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2003/10/24

AS MINHAS MEMÓRIAS DO MANUEL MARIA MÚRIAS(I) 

António da Cruz Rodrigues

Morreu no ano em que morria o século, com 72 anos, o Manuel Maria Múrias, porventura de tanto ter sido um Homem plenamente do seu tempo, tão ardentemente envolvido que andou nos nossos maiores combates da segunda metade do séc. XX.

Com o Manuel Maria, desde 1968, o ano em que pessoalmente nos conhecemos, vivi períodos diversos, todos intensos, de aproximação e amizade. Mas os sete anos de 1989 a 1995 foram de proximidade espiritual total e muito profunda, com longas conversas muitas vezes diárias, no mínimo semanais e muito apoio mútuo: sete anos que me dão jus a acreditar que o conheci como poucos.

Pelo que, como poucos, fora dos seus familiares, poderei dizer que ao perdê-lo morreu substancial parte de mim mesmo, impedida que ficou essa parte de crescer e renovar-se como se renovava constantemente no convívio com ele.


O conversador, o escritor, o jornalista

Porque era, como todos os que o conheceram sabem, um conversador incomparável e com os mais imprevisíveis rasgos de humor, com frequência derrapando em catadupas de sarcasmos sangrentos e vingativos.

Na noite do velório, quando fomos cumprimentar a família, vim cá fora abraçar o irmão Nuno e ficámos ambos muito comovidos a falar do Manuel Maria. Quando instantes depois demos por nós, calámo-nos de repente, confundidos por repararmos que sem querer tínhamos começado quase à gargalhada a lembrarmo-nos de tantas blagues e situações verdadeiramente hilariantes vividas com o Manuel Maria.

Apesar do insólito, recordar Manuel Maria daquela maneira não deixava de ser uma grande homenagem para que a sua memória espontaneamente e ternamente nos arrastava.

Esse espírito de grande humor e vivacidade crítica está presente em muitos dos seus artigos e colaborações na Imprensa. Mas também está no livro que é a sua obra mais completa e profunda e que muito me orgulho de lhe ter «encomendado» para uma editora que pensava lançar e viria a ser a Nova Arrancada: o livro é «De Salazar a Costa Gomes», a reflexão apaixonada e lúcida e a mais fascinante que terá sido escrita sobre um dos mais graves períodos de transição da nossa História.

Pouco antes tinha ele acabado o «Chiado - Do séc. XII ao 25 de Abril», que através da Universidade Livre também combinara com o Manuel Maria, com o propósito de ser um roteiro capaz de ajudar à ressurreição do Chiado, ardido em 1998, mas que o A. transformaria na belíssima história social e cultural do famoso bairro de Lisboa, que a N. A. igualmente viria a publicar.

Em 1997, propus ao Manuel Maria que organizássemos uma 2ª edição do «Chiado», revista por ele e que fosse muito ilustrada. A sua saúde, que o foi ajudando cada vez menos, impediu a concretização da ideia. Hoje lamento-o profundamente, mesmo com a certeza de que essa tentativa foi a única fracassada das várias, para não dizer muitas, em que juntos nos empenhámos.

Porque me lembro com alegria e orgulho de tantas em que fomos bem sucedidos, mesmo quando derrotados pela força de certas circunstâncias.

Foi o caso do Bandarra.

Fora o Múrias quem me deu de chofre a notícia da militarada de Abril, telefonando-me para casa às quatro da madrugada. Eu tinha publicado dois meses antes na Resistência o editorial dirigido ao Spínola, com o título «Demita-se, Senhor General!»

Diga-se que o editorial causou um grande impacto nos meios políticos da situação e que muitos consideravam ter dado mais um empurrão decisivo na demissão do general pelo governo Caetano.

Múrias, pelo telefone, não deixou de mo lembrar por meias palavras. Fossem quais fossem os revoltosos, não iriam perdoar-mo, deixou entender: «Você acautele-se! Vêm aí tempos péssimos...», desligou.

De facto, os vencedores não me perdoaram.

Mas a ele também não.

Fomos ambos dos primeiros suspensos nos respectivos serviços do Estado e proibidos de aí voltar: ele na R. T.P.; e eu no Ministério das Corporações, logo em 2 de Maio, ambos ficando a aguardar a demissão compulsiva.

Éramos peste.

Os crimes dele, a avaliar por tudo o que veio a sofrer, seriam ainda piores que os meus. Pois que eu, em processo sem direito a defesa, apenas vim a ser acusado de delitos de opinião cometidos na Resistência, principalmente o editorial publicado contra o Spínola e o artigo que depois aí escrevi também contra o homem, em Junho, a propósito do seu discurso de anúncio da descolonização que havia de revelar-se exemplar.

No fundo, eles tinham razão.

Éramos não só peste mas pior ainda, indomáveis.

O Múrias, porque nos mantínhamos sempre em contacto, sei que não parou; e eu, com alguns amigos do Vector - o Agnelo Galamba de Oliveira, o Adelino Felgueiras Barreto, o Pedro Garcia Rocha, o João Manuel Cortez Pinto e mais três novatos - no dia oito de Maio já estávamos clandestinamente, num pinhal perto de Conímbriga, a encontrarmo-nos com o velho António Sousa Machado, o Fernando Meira Ramos, o Joaquim Mendes de Vasconcelos e o Nuno Bigotte Chorão, idos do Porto, para decidirmos a criação do M.P.P. - Movimento Popular Português. Apoiando-nos secretamente e na sombra, veio logo o Henrique Martins de Carvalho, que tinha estado um mês antes do 25/04 em Lausanne com a numerosa delegação do Vector ao Congresso do Office lntemational desse ano, donde viera espantado com a força das nossas ligações nacionais e internacionais. Mais tarde lamentaria eu não ter ligado às apreciações que o Manuel Maria me veio a fazer da personagem.

O M.P.P. foi um dos primeiros «partidos» daquela vaga de «partidos» surgidos como cogumelos logo a seguir ao 25/04 - para desaparecerem aliás, em geral, com o 28 de Setembro (1974) ou com o 11 de Março (1975). Mas foi sobretudo o primeiro de todos, e muito antes de todos, a atacar frontal e expressamente o P.C.P., alto e bom som, por sinal num então famoso folheto de 16 páginas intitulado «PCP Partido Fascista», distribuído aos milhares, e em muitas dezenas de grandes cartazes afixados por Lisboa inteira, tudo a partir da sede da Resistência e do Vector, na Rua Nova de São Mamede.

Uma coisa era certa: nós no M.P.P., já em Maio/Junho de 1974 não tínhamos dúvida alguma sobre quem então era o principal inimigo de Portugal e dos Portugueses.

Mas, apesar de tanto, naqueles primeiros meses de Revolução do 25 de Abril ao 28 de Setembro, talvez o mais bonito de tudo tenha sido mesmo o Bandarra.


Como nasceu o Bandarra

Em Abril/Setembro de 1974, eu e mais dois amigos, o Agnelo Galamba de Oliveira e o José Francisco Rodrigues, éramos já os únicos accionistas e administradores que nos aguentávamos de pé e activos na Editorial Restauração, dona do semanário Debate e editora de várias obras muito significativas, de carácter histórico e doutrinário, os três vendo debandar outros e com muitas e mais antigas responsabilidades.

Como o Debate não tivesse resistido a essa debandada*, o Manuel Maria procurou-me um dia a perguntar-me se eu e a Restauração não quereríamos editar um novo semanário. Já tinha nome, Bandarra. Obtido por mim o acordo dos meus colegas de administração, respondi-lhe rapidamente que sim, desde logo pondo à disposição do novo semanário as instalações para o funcionamento da sua direcção e redacção e o pessoal que tínhamos, os inesquecíveis e mesmo heróicos e sacrificados irmãos Lopes. Com tudo isso, passados poucos dias, já o Manuel obtinha a garantia de apoio financeiro de importantes senhores da nossa praça.

Assinadas e avalizadas pelos três administradores em exercício as livranças que ficavam a garantir o empréstimo bancário facultado pelos aludidos senhores, o Bandarra pôde arrancar. Em glória, como todos sabem, tal foi a onda de surpreendido entusiasmo e jubilosa esperança que imediatamente começou a chegar-nos. Talvez não seja excessivo dizer-se que o Bandarra terá sido uma das causas da feroz reacção comunista triunfante com o 28 de Setembro. De facto, os comunas e apaniguados podiam lá tolerar aquela tão clara manifestação anti e contra-revolucionária, dum vigor como depois do 25 ainda se não vira? O 28 de Setembro é o claro desmascarar do PREC até aí mais ou menos tacteante e às apalpadelas e o Bandarra e o seu principal mentor jornalístico, o M.M.M. - grandemente apoiado pelo Miguel Freitas da Costa -, não podiam deixar de ser das primeiras e das principais vítimas do PREC. O Múrias foi para o RALIS e logo para o Forte de Caxias, ainda em 28, depois para a Penitenciária, aí permanecendo até perto do Natal de 1995, um dos últimos criminosos reaccionários da vaga do 28/09 a serem libertados; e o Bandarra, assaltadas e vandalizadas as instalações da Travessa de São Pedro (em Lisboa), impedidos pessoal e dirigentes de lá entrarmos durante meses, queimado à porta, na rua, pela populaça, os exemplares do número dois, não pôde continuar a publicar-se.

Digamos que o fracasso do Bandarra foi no mínimo, mesmo assim, uma derrota honrosa.

Algum tempo depois fui chamado a Caxias para prestar declarações. Queriam saber porquê e como tinha nascido o Bandarra. Quando me interrogaram sobre o Múrias e lhes respondi que o considerava o maior jornalista português vivo, os dois tenentes que me ouviam - tenho ideia que não passavam de tenentes, se não mesmo de alferes – olharam-me como ET's e não quiseram mais nada; puseram-se a redigir o auto de declarações, que assinei, e mandaram-me logo embora. Não voltaram a incomodar-me, nem a nenhum dos restantes administradores. Mas outros o tinham já feito ou viriam a fazê-lo, por causa da Resistência e do Vector...

Ainda uma nota curiosa sobre o rescaldo do Bandarra: surpreendentemente, nunca ninguém viria a exigir, nem aos avalistas, o pagamento das letras do empréstimo bancário à Restauração, todo gasto nos três números publicados. Coisas do 28/09 e do 11 de Março, e suas nacionalizações, que deixaram os prequianos empanturrados, incapazes de digerir e organizar as suas conquistas, ou sequer de travar o caos por eles e elas desencadeado...
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* o último número do "Debate" saiu ainda esse sábado, a seguir a 25/04/74, porque já estava na tipografia.

(continua num próximo post)

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2003/10/23

MANUEL MARIA MÚRIAS 

Fez no dia dez deste mês três anos que morreu o grande jornalista e grande Português que foi o Manuel Maria.

Continua a fazer-nos a mesma falta que sentimos no dia da sua morte, mal recebemos a notícia chegada de chofre.

Vamos lembrá-lo aqui com a publicação do texto que se segue — “As Minhas Memórias do Manuel Maria Múrias” — como homenagem que o blog lhe deve, sem nenhum favor mas com enorme saudade; e também para que um pouco o conheçam os mais novos e o recordem por instantes os mais velhos. Alguns de nós seguramente lhe devemos — ao convívio da sua “verve” espantosa — dos mais belos momentos de amizade e alegria criadora das nossas vidas.

Um abraço, Manel.

A.C.R.

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Atenção! 

O nosso blogue não é nem nunca quis ser bandeira dum pensamento único.
Verão, cada vez melhor, os que continuem a acompanhar-nos com a sua atenção, que é grande a diversidade de expressões do nacionalismo português.
Isso nunca significará que, ao dar-lhes projecção, pretendamos deitar achas para uma “fogueira” de velhos confrontos ou acirrá-los.
Conhecemos bem esses confrontos, mas estamos convictos de que não é calando-os que iremos a lado algum.
Pelo contrário.
Pensamos ser na confrontação leal de posições que os potenciais militantes apurarão quais aquelas que representam caminhos de actualidade e de futuro.
Sem medo nem recriminações!

A. N.

2003/10/22

Qual é o nosso Portugal? Que Portugal é o nosso? 

É aquele Portugal, antes de mais, onde as elites não sejam sistematicamente objecto de desconfiança e destruídas, em vez de promovidas e acarinhadas.

Vejamos o que se tem feito à elite dos engenheiros civis, por exemplo, ao mesmo tempo que se destruíam algumas das instituições que melhor os enquadravam e mais os prestigiavam tecnicamente, no País e no Estrangeiro, como a Junta Autónoma de Estradas e o LNEC – Laboratório Nacional de Engenharia Civil (V. post de 2003/09/15).

Vejamos, também, como se tentou humilhar, primeiro, e destruir, finalmente, uma classe de chefias militares formada pela e para a guerra anti-subversiva do Ultramar, classe que conquistou enorme prestígio internacional, como tantos de nós acreditávamos mas como também o provam juízos e apreciações de estrangeiros insuspeitos. Apesar de uma ou outra tentativa, até de "camaradas" dessas chefias, para as denegrir e incriminar perante a História, uma vez que não podiam assacar-lhes crimes de guerra perante os próprios tribunais, como seria grato a uns tantos.

Mas alguns ministros da Defesa, lúcidos e bem motivados e determinados, têm sabido resistir para salvar o que ainda foi e é possível salvar, na mira de se reconstruir umas novas FA que serão cada vez mais exigidas por tarefas que o futuro há-de impor.

Lembremos, porém, ainda como em pouco tempo se desacreditou e dispersou ou desmobilizou a classe dos engenheiros silvicultores responsáveis por mais de cinquenta anos de reflorestação intensiva e consagrada, culminando em desorganizações sucessivas e desmantelamento dos serviços florestais, quando era mais necessário que nunca que, da experiência acumulada e estruturada, se tirasse proveito, para enfrentar as catástrofes anuais dos incêndios e da destruição dos solos.

Tem sido, nestes mais de vinte anos, uma outra revolução silenciosa e continuada, de cujas motivações, propósitos desencorajantes e efeitos malignos o País parece não ter querido ainda aperceber-se cabalmente.

Nenhum País pode sobreviver a uma destruição tão persistentemente organizada das suas melhores elites.

Isto, sim, reagir contra este descalabro, é tarefa digna de nacionalistas de hoje. E não a perseguição de fantasmas históricos ou revivalismos sem sentido, que nos cegam para o essencial e actual, enquanto a Nação é abalada até às raízes, anulada a sua vontade de reconstruir-se e recuperar energias, sentido do futuro, capacidade de planear, programar, organizar e viver habitualmente.

Porque devemo-nos a nós próprios a mais firme lucidez na análise e na preparação do futuro.

Não vêem os nacionalistas também, outro exemplo, o exemplo daquilo que nestes anos todos tem sido feito da nossa classe docente?

São milhares de professores compreensível e inevitavelmente desorientados pela multiplicação de sucessivas reformas e experiências contraditórias ou superficiais, fruto de doutrinas pedagógicas desenraizadas de tudo. São milhares de professores completamente desresponsabilizadas e desautorizados pela indisciplina consentida e fomentada nas classes lectivas (ou lúdico-lectivas, nas melhores hipóteses...) e pelo desmantelamento e anulação das organizações escolares estruturantes.

São, por isso e em resultado de tudo o mais, milhares de professores diminuídos ou mesmo destruídos pelo stresse duma profissão que, para cada vez muitos mais, deixou de ser gratificante e se tornou um pesadelo.

Aqui, como no funcionalismo público em geral, a tendência foi para destruir-se o que restava dum espírito de serviço que o caracterizava e chegou a ser norma, pelo menos em vastos sectores da função pública.

Não se vê o que está a acontecer com as magistraturas judiciais também?

Elas são o objecto mais recente de tentativa de destruição duma elite nacional. De tão precipitada e apressada, tornou-se escandalosamente evidente o programa da destruição dessas magistraturas pela via da sua suspeição e politização rápidas e sem rebuço.

Parece, porém, valer-nos e valer-lhes, neste caso, que elas não estavam de modo nenhum desarmadas mas ainda unidas e coesas bastante, para oferecerem uma resistência sólida — apesar de algumas evidentes fissuras — ao que alguns pensavam ser já o golpe de misericórdia para abater a Justiça e pô-la ao serviço dos políticos.

Aqui, os agentes da destruição parecem impotentes para atingir os objectivos que se propuseram e começam mesmo a dar fortes sinais de grave desorientação.

Ao contrário do que, sonsamente, queriam fazer crer, a Justiça afigura-se não estar em crise mas sólida e de boa saúde. A crise é só deles, de certos estratos políticos.

Assim seja!

ACR

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2003/10/21

Recensões... (II) 

Também lemos o post de memórias do “Manuel Azinhal”, no seu blog “O Sexo dos Anjos”, com informações importantes sobre a reacção nacionalista na Faculdade de Direito de Lisboa, creio que pelo fim dos anos setenta. Tenho pena de não ter aprofundado mais ou ido mais longe, caro “Manuel”. Seria importante para a História do nacionalismo português e para a História duma geração, de que “Manuel Azinhal” cita muitos nomes e que talvez se possa considerar já ser uma grande geração nacionalista, mesmo abatendo as defecções posteriores. Conte-nos, “Manuel”, as suas memórias de todos. Alguns ficarão “à rasca” com esta sugestão, mas a maioria iria gostar de se ver reflectida no espelho das suas memórias deles.

Também eu prometo dar alguns contributos seguros para a História da criação da Universidade Livre, essa enorme reacção (nacionalista também, no fundo) contra a desordem “premunais”, com recordações que me foram ocorrendo quando lia os posts de há semanas, em alguns blogues, sobre o passado, o presente e o futuro do ensino superior privado em Portugal.

Há nesses posts alguns erros e bastantes imprecisões a respeito da criação da Universidade Livre que convém corrigir, para termos ideias claras do posicionamento nacionalista em Portugal, bastante mais significativo do que se julga quase sempre.

A.C.R.

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Recensões... (I) 

No "Forum Nacional" a respeito do II Congresso Nacionalista Português, alguém recomenda a “leitura atenta dos textos do Prof. António José de Brito, que representam a melhor reflexão filosófica sobre o nacionalismo”. Aí se aponta, naturalmente, que a publicação está feita no nosso blog (ver post de 2003/10/13 e seguintes).

Agradecemos a atenção da referência e da recomendação.

É na verdade um excelente texto que serviu de comunicação do Autor ao I Congresso Nacionalista Português, realizado em 13 e 14/10/2001.

Uma síntese invejável do melhor dos nossos escritores nacionalistas consagrados, feita por um verdadeiro pensador e homem de alta cultura académica e um grande escritor, como todos sabem. O blog da AN sente-se muitíssimo honrado e valorizado pela publicação da comunicação do Prof. António José de Brito, até por sabermos que não podemos aspirar cabalmente à renovação do nosso pensamento nacionalista, se não conhecermos rigorosamente o que ele foi neste 200 anos e as vicissitudes por que passou.

A.C.R.

2003/10/20

Falemos de guerra civil, golpe de Estado, ditadura e sufrágio universal. Há um só Portugal? Ou há pelo menos dois? 

E essa dualidade, a existir, será inevitável e insuperável, intrínseca mesmo às entidades políticas que chamamos nações?

São perguntas que não pode deixar de fazer-se quem olhe com atenção e reflicta sobre o devir político, na História e na actualidade, debaixo mesmo dos nossos olhos.

Responderei que sim, que essa dualidade existe, que há de facto — na História e na actualidade — dois países Portugal, vivendo juntos e irredutivelmente separados, como há duas Franças, duas Espanhas, duas Inglaterras, duas Alemanhas, duas Itálias, dois EUA, e por aí fora, neste nosso Ocidente.

Mais estranho ainda: cada um desses países Portugal parece ter as suas próprias crises que não atingem o outro, senão indirectamente, quando muito.

Às vezes até poderíamos dizer que as alegrias de um são as tristezas do outro, mas não tem que ser assim.

A dualidade em questão foi e é uma consequência inexorável da ruptura social e política, tanto como ideológica, que se iniciou na Europa e suas dependências, há 300/400 anos pelo menos, e desabrochou completamente na Revolução Francesa e revoluções suas derivadas.

Uma das originalidades e grandezas do nacionalismo é que, como tal, conviveu muitas vezes bem com regimes políticos diversos, se não opostos, antes e depois dessa grande ruptura, porque as nações são-lhe muitíssimo anteriores.

Penso, por isso, que é à luz do nacionalismo — doutrinário e histórico — que a questão da dualidade nacional, chamemos-lhes assim, pode ser encarada mais frontalmente e estudada com mais proveito.

Talvez a primeira constatação dum neonacionalista deva ser precisamente esta: que os países, em mais de duzentos anos, se foram resignando ou aprendendo a viver com as suas dualidades.

Houve, e continuará a haver, em todo o viver político desses duzentos anos e do nosso tempo, esse misto de aprendizagem e resignação que tornou o nacionalismo — valorização da entidade histórica incontornável das nações — o factor indispensável à superação da ruptura, primeiro, e da dualidade, depois: a aprendizagem, processada à luz da inteligência, e a resignação, promovida a motor da criatividade do espírito, alma das coisas.

Isso não bastará sempre para que a todo o momento consigamos evitar abeirarmo-nos de dois riscos – abismos: o risco de a possível instabilidade política e governativa se tornar caos social e o risco de a sociedade ceder à tentação do governo da força pela força e da ordem pela ordem.

Isto é, a anarquia e a ingovernabilidade, ou a ditadura e a supressão de toda a dualidade, substituída pelo oportunismo do entendimento profundo, camuflado ou não, entre forças que deixaram de ser alternativas para viverem exclusivamente da obsessão pela partilha do Poder, sejam quais forem as transigências necessárias.

Isto quer dizer que, numa sociedade contemporânea, só há uma saída: defender a pureza do dualismo político nacional, através da luta pela pureza do sufrágio universal.

Não vivemos, porém, num país teórico, imaginário ou desaparecido; somos dum país real, duma nação real e viva.

Se este sistema do sufrágio universal falhar, oferece-nos a História duas saídas, creio que únicas: a guerra civil ou o golpe de Estado, para não falar da decadência, apagamento e morte das nações em causa.

Os novos nacionalistas não estamos interessados nem defendemos jamais, seja uma, seja a outra saída.

Para a guerra civil não temos soluções, mas a UE promete ter a sua.

Para o golpe de Estado, porque o sistema do sufrágio universal tenha colapsado por dentro, como tem acontecido muitas vezes em muitos lugares e regimes, exigiríamos que os seus autores garantissem a imediata reconstrução do sistema falhado e, em última instância, se submetessem eles mesmos, em muito poucos meses, à legitimação pelo sufrágio universal perfeitamente livre e isento, com as demais forças políticas do País que o quisessem.

O problema é meramente teórico, mas um dos dois países Portugal está agora a atingir um tal estado de degradação e dissolução moral, cívica e social que se tem de estar prevenido para todas as hipóteses.

É, porém, naquele Portugal, em que, com sintomas fortes de sucesso, se está a lutar bravamente contra essa degradação e dissolução social que temos de confiar e pôr as maiores esperanças.

Este Portugal tem de evitar e travar em absoluto o contágio e proliferação dos vírus da decadência em que estamos a afundar-nos, como todos vêem, mesmo os que o não confessam.

Este Portugal tem de continuar a impor-se ao outro pelo sufrágio, e cada vez mais, com imaginação, inteligência e determinação e pelo vigor das suas iniciativas, nos vários actos próximos de sufrágio universal de que se fala agora tanto, como se fossem amanhã já.

Pela verdadeira “Arte de Governar” as eleições ganham-se todos os dias.

Nem governo nem sociedade civil seremos perdoados ou sequer desculpados, se falharmos.

A.C.R.

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