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2007/05/02

Memórias das minhas Aldeias
Esquecimentos da História
Parte V – N.º 09 

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Graças às protecções de que gozava nos círculos máximos dos poderes coloniais – que largamente subornaria, entenda-se – fosse no Congo Belga ou Estado Livre do Congo, fosse em Angola, o comendador “capitão” nunca foi apanhado nas redes estendidas aos fornecedores de armas para os sobas dum lado e outro, potenciais revoltados sempre contra aqueles poderes, sobretudo o português.

Mas tinhas inimigos ocultos, que ele próprio não conhecia cabalmente, os quais não lhe perdoariam nenhuma distracção, na primeira oportunidade.

Que não chegou a haver, porque “o capitão” nunca se distraía, sempre ao ataque, a defesa menos má.

Ou a melhor defesa?

E “o capitão” começou a receber ameaças anónimas, sistemáticas, repetidas, de inimigos que identificava na perfeição e doutros que não conhecia ou não imaginaria sequer conhecer.

As ameaças dos inimigos belgas ou que fizera na Bélgica, donde lhe vinham as denúncias mais acutilantes, eram as mais perigosas e assustadoras.

Assustadoras, sim, porque o ameaçavam de morte ou de deixá-lo incapacitado para sempre.

Pensou que ir enfrentá-los na Bélgica seria como correr a meter a cabeça nas bocas dos lobos.

Mas foi, com o propósito de que seria a última vez.

E veio de lá corrido mais depressa do que jamais teria previsto.

Assustado? Apavorado?...

Talvez não propriamente, mas por certo muito perturbado pelas ameaças extremas dos banqueiros, que sempre servira e sempre o tinham servido; ou dos fabricantes e grossistas de armas, que sempre lhe tinham prestado excelentes fretes que sempre ele lhes retribuíra sem discutir.

Não conseguia compreender a ingratidão daquela gente.

Até o ameaçarem de matá-lo se não “fugisse” imediatamente da Bélgica, mas garantindo que o mesmo acabaria por acontecer-lhe em Portugal, porque em parte alguma o deixariam sossegar e sobreviver sem o atormentarem até ao limite das resistências dele.

Comprovou que meter nisso as polícias de qualquer dos Países não servia senão para passarem a desconfiar do acusador mais que dos acusados que existissem por trás das ameaças, de tal modo estas faziam do comendador uma ameaça ainda maior que toda a ameaça imaginável de quaisquer inimigos ocultos.

Mas em que é que ele os roubava?

O comendador fazia um exame profundo de consciência e chegava à conclusão contrária: as iniciativas dele é que lhes haviam proporcionado formidáveis oportunidades de enriquecer, tanto e tão cedo como nunca teriam conseguido, por si sós, sem o génio realizador dele e o seu perfeito sentido das oportunidades e de como não perdê-las.

O comendador, de facto, não se minimizava nem deixava a sua própria avaliação por mãos alheias.

Foi talvez sobretudo isso, perceber que os outros não lhe faziam justiça como a que ele sabia merecer, que o levou ao acto desesperado de suicídio.

Que delicado prodígio de sensibilidade, no fundo!

Não lhe bastava ser odiado como era, para medir por aí a sua grandeza.

Queria também que lhe fizessem justiça.

A sua força interior podia avaliar-se talvez melhor por aí que por outra medida qualquer: chegara à altura de preferir morrer, suicidando-se, que viver sem que inteira justiça lhe fosse feita.

Convenço-me de que quis deixar por essa prova o sinal que faltava da sua passagem absolutamente excepcional por este mundo.

Quando, um mês depois, António quis voltar à Lapa de Tourais, para mostrar ao “capitão”, ao seu “benfeitor”, a passagem de barco para o Congo, obtida graças ao dinheiro emprestado pelos pais e graças também à indispensável carta de chamada que o comendador lhe obtivera, já não foi possível: o comendador acabara de morrer por fim, sem sair de coma, dos sofrimentos atrozes causados por um simples frasco de comprimidos que tomara conscientemente em forte excesso.

Mas António achou que, mesmo assim, deveria informar e agradecer à viúva, uns dias depois do funeral em que participou também.

Achou-a talvez mais linda que nunca e extremamente gentil e simples, no seu acolhimento claramente amistoso, mas o efeito de outras vezes já não se repetiu.

“Graças a Deus!” – pensou António, porque já levava em mente a rapariga da sua aldeia com quem casaria, a primeira vez que viesse do Congo a Portugal, a minha futura mãe.

A.C.R.

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