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2006/11/16

Memórias das minhas Aldeias
Parte II – N.º 7 

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Todos esses colonos entendendo-se bastante bem no português que os nossos compatriotas tinham ido ensinando aos estrangeiros, por um método que nenhum dos improvisados pedagogos quis ou foi capaz de explicar. O mais natural é que todos os estrangeiros tenham sido obrigados a aprender o português, que era ali a língua muito mais faladas e ouvida de todas.

O sucesso da aprendizagem do português era tão evidente que uma outra razão prática desse sucesso se impôs também: o português revelou-se, de facto, a única língua em que todos podiam entender-se com negros, dos quais muitos a “arranhavam”, familiarizados por tradição de séculos com ela, a língua dos brancos chegados por ali desde 1490, com Diogo Cão, os brancos do “Puto”, isto é, Portugal, para eles.

Que remédio tinham aqueles estrangeiros, os gregos, o inglês, o belga, o espanhol, o turco, o saxão, os holandeses, se queriam vender ou comprar alguma coisa aos autóctones, senão aprender e falar português?

Para começar sempre era menos trabalhoso do que aprender a papaguear o quicongo, a língua deles.

E que fragilidades eram aquelas, atrás aludidas?

Os colonos de oito nacionalidades foram unânimes.

A principal era a falta de ocupação política e administrativa, pelos Estados europeus dos colonos, de toda aquela vasta e rica região da foz do maior rio de África, ou o mais caudaloso. Isto é, sentia-se a falta de fronteiras rigorosamente estabelecidas ou de serviços administrativos e consulares que o velho e liberal-libertário protectorado português do Reino do Congo, efectivamente teórico e imaginário, desde havia muito não assegurava.

Não era possível fazer uma mera escritura de compra e venda, a não ser num “notário” negro, em São salvador do Congo, que mal sabia ler e escrever, disfarçando a ignorância com espertezas ad hoc, frutos da sua longevidade, quase tão antiga e teórica como o protectorado português.

Não era possível também um só registo de propriedade.

Nem um contrato-promessa de compra e venda.

Ou levar a tribunal o incumpridor de qualquer compromisso, a não ser perante o tribunal do Rei do Congo, perfeitamente incapaz.

Aqueles colonos tinham todos consciência dos problemas criados por estas lacunas e por muitas outras da mesma ordem, de que sofriam as piores consequências.

Desenvolvia-se, por isso, uma certa tendência para os colonos se valerem dos serviços, relativamente elementares, dos cartórios das missões que, mesmo assim, foram frequentemente preciosos e… baratos.

Também é muito curioso que não parecia impor-se aos colonos, por então, como um imperativo tão forte, a necessidade de ocupação militar do território pelas potências europeias.

De facto, pareciam bastar aos colonos as armas pessoais, que todos usavam eximiamente, constava. Mas as consequências da prepotência dos feitores franceses de Ponta Negra, de que acabavam de ter conhecimento através dos portugueses perdidos e achados na floresta do baixo Congo, vieram abrir-lhes mais os olhos.

De modo que em todos aqueles europeus de Boma, de pelo menos oito nacionalidades, isso reforçara muito acentuadamente a ideia, que há anos vinham desenvolvendo, do imperativo da partilha formal da África entre as potências europeias. Deixariam elas, então, de ter desculpas para não desempenharem os seus deveres políticos de Estados soberanos, responsáveis e organizados, como os seus cidadãos-colonizadores lhes exigiam.

Eles queriam deixar de ser colonizadores meramente de conta e iniciativa própria, em auto-gestão… para serem integrados na própria “missão civilizadora” – como diziam – que desempenhavam, como agentes de verdadeiros Estados que os assumissem e assumissem a responsabilidade de proteger e dotar capazmente os agentes civilizadores inspirados que eles se consideravam.

Queriam Estados que os apoiassem e integrassem, como a Igreja e os Estados Pontifícios no caso das missões.

Em suma, aspiravam a ser institucionalmente aceites, como de justiça.

Como aliás haviam sido, durante séculos de tráfico de escravos negros, com o domínio português ou luso-espanhol e depois europeu, dum e doutro lado do Atlântico, ao longo das costas marítimas do Oeste e do Leste, como a Norte e a Sul do Equador.

Tinham eles, os colonos de Boma, essa situação em que arriscavam o sossego e a vida como um enorme retrocesso, relativamente à escravatura institucionalizada e benquista do Atlântico, durante quatrocentos anos.

O olfacto político deles não os enganava.

Estava no apogeu um certo sentido generalizado de Império europeu, como ordenador do Mundo.

Estava-se com efeito a poucos anos da Conferência de Berlim, que lhes daria inteira satisfação e para a qual, sem se aperceberem, talvez sem os próprios responsáveis políticos máximos da Europa ainda o perceberem, os colonos iam ajudando a criar ambiente favorável à decisiva responsabilização dos Estados europeus pela colonização da África, entre a opinião pública europeia e americana.

Que importava o resto?

A.C.R.

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