2007/03/16
Memórias das minhas Aldeias
Esquecimentos da História
Parte IV – N.º 12
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Sempre houve, entre portugueses de que nos lembremos destes dois últimos séculos, portugueses “das Luzes” e portugueses iluminados pela Luz de Cristo.
Também assim entre os portugueses da foz do Zaire nos fins do séc. XIX?
Creio que ainda seriam, então, muito mais numerosos os da Luz de Cristo que os outros.
Ainda hoje somos pelo menos 42 por cento.
A que haverá a acrescentar muitos, mas muitos, dos restantes 58 por cento, os que votaram enganados pelo Primeiro Ministro e pelos sacristas do “sim” ungidamente mentirosos.
Zé Gomes, o “grande capitão”, esperava contar com todos para levar a bom cabo os seus projectos. Tinha a certeza de uni-los, à força do empreendedorismo inato dos portugueses, já perfeitamente consciente de ser aquela tarefa – construir um estado-tampão contra as ameaças ao património português em África – uma tarefa necessariamente mobilizadora da paixão de construtores de impérios dos portugueses.
Construtores e beneficiários ou exploradores, como é próprio e normal.
“Zaire acima!” – tornara-se, como Zé Gomes confirmou, um tema de acção que mobilizava todos.
O coronel aconselhou-o a que não forçasse o andamento das coisas, pelo excesso dos seus entusiasmos.
“É bom… – dizia o coronel, já com os primeiros vietnamitas a chegarem a Boma às centenas – É bom que os portugueses comecem a escolher os pontos de instalação das suas lojas e que vão dispostos a mudá-las mais para Norte, quantas vezes for necessário, consoante a via férrea for avançando…”
“Ora! O coronel sabe lá o que são portugueses! – ripostou Zé Gomes – Eles sabem mais disso que todos os belgas juntos! Vai ver que os melhores deles não vão largar as lojas que tenham tido sucesso e mudá-las para outro lado. Deixam-nas ficar abertas e abrirão outras mais à frente. Verá que se vão constituir verdadeiros polvos comerciais, com braços que chegarão daqui a Kinshasa e com lojas em cada sanzala daqui até lá! Mandam vir das aldeias de Portugal quantos caixeiros for preciso, que num mês ficam aptos a tudo vender e tudo comprar aos negros! Epovoam o Congo de mulatos…”
“Quer dizer… - adiantou o outro, dando uma gargalhada – quer dizer que os portugueses é que vão ocupar o Congo para os belgas… Em cada sanzala importante… uma estação de caminho de ferro, as lojas dos portugueses brancos, uma igreja na missão de padres brancos portugueses também, com uma escola a ensinar os pretitos a falar e escrever português!...”
“Não tanto! – achou Zé Gomes conveniente travar-lhe os excessos caricaturais – Mas talvez caminhemos para aí, se vocês não se precatam! Olhe, ó coronel… Os Nogueiras já estão em marcha, vão à frente de todos. O tio do Ambriz mandou vir de São Romão uma quantidade de sobrinhos e já por aí vão disparados em manada, largando uma lojeca em cada sanzala que lhes cheire… Os Silveira de Santa Comba Dão vão-lhes na cola, prometendo vender tudo mais barato que ninguém, seja qual for a mercadoria… Os Teles e os Silva de Paranhos e Vila Nova de Tazem, deu-lhes de repente a febre, não da mosca tzé-tzé mas das libras. Fazem constar por toda a parte que trouxeram do Ambriz dinheiro bastante para abrir uma loja em qualquer ponto da linha onde haja outra, seja de que branco for… Deu febre e cegueira a todos eles!”
“E os belgas a rirem-se, não é?” – chalaceou Zé Gomes muito sério.
- Por mim tudo bem… – comentou o coronel -. Não tarda que a nossa tropa possa avançar sem risco algum, desde que comerciantes e missionários avancem primeiro, a descobrir e ocupar o terreno. Ao mesmo tempo que pacificam e entretêm os sobas e suas sanzalas alimentando-lhes a loucura e o vício de consumirem quanto lhes chega ao alcance…
“O coronel está a desvairar!” – pensou Zé Gomes simplesmente, sem que, em rigor, percebesse a profunda verdade do que o outro talvez nem estivesse a querer dizer.
Mas disse-o e regozijamo-nos por isso, pois que estamos, creio, muito mais aptos agora a perceber e a aceitar o que vai acontecer nos próximos tempos ou nas próximas páginas.
A.C.R.
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