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2007/02/28

Memórias das minhas Aldeias
Esquecimentos da História
Parte IV – N.º 05 

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Condições de Henry Morton Stanley para concordar com a promoção do “capitão” Gomes…

O novo recrutamento, até chegar-se a apurar duzentos homens, começaria imediatamente e o seu treino e enquadramento na unidade também. Mas ainda sob a responsabilidade directa de Manuel Cruz que receberia novas e definitivas orientações, depois de a conferência em Berlim resolver a partilha da África entre as potências europeias. Muito provavelmente, quando isso acontecesse os responsáveis locais libertariam Manuel, como ele desejava, dos encargos na milícia que ainda lhe ficavam.

Manuel aceitou porque precisava dum pretexto para continuar próximo da grega, com quem tudo entre eles voltara ao exaltado encantamento do princípio.

Tinha mesmo Manuel tomado a esse respeito uma decisão, tão confidencial, tão confidencial que não a confessava a ninguém, por então, nem sequer a ela, a principal interessada, uma decisão que a ele próprio o assustava ainda.

Mas outra decisão, a de Stanley a respeito do futuro da milícia, embora condicionada, aliviou-o o bastante para que Manuel tornasse a ver tudo côr de rosa.

Por outro lado, o trabalho obsessivo a que voltou a entregar-se, para o treino dos novos recrutas, durante muitos dias não o deixou pensar em mais nada.

Depois, vieram os dias tormentosos da espera já ansiosa por notícias de Bruxelas ou de qualquer outra capital europeia, notícias que Stanley prometera e pareciam nunca mais chegar.

O primeiro telegrama (cifrado, claro) que acabou por chegar confirmava que a data da conferência de Berlim sobre África não estava ainda assente.

Mas dava uma boa nova.

Os detalhes do percurso do futuro caminho-de-ferro de Matadi a Kinshasa, que o “capitão” Gomes, com os meios toscos de que dispunha, conseguira desenhar nos mapas, já de si sumários, proporcionados pelo “comando” da milícia, tinham não obstante surpreendido vários entendidos de Bruxelas a quem Stanley os mostrara. Após o que não hesitara em levá-los ao próprio Rei, o verdadeiro Deus ex-machina de toda a montagem posta em marcha pelas potências europeias para a criação da nova África ao sul do Saará.

A linha definitivamente construída alguns anos depois não viria a divergir essencialmente do traçado que Gomes concebeu. O entusiasmo do Rei foi tão decidido que logo encarregou o seu gabinete de engenharia dos transportes de examinar o esquisso de Gomes e o aperfeiçoar, recomendando-lhe também que nunca deixasse de ouvir explicar-se o Autor dele. Foi tido Gomes, por um “precoce talento de dezanove anos”, como logo começaram por chamar-lhe os turibulários do Rei. Mas, encenando mais ainda, também descobriram que curiosamente Gomes não queria sair de África, onde os seus antepassados se haviam fixado trezentos anos antes, idos nas caravelas do Infante Dom Henrique, o Navegador! Assim o escreveram os media bruxellois do tempo, encantados por desse modo ligarem o mais remoto passado conhecido daquela terra ao mais remoto e incerto futuro que se permitiam sonhar para ela e os fascinava.

Tudo lisonjeava o Rei que alguns dos turibulários não hesitaram em comparar ao Infante Navegador, que, como o Rei, também se aventurara a conceber e criar um mundo novo a muitíssimos milhares de milhas marítimas, sem sair do seu trono e centro de manejar cordéis e cordelinhos.

Descobriram mesmo alguns coca-bichinhos que o Rei tinha parentesco de sangue com o Infante.

Uma ideia aliás germinara na real cabeça leopoldiana. Também o estudo da futura linha de ferro que pudesse apresentar na conferência de Berlim, para a partilha da África Central, seria outra prova da ocupação efectiva da África pela AIC – tanto mais que as cartas geográficas da zona se apresentavam ainda bastante imprecisas e confusas.

Mesmo assim uma prova talvez decisiva, sobretudo se aquele estudo proporcionasse também uma aproximação fiável dos custos de construção do caminho-de-ferro e obras acessórias. Como também – já agora – o valor das mercadorias e passageiros que seria preciso transportar para rendibilizar a exploração da via férrea.

E mão-de-obra para executar este primeiro grande feito da mais avançada tecnologia ocidental em África? – perguntou um rapazola atrevido do círculo do Rei.

Só não ficou embasbacado o Rei que não hesitou em responder, não se sabe por que carga de água…

“Mandam-se vir indianos!”

Tudo em grande e sem obstáculos para Sua Majestade.

Mas no caso presente, outro jovem, agora bem longe dali, o jovem das berças beiroas, dera nada despicienda achega para se chegar àquela espécie de “grito de Ipiranga” do Rei dos belgas, quase tão célebre como o propriamente dito berro de D. Pedro IV.

O esquisso e notas de Zé Gomes sobre as cartas geográficas de Stanley, cartas aliás de passagens aperfeiçoadas, rectificadas aqui e além pelo improvisado topógrafo do Vimieiro, foram forte impulso e inspiração para a imaginação imparável de Leopoldo II da Bélgica.

- Viu-as o Rei! – exclamava o “capitão” sem caber em si de orgulho.

- Viu-as o Rei! – viria a repetir para si próprio, sempre que o assaltavam a depressão e o cansaço tremendo das suas tarefas dessa época.

Era melhor que a melhor das condecorações…

Mas se Gomes efectivamente não chegou a gozar o prazer e a honra duma condecoração pelo trabalho precursor da futura linha de ferro…

Viria até a sentir-se “comido” pela entourage do Rei, pois que o mérito da primeira linha férrea da África austral acabou por ser exclusivamente atribuído ao tal gabinete de engenharia, de que nem um técnico jamais lá pusera os pés nem poria jamais.

A vingança do “capitão” Gomes esteve à altura da ofensa. Veio a receber, muito mais tarde, ao longo de anos, a maior parte das grandes e numerosas comendas do Reino dos belgas e da própria AIC (que também chegou a concedê-las!), pelos muitos crimes que cometeu no auge da sua fama largamente merecida.

As suas grandes oportunidades viriam em catadupa, porque ele explorou genialmente todas as ocasiões que a sofreguidão dos países europeus criadores da nova África lhe ofereceram.

Mas não se contentou com elas.

Converteu-as sempre em testes para ambições ainda maiores, coroadas inesgotavelmente por crescentes lucros que jamais permitiria lhe fossem recusados ou sequer discutidos.

Largamente justificado o título de “grande capitão” que lhe atribuiu o povo branco e negro das margens do Zaire!

E que chegou a ecoar e repercutir-se na Europa, naquela europeia faixa bem conhecida das suas origens, entre Tázem e o Vimieiro, onde, de memória de viventes, jamais nascera tão grande vulto de homem e de português…

A.C.R.

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