2007/03/30
Memórias das minhas Aldeias
Esquecimentos da História
Parte IV – N.º 18
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Não houve oportunidade de dizer que o banco “benfeitor” dos imigrados vietnamitas de Boma e Matadi também não demorou a seguir o exemplo expansionista, para Norte, ao longo do Zaire, do restante comércio ribeirinho do Baixo Congo.
Embora acredite que à inteligência dos leitores isso lhes terá palpitado logo.
O primeiro empurrão, nesse sentido, terá surgido na primeira reunião dos “três” com o gerente de Boma, ao falarem dos vários tipos de obstáculos à fluidez do sistema de transferências e pagamentos do Congo para a Indochina.
Multiplicar as agências do banco ao longo do percurso Matadi-Kinshasa, ao ritmo do crescimento da linha férrea, facilitaria naturalmente tudo.
A maior dificuldade, pareceu-lhes na altura, seria encontrar os empregados que aprendessem rapidamente o ofício de bancários generalistas.
“Não será mais difícil do que caixeiro ao balcão duma loja de retalho de secos e molhados.”
- Ora! – disse o gerente de Boma – sempre será preciso contar com desenvoltura, escrever com mais despacho também e, sobretudo, ler com inteligência, em português e francês, para não falar do bakongo indígena, evidentemente indispensável.
- Quanto paga o banco a cada tipo nessas condições? – quis Zé Gomes saber.
- Duas libras por dia de trabalho… E um por cento e meio sobre o movimento, a partir do terceiro mês de emprego.
- Roubar o banco é mais rendoso e tem menos perigo, não lhe parece, caríssimo gerente? – opôs o “capitão”.
- E quantos homens quer você para o trabalho, para já? – acrescentou Gomes.
- Não sei. O meu chefe, o patrão, tenho de submeter-lhe o assunto. Ele é despachado a resolver mas não é leviano nem dá ponto sem nó.
- Ele sabe andar a cavalo? – perguntou Gomes, como se estivesse aéreo.
- Creio que sim.
- E tem animal?
- Nunca dei por isso.
- Então eu vendo-lhe dois, é o primeiro investimento que tem o seu amo de fazer no negócio, um cavalo para ida, outro para o regresso, mas daqui a um mês tem o dinheiro todo recuperado. Diga-lhe que eu o acompanho numa primeira viagem de duzentos quilómetros, ida e volta, para lhe explicar como se faz o negócio e apresentá-lo às pessoas certas.
- Ah! Ah! Ah! – simulou o gerente uma gargalhada – Ele sabe tudo do negócio, ainda o “capitão” não tinha nascido.
- Quer apostar?... Não?… Diga-lhe então, que eu sou o melhor cicerone em toda a África nestas matérias. Olhe, ele sabe bem de quem falo. Diga-lhe que só houve por aqui um tão bom ou melhor que eu. Era o Manuel Cruz. Conheceu? Mas reformou-se e fugiu com a grega. Estamos entendidos?
- Olhe! - continuou Zé Gomes, já no fim do encontro - Venha daí, lá fora, que deixei aqui perto os dois cavalos. Você sabe montar?... Sabe! Então venha vê-los para explicar a qualidade deles ao seu patrão. Eu trouxe-os porque já sabia que, no fim da nossa conversa, precisaria deles!... Não se admira?... Pois vai ter de abrir a boca de espanto muitas vezes, agora que nos conhecemos e começámos uma forte amizade, que nem você pode imaginar aonde há-de levar-nos!... Você donde é, afinal?
- Adivinhe!... Bem, sou de Manteigas…
- Oh! Que terra do dianho. Aquilo não é terra, é o Inferno.
O “patrão” engraçou realmente com Zé Gomes.
E este vendeu-lhe os dois cavalos pelo dobro, pelo menos, do que qualquer outro estaria disposto a dar por eles. Mas eram dois cavalos dignos dum futuro grande banqueiro – garantiu Zé Gomes ao patrão do seu já amigo gerente bancário.
O banqueiro, por enquanto banqueiro dum banco de duas agências, tinha ouvido falar muito do “capitão” que, em boa verdade, já lhe caíra no goto antes cair, agora. E era tão convincente ao falar que o banqueiro não hesitou em segui-lo.
- Mas, Amigo Espírito Santo, a viagem é longa, não vamos gastar menos de cinco dias, se levantarmos cedo e deitarmos não muito tarde. E quero fazê-lo visitar todos os sítios estratégicos, dentro das próximas dez léguas.
- Mas você vendeu-me cavalos para duzentos quilómetros! Quer embair-me logo no nosso primeiro negócio?... – disse muito sério Espírito Santo.
- Calma! Com negócios não se brinca! – respondeu prontamente Gomes no mesmo tom de disfarçado fingimento.
Pareciam estar ambos a ver qual era o primeiro a irritar o outro.
- Não, não se brinca com negócios e por isso é que não compreendo que me tenha enganado com cavalos para duzentos quilómetros e agora confesse que não eram precisos cavalos para mais de cem!
O “capitão” resolveu experimentar outro registo.
- Claro! Mas é proibido utilizar alegorias entre amigos?
- Ale… – quê… companheiro?
- Alegorias!
- Compreendo! Alegorias. Ora dê cá um grande abraço com toda a alegria.
“Capitão” Gomes e Espírito Santo caíram nos braços um do outro, jurando que daí em diante falariam de negócios sempre a sério e sem a mínima intenção de se lograrem ou embaírem um ao outro.
Só a terceiros.
Embora acredite que à inteligência dos leitores isso lhes terá palpitado logo.
O primeiro empurrão, nesse sentido, terá surgido na primeira reunião dos “três” com o gerente de Boma, ao falarem dos vários tipos de obstáculos à fluidez do sistema de transferências e pagamentos do Congo para a Indochina.
Multiplicar as agências do banco ao longo do percurso Matadi-Kinshasa, ao ritmo do crescimento da linha férrea, facilitaria naturalmente tudo.
A maior dificuldade, pareceu-lhes na altura, seria encontrar os empregados que aprendessem rapidamente o ofício de bancários generalistas.
“Não será mais difícil do que caixeiro ao balcão duma loja de retalho de secos e molhados.”
- Ora! – disse o gerente de Boma – sempre será preciso contar com desenvoltura, escrever com mais despacho também e, sobretudo, ler com inteligência, em português e francês, para não falar do bakongo indígena, evidentemente indispensável.
- Quanto paga o banco a cada tipo nessas condições? – quis Zé Gomes saber.
- Duas libras por dia de trabalho… E um por cento e meio sobre o movimento, a partir do terceiro mês de emprego.
- Roubar o banco é mais rendoso e tem menos perigo, não lhe parece, caríssimo gerente? – opôs o “capitão”.
- E quantos homens quer você para o trabalho, para já? – acrescentou Gomes.
- Não sei. O meu chefe, o patrão, tenho de submeter-lhe o assunto. Ele é despachado a resolver mas não é leviano nem dá ponto sem nó.
- Ele sabe andar a cavalo? – perguntou Gomes, como se estivesse aéreo.
- Creio que sim.
- E tem animal?
- Nunca dei por isso.
- Então eu vendo-lhe dois, é o primeiro investimento que tem o seu amo de fazer no negócio, um cavalo para ida, outro para o regresso, mas daqui a um mês tem o dinheiro todo recuperado. Diga-lhe que eu o acompanho numa primeira viagem de duzentos quilómetros, ida e volta, para lhe explicar como se faz o negócio e apresentá-lo às pessoas certas.
- Ah! Ah! Ah! – simulou o gerente uma gargalhada – Ele sabe tudo do negócio, ainda o “capitão” não tinha nascido.
- Quer apostar?... Não?… Diga-lhe então, que eu sou o melhor cicerone em toda a África nestas matérias. Olhe, ele sabe bem de quem falo. Diga-lhe que só houve por aqui um tão bom ou melhor que eu. Era o Manuel Cruz. Conheceu? Mas reformou-se e fugiu com a grega. Estamos entendidos?
- Olhe! - continuou Zé Gomes, já no fim do encontro - Venha daí, lá fora, que deixei aqui perto os dois cavalos. Você sabe montar?... Sabe! Então venha vê-los para explicar a qualidade deles ao seu patrão. Eu trouxe-os porque já sabia que, no fim da nossa conversa, precisaria deles!... Não se admira?... Pois vai ter de abrir a boca de espanto muitas vezes, agora que nos conhecemos e começámos uma forte amizade, que nem você pode imaginar aonde há-de levar-nos!... Você donde é, afinal?
- Adivinhe!... Bem, sou de Manteigas…
- Oh! Que terra do dianho. Aquilo não é terra, é o Inferno.
O “patrão” engraçou realmente com Zé Gomes.
E este vendeu-lhe os dois cavalos pelo dobro, pelo menos, do que qualquer outro estaria disposto a dar por eles. Mas eram dois cavalos dignos dum futuro grande banqueiro – garantiu Zé Gomes ao patrão do seu já amigo gerente bancário.
O banqueiro, por enquanto banqueiro dum banco de duas agências, tinha ouvido falar muito do “capitão” que, em boa verdade, já lhe caíra no goto antes cair, agora. E era tão convincente ao falar que o banqueiro não hesitou em segui-lo.
- Mas, Amigo Espírito Santo, a viagem é longa, não vamos gastar menos de cinco dias, se levantarmos cedo e deitarmos não muito tarde. E quero fazê-lo visitar todos os sítios estratégicos, dentro das próximas dez léguas.
- Mas você vendeu-me cavalos para duzentos quilómetros! Quer embair-me logo no nosso primeiro negócio?... – disse muito sério Espírito Santo.
- Calma! Com negócios não se brinca! – respondeu prontamente Gomes no mesmo tom de disfarçado fingimento.
Pareciam estar ambos a ver qual era o primeiro a irritar o outro.
- Não, não se brinca com negócios e por isso é que não compreendo que me tenha enganado com cavalos para duzentos quilómetros e agora confesse que não eram precisos cavalos para mais de cem!
O “capitão” resolveu experimentar outro registo.
- Claro! Mas é proibido utilizar alegorias entre amigos?
- Ale… – quê… companheiro?
- Alegorias!
- Compreendo! Alegorias. Ora dê cá um grande abraço com toda a alegria.
“Capitão” Gomes e Espírito Santo caíram nos braços um do outro, jurando que daí em diante falariam de negócios sempre a sério e sem a mínima intenção de se lograrem ou embaírem um ao outro.
Só a terceiros.
A.C.R.
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