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2007/06/01

Memórias das minhas Aldeias
Esquecimentos da História
Parte V – N.º 22 

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Durante meia dúzia de anos, o sucesso da fabriqueta encheu a aldeia de orgulho e proveito.

Depois dos clientes espanhóis e da ajuda da Guerra Civil de Espanha ao sucesso, veio a II Guerra Mundial.

Os homens europeus não podiam estar ao mesmo tempo nas fábricas e nas frentes de combate. Para preencher as linhas das várias frentes, sucessivamente tiveram naturalmente de desguarnecer as fábricas e as produções de paz diminuíram verticalmente. E mais diminuiriam, se não fosse a mão-de-obra feminina a revelar-se crescentemente disponível.

Em matéria de mantas e tecidos mais ou menos grosseiros de lã, de novo encontrou a microunidade fabril da Folgosa do Salvador a sua mina, num mercado europeu tornado carecido pelas várias guerras dentro da Guerra.

Mina de ouro, que não havia da parte dos compradores disposições nem ocasião de discutir preços.

Sem favoritismo algum, pode dizer-se que foram novos tempos de prosperidade excepcional e aparentemente bem gerida.

Sem facciosismo também, aliás, porque mais uma vez todos os clientes eram bem vindos, fossem anglófilos, fossem germanófilos.

Nisso, as Beiras começavam a treinar-se para vôos mais largos, os do volfrâmio.

Aí, no comércio do volfrâmio que produziram desenfreadamente, é que os beirões refinaram na arte de vender o mais possível ao “quem dá mais”.

Nem sempre as coisas eram tão fáceis como isso, porque lá estava sempre o governo – mais neutral entre beligerantes do que agradava aos negociantes de volfrâmio – para impor, quanto podia, que os dois lados em guerra fossem igualmente abastecidos do precioso minério de guerra, sem que nenhum deles pudesse alegar tratamento privilegiado do outro.

O “botas” - diziam os detractores e os invejosos – não tolerava discriminações e mandava mesmo castigar rigorosamente os infractores, dizia-se que pela polícia internacional de defesa do Estado, a mítica PIDE de braços compridos, muito compridos. Quando menos esperavam, lá tinham eles pelo correio, registado com aviso de recepção, uma intimação para se apresentarem, daí a dois dias, na delegação mais próxima da “Comissão Reguladora do Comércio de... Bacalhau”.

Ai de quem faltasse à convocatória!

Assim se conseguia cumprir fielmente uma rigorosa política de neutralidade e fazê-la respeitar invariavelmente por todos os beligerantes… enquanto conviesse, é evidente, que os interesses nacionais não têm que contemplar mais que o espírito… porque a letra, à letra, acaba realmente por ser letra só para os… iletrados.

Mas os tais infractores ficavam absolutamente proibidos de voltar a negociar em volfrâmio, fosse com quem fosse, fosse para quem fosse.

E passavam a estar sob rigorosíssima observação a que nem os filhos mais pequenos escapavam, nem as mulheres ou as filhas, nem sequer as criadas ou os moços de recados!

Mas a PIDE não se importava – parece que por instruções de tolerância consentida directamente pelo próprio governo – que os infractores continuassem a explorar as jazidas, desde que vendessem o minério explorado a intermediários portugueses de toda a confiança do governo, isto é, comprovadamente respeitadores das regras impostas pelas exigências do mais perfeito rigor neutralista do Primeiro Ministro ou Presidente do Conselho de Ministros de Portugal.

Lembro-me bem, já agora, de meu pai ter andado com certas expectativas de que, nas matas do Muchamo que acabara de adquirir, viesse a descobrir-se algum filão do minério mais desejado que ouro, nesse ponto da História.

Mas depressa descobriu que aquilo eram entusiasmos alimentados por hábeis estimuladores deles, especializados em “descobrir” jazidas que não existiam nem nunca deram um pó de minério.

Como a existência corrente e prática desses fomentadores de ilusões já na altura era bem conhecida, o entusiasmo da família nunca foi grande e, por isso, as desilusões também não.

Por falar em desilusões…

Também as ilusões “da fábrica” acabariam por começar a desvanecer-se.

O último surto dela, “fábrica”, deveu-se ao envio de tropas portuguesas para o arquipélago dos Açores. Com isso o governo quis demonstrar ao País e aos beligerantes a sua absoluta determinação de defender o arquipélago de eventuais tentações destes, quaisquer que fossem, para ocuparem a extraordinária posição estratégica portuguesa, no meio do Atlântico.

Também essa tropas – falou-se em mais de trinta mil homens, bem fornecidos do armamento mais avançado vendido ou cedido pelos beligerantes anti-alemães – também essas nossas tropas careciam de mudas de mantas em quantidade.

Os teares da Folgosa do Salvador trabalharam, até mais empenhada e aceleradamente que nunca, também para os nossos soldados nos Açores. Não com a indiferença que poderiam ter para com outros consumidores, mas com carinho muito especial de que ainda não há muito um tecelão desse tempo, felizmente vivo, me deu testemunho emocionado, nos seus mais de noventa anos.

Pouco tempo depois de a II Guerra Mundial acabar, em 1945, muitas coisas se normalizaram ou foram normalizando e a “fábrica” teve de fechar, porque os seus preços já não suportavam a concorrência dos preços muito mais baixos da cada vez mais abundante produção das fábricas tecnologicamente imbatíveis.

Quando isso aconteceu, os últimos tecelões dos que em 1937 tinham deixado de emigrar, porque o emprego na “fábrica” satisfazia então as suas necessidades, aproveitaram 1945 para voltar ao sonho antigo, com oito anos de atraso embora, e emigrarem mesmo: dois ou três para o Congo, os restantes para o Brasil e a América do Norte.

Já todos morreram, mas todos ricos.

Parece que ainda emigraram a tempo.

E, como tantos outros portugueses emigrados, ao longo de séculos, para o mundo inteiro, levaram eles para aquelas paragens as raízes da resistência moral e espiritual que os tempos impunham a todos.

Mas, acima de tudo, o Cristianismo que nos é comum, mesmo se já não eram praticantes ou, até, se nem sempre resistiam a criticá-lo, inclusivamente a hostilizá-lo.

A.C.R.

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