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2007/03/23

Memórias das minhas Aldeias
Esquecimentos da História
Parte IV – N.º 15 

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O coronel Mckenzie considerava-se o natural representante dos interesses belgas e do Rei;

O “capitão” defendia todos os interesses, incluindo os seus, que juntava numa só unidade estratégica;

Van Than tinha-se por o legítimo e natural representante dos imigrados vietnamitas todos e insistia que interesses próprios não tinha… a não ser os de qualquer outro trabalhador como ele, que tivesse de resolver os problemas e carências da família a viver lá longe, longe, nos arredores de Saigão ou Hanói;

Como primeira actuação prática, os três do grupo não viram melhor do que abordar imediatamente o banco, em Boma, com vista a perceberem os mecanismos pelo banco postos em marcha, para as transferências e pagamentos entre o Congo e o Sudeste asiático, e como melhorar esses mecanismos em benefício dos mais directos interessados, os trabalhadores.

Pensado e feito.

Apresentaram-se os três no banco e, dito ao que iam, foi visível que o gerente só não fugiu por estar cercado de três latagões.

Talvez também por medo da autoridade militar do coronel e do “capitão”, que agora o coronel apresentava sempre como tal, sem reticências nem evasivas.

Quando esboçou uma justificação para os atrasos e confusões do banco – que era do que os vietnamitas se queixavam – o gerente percebeu de pressa que tinha acertado na mouche. Dizia ele que tudo chegava atrasado e mal organizado por parte da empresa do caminho-de-ferro do Baixo Congo, pelo que respeitava aos pagamentos feitos a muitas centenas de trabalhadores. E então os operários mortos! – acrescentou como uma segunda trincheira de combate pelos interesses e bom nome do banco. Chegava mesmo a parecer que os próprios trabalhadores mortos eram os únicos culpados pelos atrasos, desacertos e erros de todos os demais intervenientes, a empresa ferroviária e o banco incluídos, como os comerciantes portugueses que esses eram todos naturalmente clientes do banco e que o banco não queria ver minimamente beliscados.

Muito feliz ficou o gerente do banco – um português também, lembro-me agora – quando respondeu logo que sim ao pedido do “capitão” de que pusesse por escrito todas as dificuldades encontradas na documentação recebida dos caminhos-de-ferro, com o maior número possível de exemplos de situações concretas dos trabalhadores indochineses.

- Ah! E os endereços dos familiares daquela gente lá na Indochina!... Garanto-lhes, metade dos endereços estavam errados, hem! E em grande parte continuam a não ter conta bancária para receber as transferências que têm de fazer-se por via postal! Estão a ver!... – explicou ainda o bom do gerente.

Foi neste ponto que “o capitão” teve a sua ideia mais brilhante, que guardou ciosamente para si, de momento. Pareceu-lhe – mas iria pensar mais demoradamente no assunto – que os três poderiam organizar-se para apoio ao imigrados e à empresa dos caminhos-de-ferro, mas também ao banco e aos correios, nessas dificuldades burocráticas que atingiam todos e a todos causavam perturbações sem conta, a começar pelas perdas de tampo, reflectidas depois nos “quase criminosos” atrasos – assim os classificava Gomes exaltadamente – com que os pagamentos e transferências chegavam aos seus destinos. E na maor desordem, incerteza e insegurança!

Claro que todos os beneficiados por esse apoio pagariam aos três mosqueteiros – uma empresa a três? – a sua cota parte do custo dos apoios por eles prestados e a eles devidos, portanto.

Não podia ainda Gomes confessar tudo a si próprio, mas palpitava-lhe que era nova via, e também irrecusável por parte dos beneficiados, de virem os três a ser ricos.

Tinham de consegui-lo enquanto duravam as obras do caminho-de-ferro, que, depois, lá se iriam os imigrados.

Os primeiros interessados na iniciativa do grupo dos três, isto é, os próprios imigrados, foram talvez quem melhor recebeu a ideia e o projecto do grupo, porque, na base da grande confiança que Van Than lhes merecia, já todos eles imaginavam resolvidos os atrasos e mais complicações das suas remessas às famílias.

Sem por isso deixar de haver alguns que também receavam que as regularizações e a normalização das remessas acabasse por redundar em que nunca mais pudessem esconder às famílias quanto ganhavam ou não ganhavam…

Os bancos e os correios, por sua vez, receberam muito favoravelmente as ajudas combinadas do grupo dos três e não foram parcos em também prometer facilitar e apressar quanto pudessem as formalidades, chegando mesmo a garantir que os seus próprios serviços seriam imediatamente reorganizados e melhorados nesse sentido…

Diga-se desde já que a atitude do banco e correios era muito animada pela expectativa de que os seus negócios viessem a crescer notavelmente com tudo o que aqui se conta.

O diabo foram os comerciantes portugueses que começaram por reagir mal à possibilidade de, com todas as novas facilidades previsíveis, os chinocas – assim chamavam em geral aos vietnamitas – passassem a mandar às famílias muito mais dinheiro, que faria naturalmente falta ao comércio local…

A.C.R.

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