2008/01/28
O laicismo é neutro?
Não é novidade para ninguém que o laicismo move uma perseguição organizada e discreta contra tudo aquilo que consideram ser sinais de convicções religiosas na vida pública, em geral monoteístas, e contra o Cristianismo em particular.
Basta vermos como os apregoados princípios respeitadores da liberdade religiosa são traídos pelas “autoridades laicas” em leis concretas, como a da frequência de educação moral e religiosa em escolas do ensino básico, ou a assistência espiritual aos doentes nos hospitais. Há sempre o cuidado de cozinhar a lei de maneira a que esse atendimento e essa formação, a que as pessoas acedem livremente, não se possa concretizar, por alguma razão mais ou menos obscura. Ninguém pode dizer que não há legislação sobre a matéria ou que o governo não se interessa pelo assunto. Porém, para fazer o que fazem, mais valia que os políticos nada legislassem e o governo nada se interessasse. Ao fim e ao cabo a legislação e o interesse existem, mas numa lógica subreptícia de combate. Chegamos ao paradoxo – só aparente – de que a melhor forma de negar os tão apregoados direitos é legislar sobre eles.
São apenas alguns exemplos, a que podíamos juntar outros como a utilização pessoal ou a exibição pública de sinais religiosos, de uma pretensão do laicismo de regulamentar – de encaixotar – e restringir todo o fenómeno religioso ao foro da consciência individual, com a imposição de que isso não tenha reflexos externos. Quando existe resistência por parte de sectores da população em aceitar emanações da ideologia laicista, sempre veiculadas através da legislação, já todos conhecemos o refrão: lá estão as convicções religiosas a obstruir o caminho da libertação laicista.
Se o laicismo ataca a Igreja, isso é liberdade de expressão. Se a Igreja se defende, é fanatismo.
Afinal de contas o laicismo gosta imenso de discutir, mas é só quando as coisas lhe sorriem de feição. Quando se põe em causa as suas bases filosóficas e se lhes destapam as incoerências só lhes resta apelidar os outros de fanáticos e intolerantes.
De onde procede esta aparente neutralidade? Da pretensão do Estado laico estar por cima de tudo e de tudo ser o árbitro, inclusivamente do fenómeno religioso e suas convicções, sempre mediante legislação, assente num conceito de tolerância por eles definido, e que presumem que todos aceitam sem crítica, bem como no relativismo.
Não é, por agora, o momento de criticar esse conceito de tolerância, nem o relativismo. De qualquer forma o facto do laicismo definir unilateralmente os termos – todos temos que ser tolerantes e relativistas, não é verdade? – e pretender que todos, crentes e não crentes, aceitem a sua arbitrariedade, tende a formatar um pensamento único.
“Vocês (os crentes) não podem impôr as vossas convicções aos outros”: é um lugar comum no discurso laicista. Pois é. Até parece que os laicistas têm a cabeça vazia e, portanto, não têm convicções…
É por isso que a presumida neutralidade do laicismo não passa de um engano. Ao impedir os outros – os crentes, sobretudo monoteístas – de afirmar exteriormente as suas convicções e ao recusá-las no ordenamento juridico-político, o laicismo não faz outra coisa senão veicular, por efeito calçadeira, as suas convicções, frequentemente antireligiosas.
Basta pensarmos que o laicismo se fez nas duas últimas centúrias à custa do combate à religião, afirmando-se pela negativa.
É por isso que parece não ser desacertado definir o laicismo como uma religião pela negativa, isto é, como uma religião antireligiosa.
É que não é só a política que tem horror ao vazio. As convicções também têm.
Manuel Brás
manuelbras@portugalmail.pt
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