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2007/05/23

Memórias das minhas Aldeias
Esquecimentos da História
Parte V – N.º 18 

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Que tempos aqueles, os dos anos trinta!

Até às mais pequenas aldeias chegou a fúria de fazer coisas e prosperar.

Posso dar exemplos da minha aldeia.

A estabilidade política, como a não conhecíamos, em Portugal, havia mais de cinquenta anos, também convidava e incentivava a isso.

E o fervor político, que antes dividia “o pessoal”, passara de súbito a uni-lo, a ser factor positivo, construtivo, um estímulo e uma esperança para as expectativas de todos e cada um.

Exemplifico com a minha aldeia, repito.

Não tinha ela, por perto, fonte alguma de energia hidráulica por aproveitar, “que se visse”; a energia eólica não se sabia utilizá-la, a não ser em modestos moinhos de vento, que não serviam para o caso; e a energia eléctrica ainda era cara e utilizada quase somente na iluminação pública e doméstica, nem sequer para aquecimento.

“Talvez reorganizar os lagares de azeite da ribeira (Rio Seia) e explorá-los coordenadamente uns com os outros, para obter-se mais rendimento deles…”

“Se organizássemos melhor o transporte da azeitona para lá e, depois, o do azeite para as casas dos proprietários do óleo bendito…”

Isso alvitrava outro que parecia saber mais do ramo, mas que achava ainda mais importante que se organizasse e acelerasse a moenda de modo a que a azeitona não ficasse ao monte, dias e dias às vezes, a oxidar e a aumentar estupidamente a acidez do azeite que dali sairia...

“Vamos por partes!” – tentava um terceiro introduzir mais ordem na conversa daquele grupo de rapazes muito novos e inexperientes, mas todos ambiciosos e todos também animados pelos estímulos e exemplos que lhes chegavam pelos três ou quatro jornais que o correio diariamente trazia à aldeia e eram logo abertos e avaliados pelos companheiros mais expeditos na leitura, antes de chegarem às mãos dos assinantes respectivos…

Embora todos tivessem a 4ª classe, feita com o professor Diamantino que unanimemente respeitavam, ainda que nenhum tivesse escapado ás suas palmatoadas, puxadas de alto, de bem alto…

Talvez por isso, todos o respeitavam tanto!

“ Se não arranjar emprego fixo – disse um moço que parecia agitado e até aí estivera calado – vou para o Brasil, que o meu cunhado passa a vida a dizer-me para ir, porque me arranja logo emprego certo numa padaria ao pé da casa deles…”

“Eu estou à espera de resposta do senhor Figueiredo que já mandou carta de chamada a alguns tipos da freguesia da senhora dele, para as lojas dos pretos, no Congo…” - retorquiu o que sabia mais de lagares.

“E a tua pequena, deixa-te ir? “ – perguntou um de sorriso amalandrado.

“Ansiosa está ela, que queremos casar em condições!”

O outro calou-se, apagado o sorriso, porque aquilo era como machadada nas suas esperanças de roubar-lha, se ele fosse para o Congo e a deixasse só com a mãe dela, ali na aldeia de todos. Para mais que a mãe o preferia a ele, mais desempenado e com mais futuro, acreditava piedosamente.

Imaginava-se ele sempre a meter-se lá em casa um dia, de preferência uma e muitas noites, com o “safardana” do prometido separado dela pela distância do mar inteiro.

Daí, talvez não, com certeza que não. Bastaria sabê-lo embarcado e era ele próprio, Rufino de seu nome, mesmo lá caído logo na primeira noite para enxugar-lhe as lágrimas das saudades… Só de pensá-lo rebentava do desejo de correr a casa já, dar-lhe vazão, trancado por dentro…Ou então…Alguém havia de emprestar-lhe dinheiro para ir essa noite a uma certa rapariga da vila, em Seia. Tinha de arranjar uma boa explicação a dar à mãe – à dele mesmo - para lhe preparar cá um banho… um riquíssimo banho!

Estava Rufino nisto quando deu por que tinha ficado sozinho. O grupo desaparecera, deixando-o sem cerimónias.

Mas não estariam longe.

“A bicicleta é já, com certeza, a maior invenção do século”, como dizia o Toninho.

Maior até que a invenção do automóvel, que essa é só para ricos… Comentava Rufino, menos desesperado de como ir a Seia essa noite, por ter-se lembrado da bicicleta que talvez se atrevesse a ir pedir emprestada ao velho pai do senhor António Carvalhinho, que nunca a emprestava a ninguém mas que por ele, Rufino, já mais do que uma vez acabara por deixar-se convencer.

Ah! E se o filho viesse a saber que a bicicleta era para ir às p.!... Uma bicicleta tão primorosamente estimada que só raramente a um dos miúdos da casa o avô consentia emprestá-la… Então é que o caldo ficaria de todo entornado, se o verdadeiro dono dela soubesse…

Mas não saberia, ninguém saberia.

Ele Rufino é que sabia os truques todos. Uns bons esticões dos músculos das pernas, de bicicleta até Seia, não havia melhor preparação para uma excelente noite de truca-truca como a que ia ter.

E antes mesmo de averiguar onde paravam os amigos – deviam estar na tenda da senhora Ema, ao alto do povo - correu a casa para convencer a mãe a ajeitar-lhe o banho.

Mas gastou tempo demais a abordá-la e persuadi-la.

Quando pôde sair de casa outra vez ainda correu à tenda, mas os amigos tinham partido todos, havia mais de meia hora.

Assegurou-lhe, porém, a tendeira tê-los ouvido combinar que “voltarão a encontrar-se aqui, à mesma hora depois de amanhã.”

“Bem! Então além de amanhã trato de tudo, cá estarei”

Em compensação, o avô Carvalhinho foi inesperadamente fácil de convencer, Rufino caíra-lhe no goto, com a mesma facilidade com que ele levava as mulheres.

Mas a mãe, aquela santa mãe, essa ganhava a todos e todas! Tinha-lhe a ceia preparada também. E ele quis comê-la logo, antes do banho. E foi ela que mais uma vez o salvou.

“Oh! Tonto duma figa, então não sabes que o banho mata, em cima da ceia, meu estupor!”

A.C.R.

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