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2007/03/12

Memórias das minhas Aldeias
Esquecimentos da História
Parte IV – N.º 10 

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De longe, Leopoldo II da Bélgica, mais do que comandar, inspirava os seus agentes. E os que o não eram, à partida, de pressa podiam acolher-se a esse papel, tão mobilizador e determinante que os tornava espontaneamente cúmplices e cumpridores dum destino único, que os atraia como a luz às borboletas, passe o pretensiosismo banal.

Sem questionar ou se dar por isso, muitos portugueses tinham-se envolvido ou estavam a deixar-se envolver na rede criada e animada, lá de longe, pelo grande Rei.

Uma pequena frase dele, repetida a milhares de milhas, passava de súbito a inspirar muita gente que até aí não descobrira a sua própria estrela.

“Mandam-se vir indianos!” – retorquira ele um dia a um involuntário mas inspirado provocador na sua corte.

O narrador sente o peso e a influência, como motor de muita gente, de pequenas coisas destas que, uma vez postas a circular, suscitam movimentos profundos de consequências que não poderiam prever-se.

O Rei queria o caminho-de-ferro?

Pois teria o caminho-de-ferro, que já muita gente passara a querê-lo tanto como o Rei.

“Capitão” Gomes apercebera-se melhor disso ao ouvir o coronel Mckenzie que, sem cavalos bastantes, para sair dali, e circunscrito a Boma, estava praticamente cercado com toda a sua força, ainda pequena, mas já a maior que alguma vez por ali passara, tanto quanto podia adivinhar-se…

O caminho-de-ferro… era preciso construi-lo de pressa para furar o cerco que por barco não era possível quebrar, por causa dos sucessivos saltos rochosos do leito do rio, até ao pool de Kinshasa. Com caminho-de-ferro, rapidamente a tropa controlaria o território atravessado pelo troço estrategicamente essencial do Zaire desmedido, até Kinshasa.

Daí para cima, os transportes haviam de ser de barco, mas como pôr barcos lá, se não havia localmente estaleiros de construção nem de reparação, simplesmente…

“Pois… - interrompeu Zé Gomes – Pois levando-os por terra, e já.”

“Por terra!” – repetiu o coronel desconfiado.

“Sim, por terra. Há um armador do Ambriz que se dispões a levá-los para o pool desde que lhe seja garantido o exclusivo dos transportes fluviais em todos os troços navegáveis do Zaire e afluentes, do pool para montante. Mas nenhuma autoridade lhe quis garantir o monopólio. O meu coronel podia ter esse grande rasgo. Adiante-se às autoridades civis que aí vêm, uns empatas, com certeza. Verá como todos lhe hão-de agradecer!...”

“Mande-o vir!”

“Mande-o vir já!”

“Hoje mesmo, que ontem já não é possível!” – retorquiu o coronel entusiasmado, pela terceira vez.

E foi assim, com larga troca de longas mensagens pelo telégrafo, entre Boma e o Ambriz, que o negócio foi fechado com a firma do “Comendador & Filhos”, armadores nossos conhecidos de há muitos anos.

Em poucos meses, um barco montado noutro barco foi desembarcado em Matadi, desmontado em parte e posto sobre uma plataforma de rodas de madeira ferrada a caminho de Kinshasa, puxado por uma quantidade enorme de homens negros que se revezavam, bem alimentados e suando as estopinhas por quantos poros tinham e os que não tinham.

Zé Gomes, o “grande capitão”, descobriu outra coisa que não contou logo ao coronel.

Não seriam precisos indianos para construir o caminho-de-ferro do Baixo Congo.

Os negros chegavam e estariam à altura, se fosse possível reunir pelo menos cinquenta vezes o número de homens que haviam arrastado, por terra, o vapor até ao pool de Kinshasa…

Mas, na verdade, Zé Gomes enganava-se redondamente.

Os homens de génio também fraquejam às vezes, embora tenham mais apurada a capacidade de emendar a mão prontamente.

A.C.R.

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