2007/10/29
Memórias das minhas Aldeias
Esquecimentos da História
Parte VII – N.º 16 – O DOUTOR SALAZAR NÃO ESTÁ A GOSTAR
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Por um dos seus Anjos da Guarda, o Doutor Salazar mandou-nos dizer, através dum devoto do Anjo da Guarda que se festeja aqui perto, na Vila Chã, hoje mesmo, que não está a gostar da “pseudo-biografia” – diz ele – que Rufino nos vem contando.
Já não sei que fazer.
E tão convencidos estávamos todos nós aqui, nesta casa, de que lhe vínhamos a prestar importante serviço de rigorosa fidelidade às mais puras fontes de informação! Embora – confessamos – explorando-as até ao mais fundo das possibilidades que oferecem de interpretarmos uma personalidade tão rica, mas tão mal conhecida, principalmente pela preguiça dos seus habituais comentadores e hagiógrafos.
Seja como for, lamentamos dizê-lo, mas vamos continuar no caminho que com Rufino nos impusemos.
O Doutor Salazar não gosta de Rufino?
Acabará por gostar, temos a certeza.
Como acabará por gostar, duvidamos ainda menos, dos elementos da sua biografia que estamos a publicar.
Ou o seu aviso ter-se-á destinado a prevenir-nos para termos cuidado com o que hoje vou escrever, especialmente?
Cuidados máximos terei, pois.
Pelo que já se escreveu nesta “biografia” rigorosamente inédita, não pode assegurar-se tenha sido ao cónego Barreiros que Salazar revelou em primeira mão a sua decidida vocação política de futuro estadista de altíssimo gabarito.
Mas não será talvez excessivo supor que foi efectivamente com o excelente cónego Barreiros que Salazar descobriu o seu gosto pela Economia, teórica e doutrinária, objecto até de doutoramento pela Faculdade de Direito de Coimbra, que fez daí a poucos anos.
Uma daquelas noites, sem quê nem para quê, Salazar e o cónego acharam-se a falar da legitimidade e ilegitimidade do lucro.
Com o seu habitual à vontade e total ausência de segundas intenções, tal qual sempre acontecia, o cónego deu como exemplo de iniciativas lucrativas os pequenos “comércios” que iam proliferando por vilas e aldeias, fossem talhos, sapatarias, tabernas, mercearias, tascos, etc., etc.
Nesta altura, ao cónego Barreiros pareceu adivinhar em António Salazar uma espécie de pequeno mas indisfarçável constrangimento.
Seria da referência aos “tascos”? – surpreendeu-se o cónego.
Seria que Salazar não gostaria que estranhos se lembrassem da ocupação dos Pais, como pequenos “tasqueiros” no Vimieiro, à beira da estação?
Salazar fez logo questão de desfazer-se do seu aparente embaraço e, ao mesmo tempo, de ir ao encontro do embaraço do cónego, resultante do embaraço que ele próprio teria revelado por instantes.
“Sabe, senhor Cónego, já tenho a promessa da minha Mãe de que, antes de me licenciar em Direito, os meus Pais desfazem-se da loja. Nunca serei conhecido como o filho doutor dos tasqueiros da minha aldeia!”
Já não sei que fazer.
E tão convencidos estávamos todos nós aqui, nesta casa, de que lhe vínhamos a prestar importante serviço de rigorosa fidelidade às mais puras fontes de informação! Embora – confessamos – explorando-as até ao mais fundo das possibilidades que oferecem de interpretarmos uma personalidade tão rica, mas tão mal conhecida, principalmente pela preguiça dos seus habituais comentadores e hagiógrafos.
Seja como for, lamentamos dizê-lo, mas vamos continuar no caminho que com Rufino nos impusemos.
O Doutor Salazar não gosta de Rufino?
Acabará por gostar, temos a certeza.
Como acabará por gostar, duvidamos ainda menos, dos elementos da sua biografia que estamos a publicar.
Ou o seu aviso ter-se-á destinado a prevenir-nos para termos cuidado com o que hoje vou escrever, especialmente?
Cuidados máximos terei, pois.
Pelo que já se escreveu nesta “biografia” rigorosamente inédita, não pode assegurar-se tenha sido ao cónego Barreiros que Salazar revelou em primeira mão a sua decidida vocação política de futuro estadista de altíssimo gabarito.
Mas não será talvez excessivo supor que foi efectivamente com o excelente cónego Barreiros que Salazar descobriu o seu gosto pela Economia, teórica e doutrinária, objecto até de doutoramento pela Faculdade de Direito de Coimbra, que fez daí a poucos anos.
Uma daquelas noites, sem quê nem para quê, Salazar e o cónego acharam-se a falar da legitimidade e ilegitimidade do lucro.
Com o seu habitual à vontade e total ausência de segundas intenções, tal qual sempre acontecia, o cónego deu como exemplo de iniciativas lucrativas os pequenos “comércios” que iam proliferando por vilas e aldeias, fossem talhos, sapatarias, tabernas, mercearias, tascos, etc., etc.
Nesta altura, ao cónego Barreiros pareceu adivinhar em António Salazar uma espécie de pequeno mas indisfarçável constrangimento.
Seria da referência aos “tascos”? – surpreendeu-se o cónego.
Seria que Salazar não gostaria que estranhos se lembrassem da ocupação dos Pais, como pequenos “tasqueiros” no Vimieiro, à beira da estação?
Salazar fez logo questão de desfazer-se do seu aparente embaraço e, ao mesmo tempo, de ir ao encontro do embaraço do cónego, resultante do embaraço que ele próprio teria revelado por instantes.
“Sabe, senhor Cónego, já tenho a promessa da minha Mãe de que, antes de me licenciar em Direito, os meus Pais desfazem-se da loja. Nunca serei conhecido como o filho doutor dos tasqueiros da minha aldeia!”
...
“Garanto-lho porque ela mo garantiu!”
“Garanto-lho porque ela mo garantiu!”
...
“Sem pressão nenhuma da minha parte!” – assegurou ainda, como se visse algum resto de desconfiança ou relutância em acreditar, no rosto do cónego Barreiros.
...
“Mas é claro que tem de ser de pressa – apressou-se Salazar a acrescentar -. Porque não vou levar mais de dois ou três anos a licenciar-me, que quero recuperar o tempo perdido e ultrapassar os que entraram mais novos que eu, por terem pais mais ricos. Ou menos preocupados que os meus em amealhar economias para comprar terras de lavoura e casas de habitação ao lado das que já têm… Dizem, por isso, os vizinhos que somos descendentes de Judeus, como se fosse vergonha ou uma inferioridade… Pelo contrário, não acha?”
O cónego limitou-se a sorrir e a acenar que sim com a cabeça.
“António – disse o cónego, como que a despedi-lo – Já agora quero que saibas que o lucro não apenas é legítimo, mas que é honroso, altamente honroso, como prova de bons serviços prestados, de empenhamento no trabalho, de êxito no afã de ser melhor que os outros!...”
“Concordo! – respondeu Salazar, com certo entusiasmo – Digo-lhe mais. Vou estudar o assunto a fundo, para convencer os que não pensam assim ou não sabem o que pensar… Não acha que muito do nosso futuro depende mesmo disso?...”
O cónego voltou a sorrir e acenou que sim com a cabeça e despediu-o mesmo, que era quase alta madrugada, depois de dizer ainda: “Mas olha que é preciso distinguir o lucro ilegítimo, que o há também…”
“Mas é claro que tem de ser de pressa – apressou-se Salazar a acrescentar -. Porque não vou levar mais de dois ou três anos a licenciar-me, que quero recuperar o tempo perdido e ultrapassar os que entraram mais novos que eu, por terem pais mais ricos. Ou menos preocupados que os meus em amealhar economias para comprar terras de lavoura e casas de habitação ao lado das que já têm… Dizem, por isso, os vizinhos que somos descendentes de Judeus, como se fosse vergonha ou uma inferioridade… Pelo contrário, não acha?”
O cónego limitou-se a sorrir e a acenar que sim com a cabeça.
“António – disse o cónego, como que a despedi-lo – Já agora quero que saibas que o lucro não apenas é legítimo, mas que é honroso, altamente honroso, como prova de bons serviços prestados, de empenhamento no trabalho, de êxito no afã de ser melhor que os outros!...”
“Concordo! – respondeu Salazar, com certo entusiasmo – Digo-lhe mais. Vou estudar o assunto a fundo, para convencer os que não pensam assim ou não sabem o que pensar… Não acha que muito do nosso futuro depende mesmo disso?...”
O cónego voltou a sorrir e acenou que sim com a cabeça e despediu-o mesmo, que era quase alta madrugada, depois de dizer ainda: “Mas olha que é preciso distinguir o lucro ilegítimo, que o há também…”
A.C.R.
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