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2008/01/16

Memórias das minhas Aldeias
Esquecimentos da História
EPÍLOGO
UM MISTERIOSO SENHOR… E MUITAS INCÓGNITAS 

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Ambos receberam com interesse a sugestão dos seus subordinados – lembram-se? – para que se encontrassem e discutissem, quer Rufino, quer o presidente do Banco, tanto que se apressaram a combinar pelo telefone o dia e hora desse encontro.

A primeira coisa que, nessa altura, cada um deles confessou ao outro foi que já muito se consideravam e admiravam antes, por seguirem com grande interesse as trajectórias empresariais um do outro, ia para alguns anos, dois ou três um deles, três ou quatro o outro.

No que lhe respeitava, uma declaração como esta provocou logo no presidente do Banco a sua irreprimível inclinação para falar de si e da extraordinária conquista da mais alta percentagem do mercado bancário português pelo seu Banco, por sua iniciativa e sob a sua chefia, em muito menos de dez anos, talvez não mais de seis.

Rufino não hesitou para espetar fundo e pronto o seu “estoque”, perante tão pronta exibição de vaidade do genial banqueiro.

“Admirável! – disse Rufino – Mas agora o Senhor Presidente, o V/Banco, para crescer – perdoe-me a opinião de leigo… - para crescer como até agora, creio que só num extenso mercado estrangeiro, como o dalguns grandes países africanos, por exemplo…”

“África é um continente de gente muito pobre! – observou o presidente do Banco – Tudo lá cresce muito devagar, exigindo elevados investimentos, e sempre com altos riscos à vista de sofrer-se nacionalizações arbitrárias, feitas de cima para baixo, por iniciativas revolucionárias dos governos mais absurdamente reaccionários e cheios de gula pelo dinheiro dos outros…”

“É verdade, senhor Presidente… Até certo ponto. Porque aquilo que a nossa Universidade está a impulsionar em África pode vir a transformar-se em poucos anos num mercado único ao Sul de todo o Saará! A UL, como factor de congregação de todo aquele espaço, poderá talvez dar inestimável contributo para a sua ocupação por grandes e poderosas forças económicas… como o V/Banco… se recebermos os necessários incentivos e apoios para o fazermos…”

“É tentador… - retorquiu o presidente do Banco – Em todo o caso, há a política… uma Federação de que muito se fala… capaz de armar ratoeiras aos incautos em política… como somos em geral os empresários e empreendedores, e tudo perdermos num ápex!”

“Mas não será exactamente aí que nós, metidos como estamos na génese e desenvolvimento do projecto federador dos pólos da UL, melhor poderemos aconselhar e informar a tempo os vossos decisores e peritos?... Digamos mesmo que alertá-los e talvez ensiná-los a evitarem os alçapões políticos?...”

Rufino não quis dizer mais antes de ter a certeza de que o outro estava a seguir-lhe o pensamento.

Mas o outro estava de facto a esforçar-se por compreender melhor…

“Talvez… - retorquiu o Presidente do Banco calmamente – Mas explique-me em pormenor, para compreender o esquema com toda a precisão. Não quero falhas nem pontos obscuros. Quero compreender tudo muito bem, saber todo o alcance dos vossos planos, avaliar sem ilusões com que forças a nossa aliança poderá contar…”

Rufino respirou aliviado! Era a primeira vez que se falava de aliança, de aliança entre o Banco e a UL, subentenda-se, e fora justamente o grande banqueiro a fazê-lo, evidentemente que sem papas na língua nem dúvidas sobre a futura realidade da aliança, como coisa certa e segura que não oferecesse dúvidas algumas.

Teve então Rufino a certeza de que tudo acabaria a dar certo.

Com súbita decisão apontou o caminho ao Presidente do Banco…

“Posso roubar-lhe mais uma hora?”

“Porque não?” – dispôs-se o Presidente.

“Então venha comigo… quero mostrar-lhe, na nossa sede, algumas coisas que o convencerão em definitivo !”

…..

O Presidente do Banco foi completamente informado, e com documentos irrecusáveis, sobre os projectos de expansão da UL em África, informações que aliás confirmavam o que já sabia e pouco ou nada lhe acrescentavam.

Não fora, porém, tempo perdido para si, porque tudo aquilo que ficava a saber, como aquilo que julgava adivinhar, era um manancial completo para o seu Banco. Justificava sem dúvida que a aliança, de que fora o primeiro a falar, um pouco de “falar por falar”, devesse ser considerada inteiramente a sério e garantida.

Estranhamente ele, tão desconfiado sempre e muitas vezes à defesa, em situações do mesmo tipo, ficara certo e seguro, convencido pelos “segredos” que descobrira ou lhe haviam sido confiados essa tarde, que valia a pena acreditar naquela gente.

Mais exactamente e melhor ainda: que, em tudo que apurara a seu respeito e dos planos deles, só encontrara comportamentos correctos e inteligentes. Gentes de escol, no mais completo sentido.

O Presidente aceitara até, sem discutir, que os assuntos de África entre a UL e o seu Banco seriam tratados directamente entre a sucursal de Pretória do Banco e o pólo local da UL, na pessoa do Dr. Celestino Maria. O Presidente não o conhecia pessoalmente mas concordava em ouvi-lo em directo, sempre que a sucursal e Celestino não conseguissem chegar pronta e cabalmente a acordo, fosse como fosse e no que fosse.

Mas nada de questões sobre os princípios e alcance da projectada aliança. Essas ficavam para ser tratadas exclusivamente entre os dois líderes máximos, quando o entendessem. Embora, é certo, as linhas essenciais da aliança tivessem ficado já assentes na reunião na sede do Banco, logo continuada, essa mesma tarde, na sede central da UL, em Lisboa.

Uma grande simpatia logo nascera entre ambos, que poderia vir a evoluir para uma grande amizade, pressentia-se.

Era a simpatia fruto do fácil entendimento que existira entre eles desde as primeiras expansões, ou era o entendimento fácil fruto da simpatia mútua, perfeitamente manifesta desde que se haviam encontrado?

Poucos dias depois, Rufino recebeu outro telefonema do Presidente dizendo-lhe que pensara muito, mas muito mesmo, sobre tudo aquilo de que haviam falado no primeiro encontro; que fora providencial terem-se encontrado com a maior lealdade; que, julgava, a conversa de ambos lhe sugerira ideias novas, que trariam soluções para os piores problemas do Banco, que o preocupavam gravemente e preocupavam igualmente os outros grandes responsáveis do mesmo, quanto ao seu futuro próximo, mas até a médio e longo prazo.

Depois lhe contaria em pormenor…

É que, adiantou logo, quando ainda esse dia se encontraram, ele e o Banco careciam da forte ajuda e empenhamento da UL para, juntos, elaborarem novos estatutos da sociedade bancária, que a blindassem contra manobras ameaçadoras. Mas também para igualmente juntos encontrarem pessoas de muito gabarito que lhe resolvessem o grave imbróglio pessoal da sua própria sucessão à testa do Banco!

Porque, explicava o Presidente, queria ter todos os cordelinhos seguros nas suas próprias mãos e em mãos de gente da maior confiança…

Porque estava em causa o futuro imediato do Banco e o seu controlo firme, como uma das três maiores organizações bancárias da Península…

Porque havia agora lá dentro algumas poderosas forças accionistas, recém-aparecidas mas já a movimentarem-se para se substituírem aos controlos tradicionais dos fundadores e dos accionistas de muito longa data do Banco…

Porque, uma vez instalados, esses novos poderes, accionistas ou não… destruiriam tudo o que fosse aliança entre o Banco e a UL, que também detestavam, apurara, mas não conseguira saber as razões…

Porque tudo o que haviam combinado ambos, ou viessem a combinar, na verdade estava já em curso ou em perspectiva, para a UL, o Banco e a Federação realizarem conjugadamente em África, mas seria completamente escamoteado, sabotado, anulado, destruído pelos novos poderes seus inimigos, se não fossem travados já…

Porque, em suma, essa gente odiava África e os negros, como odiava quaisquer projectos de promoção da África e africanos ao lugar digno dela e deles no Mundo!

E tudo fariam para sabotar de raiz todos os planos nesse sentido!

“Sobretudo se forem projectos nossos, vossos ou da Federação!” – concluiu o Presidente, os olhos a fuzilarem-lhe de ódio por esses perturbadores e de paixão por África, de “novo rico”, com as barbas a arder...

Rufino fez a sua leitura…

Estava a ser-lhe oferecida a rendição completa e sem condições do Banco!

Apercebeu-se também de que só uma preocupação grande, talvez enorme, naquele instante, os dominava aos três…

Estariam eles todos, isto é, o Banco, a UL e a Federação, à altura das responsabilidades?

“Em todo o caso… - reflectiu – Quem mais provas tem de dar, e imediatamente, é o Banco…”

Estava decidido.

Iriam apregoar, tão depressa quanto se impunha, vencendo possíveis e impossíveis, o anúncio para o arranque do plano das Faculdades de Medicina e dos hospitais universitários que lhes seriam acoplados…

O Banco e o Presidente do Banco teriam de ser convencidos presto, prestissimo a jogar forte no financiamento do colossal plano de fomento hospitalar e universitário privado, nem que tivessem de associar-se com outros financiadores gigantes.

Era a credibilidade indispensável a todos os comparsas, que a partir de agora o Banco e o seu Presidente teriam de compartilhar também, fossem quais fossem os esforços impostos e os riscos e sacrifícios que tivessem de aceitar para o efeito.

O preço para a edificação dum colosso cultural e político, como nunca se viu em África!

A.C.R.

Seia, Várzea de Meruge
Casa de São Salvador
Dia de Reis
06 de Janeiro de 2008, 20h00.

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