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2007/04/27

Memórias das minhas Aldeias
Esquecimentos da História
Parte V – N.º 07 

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António não voltou a falar a ninguém da ida a Paranhos.

Uma timidez invencível paralisava-lhe os movimentos, mas ele não cessava de pensar nisso e já decidira que acabaria por arrancar para lá talvez daí a uma semana, num repente que havia de dar-lhe imprevistamente… num repente.

Foi exactamente uma semana depois que o imprevisível aconteceu. A primeira bicicleta tinha acabado de aparecer na Folgosa pela mão dum caixeirito que ganhara dinheiro para a comprar ao balcão da mercearia dum comerciante nativo dali, emigrado para Lisboa trinta anos antes. O marçano estava a ficar sem dinheiro da pequena reserva que lhe restava, depois de comprar a bicicleta e ofereceu-se para vendê-la a António, que lha pagou com os prés amealhados em França e na Bélgica, na Flandres, dum lado e outro da fronteira que as separava.

Feito o negócio, montando pela primeira vez o biciclo, ele que aí vai desandando pela estrada para Paranhos, mal amanhada no seu piso à macadame, o primeiro que por lá se ousava.

Mas como tudo aquilo lhe pareceu de súbito fácil e o futuro um caminho sem surpresas e riscos só q.b.!

A primeira surpresa, porém, apresentou-se-lhe logo à entrada de Tourais, ao voltar da primeira esquina, quando perguntava pela “casa do senhor Comendador” Gomes.

Que não, que não era ali, mas na Lapa, Lapa de Tourais, poucas centenas de metros adiante. Mas o informador, muito serviçal, apressou-se a acrescentar que, segundo constava, o Senhor Comendador estava muito mal e não recebia ninguém, pois que essa noite mesmo havia tentado matar-se!

Matar-se!

António não estava em si. Vira morrer tantas centenas de homens na guerra, à sua volta, talvez milhares, sem grande perturbação jamais, e agora uma só morte deixava-o completamente desorientado.

Não era possível!

O seu salvador, aquele que lhe escancarava as portas do futuro…

Teria morrido mesmo?

Estaria para morrer?

E agora, como seria então? Sentia-se incapaz de pensar.

Sem uma palavra mais ao seu informador, deu meia volta à bicicleta, montou precipitadamente e regressou a casa quase sem ver o que quer que fosse à sua frente.

A mãe, quando o viu chegar, censurou-o fortemente. Tinha uma ternura muito particular por aquele filho, para quem imaginava futuros radiosos, mas não lhe perdoava a insegurança e a dificuldade manifesta de fazer frente às pessoas estranhas e às situações que envolvessem pessoas estranhas.

- Volta lá, anda! – intimou-o a mãe com dureza, porque sabia bem como tinha de tratá-lo em situações assim, sem lhe deixar outra saída senão obedecer-lhe. Como lhe fazia em miúdo e não hesitava em voltar agora a fazê-lo, já um homem de vinte e quatro anos que correra mundo, e voltara caldeado por ter participado na maior guerra de todos os tempos, ao que “diziam os jornais” e o senhor Padre Manuel, Prior de Santiago, a sua paróquia ao pé de casa.

António, sem hesitar, tornou a montar para partir tão rápido como chegara, lesto como se fosse ainda o mesmo miúdo de dez anos antes, pronto sempre a obedecer cegamente á mãe que adorava, sem nunca lho ter dito, porque o pudor não lho permitia.

O que viria a sofrer com isso, ao saber da sua morte, alguns anos depois!

Era então comerciante por conta própria no Congo, com dois sócios, já a arrancarem para uma evidente prosperidade sob a liderança e iniciativa dele, muito seguro de si e tendo quase completamente perdido temores, hesitações e falsos respeitos humanos, mas sem nenhuma arrogância, como todos lhe concediam!

Que transformação!

Ele próprio se não reconhecia nem era capaz de explicar como e porquê aquilo acontecera, em qualquer altura de que nem se dera conta, por mais que tentasse lembrar-se.

O sucesso?

Queria acreditar que sim.

Mas talvez tivesse começado tudo no dia em que a mãe o obrigara a voltar à Lapa de Tourais para enfrentar fosse o que fosse que tivesse acontecido ao “Senhor Comendador” e saber da sua carta de chamada para o Congo.

A.C.R.

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