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2006/11/14

Memórias das minhas Aldeias
Parte II – N.º 6 

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Voltando aos tempos de Manuel e Raul em África…

Estava a decorrer o quarto ano do trabalho deles na foz do Zaire e Reino do Congo, sobretudo, associados às operações de tráfico de escravos negros para as Américas, quando no regresso duma acção junto de sobas a Norte da então pequena povoação e insignificante porto de Matadi, ambos se perderam desastradamente, com a comitiva.

A acção não resultara nada bem, porque os sobas já não dispunham das “peças” para vender que tinham prometido – parece que lhas levara de assalto um soba vizinho, armado com carabinas novas fornecidas pelos franceses da feitoria de Ponta Negra, nas na costa atlântica, distante boas centenas de quilómetros dali.

Prudentemente aconselhados, Manuel e Raul desandaram da zona tão depressa quanto puderam, para Poente, não fossem cair nas unhas do soba abastecido de armas pelos feitores franceses. Mas três ou quatro dias depois perceberam que estavam perdidos na escuridão da selva mais assustadora, já a anunciar as matas de preciosas árvores gigantes para madeiras de Cabinda.

Valeu-lhes um pequeno grupo armado de caçadores portugueses, que os acharam por puro acaso, vindos da caça ao elefante na savana distante, para embarcarem o marfim com destino à Europa. Faziam-no pelo porto de Boma que já não era muito distante dali, ainda na foz do Zaire ou, como outros diriam, já no Atlântico, tão largo era ali o rio que mais parecia o Oceano.

Chegados a Boma sãos e salvos e restauradas as forças que se iam esgotando, Manuel e Raul descobriram, naquele porto e antigo centro de trocas do Reino do Congo, uma acolhedora e relativamente numerosa colónia de comerciantes portugueses e estrangeiros, de várias nacionalidades, de que já tinham ouvido falar muito antes, mas que não imaginavam ser assim importante e próspera.

Manuel e Raul aperceberam-se melhor ali de como a decadência do tráfico de escravos estava avançada e se afigurava em absoluto irreversível, àquela gente aparentemente muito bem informada e com grande sensibilidade para os negócios.

Quase todos os colonos portugueses, bem como os restantes colonos brancos e europeus, haviam sido, até bem pouco tempo antes, no máximo cinco anos, exclusivamente agentes recrutadores e angariadores de escravos junto dos sobas do interior e das duas margens do colossal rio, a trabalharem para os grandes promotores das transacções com as Américas. Os quais em geral eram simultaneamente armadores de navios também, para o transporte dos escravos até Cabo Verde, às vezes até São João Baptista de Ajudá, dali seguindo, quase sempre em barcos de negreiros portugueses do Brasil, para o seu destino final, as plantações do algodão e do cacau, como as plantações e engenhos do açúcar e, numa outra fase, para as minas do ouro e de diamantes.

Com a decadência do tráfico negreiro, quase todos os agentes dele se haviam nos últimos anos deixado disso e desenvolvido, para subsistirem, os pequenos negócios que, simultaneamente com o negócio principal, exploravam havia muito. Tratava-se da venda dos objectos mais inverosímeis, mas também tecidos, peixe seco, tabaco e… álcool. Compravam ou passaram a comprar eles, por sua vez, aos indígenas os produtos excedentários da agricultura, que os próprios colonos tinham ensinado os indígenas a praticar ou a intensificar, como o amendoim ou ginguba e a mandioca; além dos frutos colhidos pelos nativos das palmeiras, para lhes extraírem o coconote ou dendém, destinado à alimentação e ao fabrico do óleo de palma e de sabão.

Em poucos anos, esse comércio, tornado cada vez mais corrente, substituiu de todo, para os agentes antigos dos grandes traficantes e armadores negreiros, os lucros da secular actividade de “caça” aos escravos, a despachar para as Américas, as Antilhas, além da Península Ibérica.

E estavam todos prósperos, pelo menos ali em Boma.

Chamar-se-ia hoje àquela reconversão de actividades, verdadeiramente, uma efectiva reconversão profissional e empresarial, pela força e violência das circunstâncias, mas uma reconversão não-dirigida de fora e não obstante de sucesso, graças à inteligência dos forçadamente reconvertidos, maioritariamente portugueses, logo seguidos de gregos e holandeses depois.

Foi uma lição que Manuel e Raul acolheram como grande novidade, uma grande lição prática de economia e de política imbricadas, que os influenciou talvez para sempre. Tanto mais que se aperceberam, graças aos “explicadores” que tiveram em Boma, dalgumas fragilidades da situação. Eram eles treze ou catorze colonos portugueses, só os fixados em Boma, mas também dois ou três gregos, um inglês, um belga, um espanhol, um turco, um alemão da Saxónia e dois holandeses.

A.C.R.

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