigas e mesmo Mangualde, ao passo que em 1939 só não era ultrapassado pelos de Nelas e Manteigas.

Foi ainda o concelho do distrito da Guarda que, salvo o próprio concelho da Guarda, terá sofrido menor quebra demográfica desde 1960.

Mas talvez a transformação das mentalidades tenha sido ainda o mais importante, no sentido do aparecimento dum maior espírito de iniciativa, dum crescente gosto pelo risco empresarial e duma valorização profissional mais moderna dos trabalhadores.

Sem isso, não teria também sido possível superar a crise económica e do emprego, grave e extensa, que assolou toda a região a partir de 1981, com a súbita e quase total extinção da indústria de lanifícios, em resultado da concorrência internacional, sobretudo da Europa oriental e da Ásia.

Não esqueço a obra de António Marques da Silva, o criador da Hidroeléctrica da Serra da Estrela, mas não sei de outro caso contemporâneo como o de Joaquim Fernandes Simões, em que a iniciativa e esforço de um só homem e seus colaboradores tenham, em tal escala, impulsionado e conduzido à radical transformação da região onde exerceram a sua actividade dominante.

A criação de Seia moderna – melhor direi, a recriação ou refundação de Seia, no Séc. XX – foi fruto, directo e indirecto, principalmente da actividade de Joaquim Fernandes Simões que bem se valeu até, para isso, do exercício do cargo de presidente da Câmara Municipal, desempenhado durante doze anos, em acumulação com a direcção do seu grupo industrial e comercial.

O que é conhecer Seia hoje, de há quarenta anos para cá, e tê-la conhecido há 50 ou 60 anos!

Hoje Seia, como nos últimos 26 anos, mostra-se apta para por si própria se lançar em novos grandes saltos em frente, no seu desenvolvimento. Mas porque o gigantesco salto foi dado sob os primeiros e prolongados impulsos fundamentalmente criativos de Joaquim Fernandes Simões.

Por isso, é grande a homenagem pública que lhe é devida.

E que ele recusou em vida.

A.C.R.

*Teriam sido 1500 contos da época, 1937.

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