2007/03/07
Memórias das minhas Aldeias
Esquecimentos da História
Parte IV – N.º 08
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Quando o primeiro contingente militar europeu chegou a Boma, um mês depois, “o capitão” Gomes – à frente da milícia – acabou de perceber tudo o que então ainda lhe faltava perceber.
Graças aos quadros belgas que dirigiam o contingente.
O problema mais complicado que se lhes punha era a ocupação daquele imenso território para Norte e para Leste, toda a Bacia do Zaire, a maior e mais rica e povoada da África Central, da África ao Sul do Saará, chave crucial do novo continente criado pela Europa expansionista e dominadora do fim do séc. XIX.
Era como assistir ao regresso e concretização dos primeiros sonhos, frustrados, dos portugueses de Quinhentos, que voltassem a estar presentes ali, nas pessoas e feitos decisivos de portugueses dos fins de Novecentos, agora também servindo os sonhos e projectos dum americano precursor do séc. XX, que compreendera na perfeição os portugueses de sempre e pelos de agora fora exemplarmente compreendido também.
Ao “partilhar” a África entre os maiores poderes europeus da altura – pela última vez a América ficava de fora, mas atentíssimamente vigilante – a Conferência de Berlim, valendo-se ainda do empenhamento e visão de uns punhados de grandes portugueses seus contemporâneos, desconhecidos para sempre (não fossem estas Memórias…), não só salvava para Portugal o seu grande património africano de séculos, mas dava-lhe também a oportunidade de recuperar e reviver o ancestral desejo e vocação imperial dos velhos portugueses.
Não era pouco nem muito, era tudo!
Chegavam por então, à margem direita do Zaire, muitos ecos de movimentações de sobas e reizetes do Norte de Angola que se revoltavam e punham em risco o domínio português até Luanda, muito para baixo do Ambriz.
Mas também chegavam ecos de triunfos das forças militares portuguesas idas expressamente do Continente para a reocupação e controlo reforçado das áreas de Angola onde os levantamentos se haviam tornado mais ameaçadores.
Iam ganhando nome, nessas campanhas, grandes militares como Paiva Couceiro e tantos outros, que reconciliavam a ideia de Império com os portugueses, sem eles se deixarem desmobilizar pelos custos naturalmente altos da ocupação do Ultramar, agravados pela crise das finanças públicas, crónica como sempre.
Por todos os cantos do País renasciam entusiastas do Império, como se o Rei D. Carlos tivesse descoberto o segredo da batuta para os suscitar.
Estava achado – também já se percebia na altura – o grande tema mobilizador dos portugueses e dos regimes futuros para a política nacional do séc. XX.
Havia, porém, ainda uma outra vantagem imediata, embora produto acessório dessa nova onda de imperialismo nacionalista português.
A paz armada no Norte de Angola criaria ao mesmo tempo a necessária tranquilidade na retaguarda das forças europeias (belgas e da “milícia”) que de Boma e Matadi tinham de marchar para o Norte, ao longo da margem esquerda do Zaire, firmando-se em Kinshasa, o novo pólo de irradiação da ocupação belga e europeia do Congo.
Com a ajuda e iniciativas imparáveis de portugueses espertos, claro.
Como o “capitão” Gomes que não tardaria ser promovido a “grande capitão”, simplesmente, por força da voz populi.
Os trabalhos e missões que vinham encarregados de atribuir-lhe os responsáveis do contingente militar europeu recém-chegado, Gomes não os rejeitaria porque constituíam uma provocação exaltante que por nada deste mundo perderia e muito menos dispensaria.
Mas também andava de algum modo inquieto.
Não sabia ao certo como agir com aquela gente, dum tipo com que pela primeira vez lidava. Decidindo de pressa, pensou que o melhor era mesmo mostrar-se arrogante com eles, quanto bastasse, e não lhes mostrar medo.
A AIC decidira que Boma seria a capital do Estado Livre do Congo, capital administrativa local naturalmente, que todo o poder verdadeiro continuaria em Bruxelas, como era lógico.
Não impediria isto que, finda a fase inicial de consolidação do novo “estado”, a capital mudasse para outra cidade mais adequada ao alargamento da ocupação.
A maioria já pensava em Kinshasa, como era de bom senso.
Mas, fosse como fosse, o que ainda houvesse de restos duma velha tutela administrativa portuguesa tinha de desaparecer imediatamente, dando lugar aos novos quadros, todos de origem belga, que deveriam chegar no primeiro vapor. Zé Gomes o “grande capitão” para os seus soldados, e não só, pensou oferecer-se ao coronel belga, comandante do contingente europeu, para descobrir o que houvesse ainda dessa administração ou tutela portuguesa de três séculos e aproveitá-la, tanto quanto possível, para abrir caminho aos belgas que aí vinham, sem saberem nada do que os esperava, tinha-lhe dito um dos novos amigos belgas, comerciantes e militares, que já fizera, com a sua proverbial aptidão para criar amigos e dependentes.
Era ingénuo mas não pateta de todo.
A.C.R.
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Quando o primeiro contingente militar europeu chegou a Boma, um mês depois, “o capitão” Gomes – à frente da milícia – acabou de perceber tudo o que então ainda lhe faltava perceber.
Graças aos quadros belgas que dirigiam o contingente.
O problema mais complicado que se lhes punha era a ocupação daquele imenso território para Norte e para Leste, toda a Bacia do Zaire, a maior e mais rica e povoada da África Central, da África ao Sul do Saará, chave crucial do novo continente criado pela Europa expansionista e dominadora do fim do séc. XIX.
Era como assistir ao regresso e concretização dos primeiros sonhos, frustrados, dos portugueses de Quinhentos, que voltassem a estar presentes ali, nas pessoas e feitos decisivos de portugueses dos fins de Novecentos, agora também servindo os sonhos e projectos dum americano precursor do séc. XX, que compreendera na perfeição os portugueses de sempre e pelos de agora fora exemplarmente compreendido também.
Ao “partilhar” a África entre os maiores poderes europeus da altura – pela última vez a América ficava de fora, mas atentíssimamente vigilante – a Conferência de Berlim, valendo-se ainda do empenhamento e visão de uns punhados de grandes portugueses seus contemporâneos, desconhecidos para sempre (não fossem estas Memórias…), não só salvava para Portugal o seu grande património africano de séculos, mas dava-lhe também a oportunidade de recuperar e reviver o ancestral desejo e vocação imperial dos velhos portugueses.
Não era pouco nem muito, era tudo!
Chegavam por então, à margem direita do Zaire, muitos ecos de movimentações de sobas e reizetes do Norte de Angola que se revoltavam e punham em risco o domínio português até Luanda, muito para baixo do Ambriz.
Mas também chegavam ecos de triunfos das forças militares portuguesas idas expressamente do Continente para a reocupação e controlo reforçado das áreas de Angola onde os levantamentos se haviam tornado mais ameaçadores.
Iam ganhando nome, nessas campanhas, grandes militares como Paiva Couceiro e tantos outros, que reconciliavam a ideia de Império com os portugueses, sem eles se deixarem desmobilizar pelos custos naturalmente altos da ocupação do Ultramar, agravados pela crise das finanças públicas, crónica como sempre.
Por todos os cantos do País renasciam entusiastas do Império, como se o Rei D. Carlos tivesse descoberto o segredo da batuta para os suscitar.
Estava achado – também já se percebia na altura – o grande tema mobilizador dos portugueses e dos regimes futuros para a política nacional do séc. XX.
Havia, porém, ainda uma outra vantagem imediata, embora produto acessório dessa nova onda de imperialismo nacionalista português.
A paz armada no Norte de Angola criaria ao mesmo tempo a necessária tranquilidade na retaguarda das forças europeias (belgas e da “milícia”) que de Boma e Matadi tinham de marchar para o Norte, ao longo da margem esquerda do Zaire, firmando-se em Kinshasa, o novo pólo de irradiação da ocupação belga e europeia do Congo.
Com a ajuda e iniciativas imparáveis de portugueses espertos, claro.
Como o “capitão” Gomes que não tardaria ser promovido a “grande capitão”, simplesmente, por força da voz populi.
Os trabalhos e missões que vinham encarregados de atribuir-lhe os responsáveis do contingente militar europeu recém-chegado, Gomes não os rejeitaria porque constituíam uma provocação exaltante que por nada deste mundo perderia e muito menos dispensaria.
Mas também andava de algum modo inquieto.
Não sabia ao certo como agir com aquela gente, dum tipo com que pela primeira vez lidava. Decidindo de pressa, pensou que o melhor era mesmo mostrar-se arrogante com eles, quanto bastasse, e não lhes mostrar medo.
A AIC decidira que Boma seria a capital do Estado Livre do Congo, capital administrativa local naturalmente, que todo o poder verdadeiro continuaria em Bruxelas, como era lógico.
Não impediria isto que, finda a fase inicial de consolidação do novo “estado”, a capital mudasse para outra cidade mais adequada ao alargamento da ocupação.
A maioria já pensava em Kinshasa, como era de bom senso.
Mas, fosse como fosse, o que ainda houvesse de restos duma velha tutela administrativa portuguesa tinha de desaparecer imediatamente, dando lugar aos novos quadros, todos de origem belga, que deveriam chegar no primeiro vapor. Zé Gomes o “grande capitão” para os seus soldados, e não só, pensou oferecer-se ao coronel belga, comandante do contingente europeu, para descobrir o que houvesse ainda dessa administração ou tutela portuguesa de três séculos e aproveitá-la, tanto quanto possível, para abrir caminho aos belgas que aí vinham, sem saberem nada do que os esperava, tinha-lhe dito um dos novos amigos belgas, comerciantes e militares, que já fizera, com a sua proverbial aptidão para criar amigos e dependentes.
Era ingénuo mas não pateta de todo.
A.C.R.
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