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2006/11/02

Resposta de uma mulher ao senhor ministro da Saúde 

31/10/2006 Alexandra Teté

Registo a insistência dos adeptos do "sim" na afirmação de que o objecto do referendo é a despenalização do aborto e não a sua liberalização, quando o aborto até às dez semanas passaria a ser livre, universal e gratuito. O Estado passa a colaborar activamente na sua prática, vinculado somente ao desejo da mulher.

1. Segundo parece, na badalada Conferência Internacional sobre a Saúde Sexual e Reprodutiva da Mulher, o dr. Correia de Campos fez um apelo às mulheres e aos médicos para que promovam o sim à "despenalização" do aborto. No que respeita aos médicos, a quem o senhor ministro pede que abjurem de um código deontológico milenar de serviço à vida humana, haverá com certeza alguém que lhe responda. No que toca ao primeiro apelo referido, gostaria - enquanto mulher - de fazer umas observações. De facto, na mesma ocasião, o dr. Albino Aroso terá dito que "nenhum homem sabe o que é levar até ao fim uma gravidez não desejada". Presumo, portanto, que ele próprio também não sabe, nem desejada, nem indesejada. Tão-pouco o sabem o senhor engº. Sócrates ou o senhor ministro da Saúde.

2. Não julgo que valha a pena insistir na vacuidade, contradições (e, já agora, demagogia) dos dois "argumentos" apresentados por José Sócrates. Basta pensar que a proposta do PS "persegue" e "envia para a prisão" as mulheres que abortam às 11 semanas de gravidez, às quais não evitaria o aborto clandestino (o qual, aliás, como já reconheceram alguns defensores da liberalização, não acabará, por razões várias). Mas esta incoerência chama a atenção para o verdadeiro "clandestino" dessa argumentação - o não nascido - e para o que estará em causa no próximo referendo: saber se essa vida humana deve ser protegida pela lei, ou se, pelo contrário, deve ficar à mercê do interesse arbitrário de outrem, como se fosse uma "coisa" para usar ou deitar fora, sem valor intrínseco, a custas do Estado.

3. Registo também a insistência desesperada dos adeptos do "sim" na afirmação de que o objecto do referendo é a despenalização do aborto e não a sua liberalização, como malevolamente propalariam alguns. Repare-se: o aborto até às dez semanas passaria a ser livre, universal e gratuito. Não se trata de apenas de uma despenalização ou de uma mera descriminalização. O Estado passa a colaborar activamente na prática do aborto, vinculado somente ao desejo da mulher. Enfim, o que se pretende é mesmo a consagração do "direito ao aborto", até às dez semanas, como se "na minha barriga mandasse eu".

Todavia, para contrariar este efeito - como já foi explicado, e por muito que isso irrite o engº. Sócrates - não é necessário "perseguir as mulheres". No nosso sistema jurídico já estão previstos mecanismos que conciliam a função do direito penal de tutela de bens jurídicos fundamentais (como é, antes de qualquer outro, o da vida humana) com a consideração de circunstâncias atenuantes da culpabilidade, associadas a condições dramáticas e desesperadas de existência.

4. Por fim, não me comove a alegação de que Portugal tenha uma das leis mais restritivas da Europa. Não é que o direito penal comparado não seja interessante ou que não devamos estar atentos às "melhores práticas". Contudo, por um lado, o que os outros fazem, embora relevante, não pode substituir ou anular o que a própria razão e consciência nos dita. Por outro lado, ao longo da história, muitos avanços civilizacionais (a escravatura, os direitos políticos dos pobres e das mulheres...) foram conseguidos pela resistência de uma minoria com razão face a uma maioria sem razão.

Por último, o conhecimento adquirido nos últimos anos - quer os progressos científicos no campo da genética e fetologia (que tornam incontornável a questão do estatuto jurídico do não nascido), quer a descoberta das consequências devastadoras para a mulher que o aborto (legal ou clandestino) acarreta - torna cada vez menos defensável, numa sociedade decente, que o aborto seja considerado um "direito". Agora, em Portugal, podemos evitar isso. Associação Mulheres em Acção

(Artigo publicado no Jornal “Público” em 2006/10/31)

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