2007/04/25
Memórias das minhas Aldeias
Esquecimentos da História
Parte V – N.º 06
Zé Gomes não nos preenche a lacuna destas “memórias” relativamente ao período do mais extremo Romantismo europeu e ocidental em que as “memórias” até agora decorreram.
Nunca o “grande capitão” seria um romântico, no rígido pragmatismo em que a sua personalidade aparenta esgotar-se, como creio que estejamos de acordo todos quantos já o conhecemos.
Mas apaixonou-se, como qualquer de nós, e foi “de caixão à cova”.
O jovem que viria a ser meu pai estava uma tarde na sua aldeia, a Folgosa do Salvador, na tascazita que o meu avô, pai dele, abrira poucos anos antes nos baixos da casa de habitação da família. Chegara o rapaz uns meses antes de França, onde estivera mobilizado com o CEP-Corpo Expedicionário Português, a nossa força militar que participara na I Guerra Mundial (1914-1918), na Europa, com os Aliados franceses e ingleses, contra os alemães e seus aliados.
Descansava ele com dois irmãos do trabalho da jornada, a ajudarem o pai nos poucos trabalhos agrícolas da casa, quando lhes parou à porta, com algum estardalhaço, um pequeno grupo a cavalo manifestamente encabeçado pelo nosso bem conhecido “capitão” comendador, que andava por aquelas aldeias com dois amigos na sua tarefa preferida de apreciarem e se decidirem pelo melhor vinho das piores tascas.
O meu futuro pai não achou bem o desembaraço das visitas, que talvez se lhe tenham afigurado um tanto avinhadas já, coisa que parecia não tolerar, e entre dentes disse alguma coisa de que o maioral visitante mal se apercebeu mas de que também não terá gostado.
No entanto, parecendo-lhe por qualquer atavio ou emblema do vestuário que aquilo só podia ser de soldado recentemente desmobilizado, o “capitão” Gomes perguntou-lho e ele confirmou que sim, que chegara de França com os restos do CEP derrotado em La Lys.
- Derrotado não, meu Amigo! Há derrotas que são vitórias. E tu és com certeza dos que saíram vencedores como o glorioso Corpo Expedicionário Português! Dá cá um grande abraço!
Timidamente, António achou-se envolvido por calorosos amplexos dos três cavaleiros visitantes, a que não pôde fugir, sentindo ali como nunca o calor do patriotismo exaltado que por aquela altura envolvia, através do País inteiro, todo o CEP e cada um dos que se tinham batido em França.
Sem quê nem para quê, os irmãos acharam-se logo abrangidos pelo mesmo entusiasmo, de nada valendo tentarem explicar que eles não, não tinham estado na guerra. Nem na França, nem em África, para não deixarem dúvidas.
Depois, sentaram-se todos à volta do medíocre balcão da tasquita, obrigados pelos mais velhos, os visitantes, a beber com eles uma quase zurrapa que, com a companhia e o entusiasmo patriótico mais ou menos de todos, lhes chegou a saber como néctar.
O próprio António, na sua discrição e timidez, se deixou arrastar acabando por ir buscar alguns documentos que tinha bem guardados da passagem pela tropa e pela guerra, mas também o seu diploma de exame da 3ª classe, aquele em que tinha mais orgulho…
Alistado como recruta de Infantaria,
Fez o curso de habilitação para Primeiros Cabos,
Que terminou aprovado com distinção;
Como aptidão especial, obteve a classificação de Atirador de Primeira Classe, qualidade também em que integrou o CEP.
Foi-lhe atribuída a medalha comemorativa das campanhas do exército português em França.
Seguiram-se novos abraços entusiásticos.
“Gostaste da França?” – perguntou o comendador a António quando o ambiente serenou.
“Não vi nada da França e muito pouco da Bélgica, que quase não saímos das trincheiras, lembre-se de que estávamos em guerra…” – respondeu.
“Mas convivi muito com soldados franceses, e belgas ainda mais” – pretendeu esclarecer.
“Alguma coisa aprendeste, então…”
“Falava francês com eles… que mo ensinaram.”
“E vais ficar aqui enterrado?”
“Preciso duma carta de chamada, quero ir para o Congo Belga, muitos soldados belgas me entusiasmaram com o que lá se ganha…”
O comendador olhou-o sem surpresa, mas ansioso por valer àquela determinação tão seguramente expressa.
E já em pé, meio preparados todos para abalarem…
“Vem um dia destes ter comigo a Paranhos. Eu digo-te como hás-de arranjar a carta de chamada num abrir e fechar de olhos.”
A.C.R.
Nunca o “grande capitão” seria um romântico, no rígido pragmatismo em que a sua personalidade aparenta esgotar-se, como creio que estejamos de acordo todos quantos já o conhecemos.
Mas apaixonou-se, como qualquer de nós, e foi “de caixão à cova”.
O jovem que viria a ser meu pai estava uma tarde na sua aldeia, a Folgosa do Salvador, na tascazita que o meu avô, pai dele, abrira poucos anos antes nos baixos da casa de habitação da família. Chegara o rapaz uns meses antes de França, onde estivera mobilizado com o CEP-Corpo Expedicionário Português, a nossa força militar que participara na I Guerra Mundial (1914-1918), na Europa, com os Aliados franceses e ingleses, contra os alemães e seus aliados.
Descansava ele com dois irmãos do trabalho da jornada, a ajudarem o pai nos poucos trabalhos agrícolas da casa, quando lhes parou à porta, com algum estardalhaço, um pequeno grupo a cavalo manifestamente encabeçado pelo nosso bem conhecido “capitão” comendador, que andava por aquelas aldeias com dois amigos na sua tarefa preferida de apreciarem e se decidirem pelo melhor vinho das piores tascas.
O meu futuro pai não achou bem o desembaraço das visitas, que talvez se lhe tenham afigurado um tanto avinhadas já, coisa que parecia não tolerar, e entre dentes disse alguma coisa de que o maioral visitante mal se apercebeu mas de que também não terá gostado.
No entanto, parecendo-lhe por qualquer atavio ou emblema do vestuário que aquilo só podia ser de soldado recentemente desmobilizado, o “capitão” Gomes perguntou-lho e ele confirmou que sim, que chegara de França com os restos do CEP derrotado em La Lys.
- Derrotado não, meu Amigo! Há derrotas que são vitórias. E tu és com certeza dos que saíram vencedores como o glorioso Corpo Expedicionário Português! Dá cá um grande abraço!
Timidamente, António achou-se envolvido por calorosos amplexos dos três cavaleiros visitantes, a que não pôde fugir, sentindo ali como nunca o calor do patriotismo exaltado que por aquela altura envolvia, através do País inteiro, todo o CEP e cada um dos que se tinham batido em França.
Sem quê nem para quê, os irmãos acharam-se logo abrangidos pelo mesmo entusiasmo, de nada valendo tentarem explicar que eles não, não tinham estado na guerra. Nem na França, nem em África, para não deixarem dúvidas.
Depois, sentaram-se todos à volta do medíocre balcão da tasquita, obrigados pelos mais velhos, os visitantes, a beber com eles uma quase zurrapa que, com a companhia e o entusiasmo patriótico mais ou menos de todos, lhes chegou a saber como néctar.
O próprio António, na sua discrição e timidez, se deixou arrastar acabando por ir buscar alguns documentos que tinha bem guardados da passagem pela tropa e pela guerra, mas também o seu diploma de exame da 3ª classe, aquele em que tinha mais orgulho…
Alistado como recruta de Infantaria,
Fez o curso de habilitação para Primeiros Cabos,
Que terminou aprovado com distinção;
Como aptidão especial, obteve a classificação de Atirador de Primeira Classe, qualidade também em que integrou o CEP.
Foi-lhe atribuída a medalha comemorativa das campanhas do exército português em França.
Seguiram-se novos abraços entusiásticos.
“Gostaste da França?” – perguntou o comendador a António quando o ambiente serenou.
“Não vi nada da França e muito pouco da Bélgica, que quase não saímos das trincheiras, lembre-se de que estávamos em guerra…” – respondeu.
“Mas convivi muito com soldados franceses, e belgas ainda mais” – pretendeu esclarecer.
“Alguma coisa aprendeste, então…”
“Falava francês com eles… que mo ensinaram.”
“E vais ficar aqui enterrado?”
“Preciso duma carta de chamada, quero ir para o Congo Belga, muitos soldados belgas me entusiasmaram com o que lá se ganha…”
O comendador olhou-o sem surpresa, mas ansioso por valer àquela determinação tão seguramente expressa.
E já em pé, meio preparados todos para abalarem…
“Vem um dia destes ter comigo a Paranhos. Eu digo-te como hás-de arranjar a carta de chamada num abrir e fechar de olhos.”
A.C.R.
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