2008/02/07
Ementa Ateísta
É um facto que ressurgiu nos últimos anos literatura apologética do ateísmo. Os argumentos, basicamente, são os mesmos de sempre: de ordem epistemológica - ligado a considerações sobre a forma como o ser humano conhece -, cosmológica - associado à discussão sobre as origens e razões de ser do Universo -, e científica - relacionado com a inteligência ou o acaso subjacente à “evolução” dos seres vivos.
Porquê, agora, este surto?
Talvez pela constatação de que o fenómeno religioso não se eclipsou diante do mito do progresso.
Ateus novos, objecções velhas, para as quais já o Aquinate se ocupara de encontrar resposta, há mais de sete séculos.
Mas, que objecções?
1. Historial delictivo da religião
A tese de que as religiões - monoteístas, obviamente - impelem os crentes a agir com violência e crueldade, isto é, que as religiões fomentam o ódio e a violência. Faz parte do rol de exemplos que alimenta esta tese as “fogueiras da Inquisição”, as cruzadas, a caça às bruxas, a perseguição aos “judeus deicidas”, a “Conspiração da Pólvora”, a partição da Índia, as guerras israelo-palestinianas, as matanças servias/croatas/muçulmanas, o 11 de Setembro, o 7 de Julho, o jihadismo, etc.
Até um ateu sensato, como Comte-Sponville, que não cai neste simplismo, entende que se os crimes dos crentes valem como argumento contra a fé, também as boas obras e a santidade dos outros crentes tem que valer como argumento a favor. Mais, também o ateísmo tem que enfrentar aporias semelhantes. Bastam-nos exemplos como o de Estaline, Pol-Pot ou Mao-Tse-Tung para confirmar que o ateísmo pode ser perigoso.
O mesmo Comte-Sponville sublinha, com razão, que o comportamento dos crentes, tal como o dos não crentes, não é uniforme, e não é mais do que um indício imperfeito sobre a existência de Deus.
2. A relação entre Deus e o Universo
O ateísmo pretende à força que Deus explique o Universo e que faça parte dessa realidade que se tenta explicar. Para o ateu o Universo é tudo o que existe e não há nada fora dele.
Assim, não haveria nada que se pudesse assinalar como causa da existência do Universo.
Deus, de facto, não explica o Universo, uma vez que não faz parte dele, não é criatura, não é contingente, nem limitado.
A questão é exactamente ao contrário: é o Universo que explica a existência de Deus, que é transcendente.
3. Razões para a Criação
Sendo Deus transcendente ao Universo, para quê e porquê a Criação?
Não tem sentido pedir explicações para a acção de Deus, que é absolutamente livre.
Não é a Criação que explica a acção de Deus. Mais uma vez, é ao contrário: é a acção de Deus que explica a Criação.
4. Revelação
A constante presença da religião na história da humanidade parece uma razão a favor da existência de Deus. O mais difícil é discernir a sua origem. Enquanto uns colocam a origem da religião no fomento interessado da consciência de culpa para dominar os homens, apoiando-se no medo da morte, outros consideram que essa não é a sua maior força, pois a perspectiva da condenação eterna é mais inquietante que a do nada. Para este últimos a religião não oferece apenas consolo e sentido perante a morte, mas, sobretudo, a esperança, na medida em que confirma o nosso desejo de imortalidade.
Porém, todos descartam que a fé provenha de uma revelação divina, mediante os livros sagrados e a inspiração.
Comte-Sponville coloca uma questão radical: se Deus se quer revelar, porque não o faz de modo evidente? Pergunta séria de quem procura honestamente resposta. Queixa-se o autor de que uma das razões para não acreditar em Deus é não ter experiência Dele. De facto, é verdade. Deus não é sensível. É inteligível. E para nós de forma limitada e imperfeita. Mas, no entanto, inteligível. E ao inteligível só se chega mediante o exercício apropriado da inteligência. É este o caminho.
5. O problema do mal
Já todos nos confrontámos com a questão da infinita bondade de Deus e da presença do mal no mundo por Ele criado. Daí a simplificação de raciocínio: se há mal, Deus não existe.
O mal não tem entidade própria, é por defeito, é ausência de bem. Se o bem fosse suprimido, não haveria mal e esta ordem não existiria se não existisse Deus. Portanto, o problema do mal não decide a questão sobre a existência de Deus, que é prévia. O mal surge no meio do bem. Por isso, a questão do mal não está na mesma ordem da existência de Deus, mas sim na ordem da forma como o homem usa a liberdade.
O conhecimento que Deus tem do mal não o torna cúmplice porque não impõe necessidade às acções humanas, que são livres.
Se há mal, Deus existe: é a resposta adequada. A existência do mal reclama justiça, que muitas vezes o homem, na sua limitação e imperfeição, não pode fazer e não faz. A existência do mal reclama justiça. E Juiz.
Suponhamos que o mal não existia e que o mundo era perfeito. Que melhor argumento para a não existência de Deus? Para quê Deus, diriam os ateus, se o mal não existe e o mundo é perfeito?
Manuel Brás
manuelbras@portugalmail.pt
Referências
Charles Morerod; «Quelques athées contemporains (Comte-Sponville, Dawkins, Le Poidevin, Onfray) à la lumière de S. Thomas d’Aquin» ; Nova et Vetera 82-2 (abril-junho 2007).
Alistair McGrath ; «Dawkins Delusion»
Etiquetas: Manuel Brás