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2008/04/28

A questão religiosa 

Manuel Brás

Quando apresentou o conteúdo da nova lei que facilita o divórcio, o governo apressou-se a garantir que não pretendia criar, ou recriar, uma questão religiosa. Curioso, porque o governo usou como pretexto para essa alteração números de casamentos católicos dos últimos 40 anos, que interpretou como uma perda de influência da Igreja na sociedade portuguesa. Ora, se a Igreja perdeu influência, quem é que a ganhou? O governo? Quando alguém perde influência, há outro alguém que a ganha, pois a influência – o poder – não se recolhe ao vazio. Quando o governo justifica a legislação que torna ainda mais precária e descartável a instituição casamento, baseado na proclamada perda de influência da Igreja, o que é que pretende? Substituir a Igreja? Se isto não é uma questão religiosa, então o que é?

O que é que o governo entende por casamento? Não o definiu. Estará a falar do mesmo que a generalidade dos portugueses? É bem provável que não.

A deputada do Bloco de Esquerda bem tinha razão: o governo podia e devia ter ido mais longe; que cada um se case com aquilo que quiser. Ao fim e ao cabo o assunto há-de voltar à baila na próxima legislatura socialista, com outros contornos...

Mas, como o governo não explica o que entende por casamento, sobre o qual julgou legislar, pensando que tinha inventado alguma coisa, o que fez foi redefinir e desvirtuar o que já existe há muitos, muitos séculos. Ficamos sem saber se acha o casamento entre um homem e uma mulher uma coisa hedionda e o divórcio um deslumbramento.

O casamento pode durar apenas umas horas, mas o emprego, esse, tem que durar para sempre. Para o governo, o verdadeiro casamento é com o emprego.

Se o que pretendia era resolver questões relacionadas com a custódia de filhos entre pais divorciados, então que a lei incida sobre esses casos, de tal maneira que os possa ajudar efectivamente.

Em vez de teorizar sobre o número de casamentos religiosos – há casamentos religiosos, católicos e não só, entre imigrantes, entre portugueses que vão casar ao estrangeiro, que escapam à estatística oficial do Estado – e de os usar como pretexto para as suas (más) decisões, porque é que o governo não questiona e avalia os efeitos do divórcio na sociedade portuguesa nas últimas décadas? É o divórcio um bem ou um mal, a prazo, para a sociedade? Não se trata de condenar aqueles que, no fundo, são vítimas de uma cultura de crescente recurso ao divórcio, mas sim de reconhecer que todos os casamentos que se puderem salvar e todos os divórcios que se puderem evitar redundam num bem para as famílias e para a sociedade, e actuar em consequência. A lei aprovada mina a confiança entre as pessoas, desvirtua a palavra dada e a capacidade das pessoas se comprometerem, permitindo o divórcio de ânimo leve. Aliás, até é contraditória com o conceito de casamento. Se é assim, para quê casar?

A tentativa, por um lado, de precarizar e tornar descartáveis os casamentos de iure e, por outro lado, equiparar de iure, como casamento, uniões precárias, poderá acabar por transformar o casamento – o que quer que se entenda por isso – em algo não só indefinível como absurdo.

Mas, talvez haja, para tudo isto, uma razão obscura de carácter marcadamente ideológico: é que o divórcio é um pilar fundamental do credo republicano, quase uma razão de ser dessa ideologia. Na verdade, a ideologia republicana anda amarrada ao divórcio desde sempre, ao ponto deste constituir uma das suas principais receitas a aviar logo que chegam ao poder. Foi uma das primeiras coisas que fizeram após a implantação da república, ainda em 1910, em 1975 e agora em 2008, para abrilhantar os 100 anos da mesma.

manuelbras@portugalmail.pt

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