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2007/10/04

Memórias das minhas Aldeias
Esquecimentos da História
Parte VII - N.º 08 - COMO ENFRENTAR A REVOLUÇÃO 

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O “pároco novo” também via assim o futuro.

Riu muito com Rufino, quando ele lhe contou pormenorizadamente o seu encontro com o Bispo, no paço episcopal.

Até começou por rir com as apreciações de Rufino sobre todo o aspecto do paço, que de paço, isto é, palácio, nada tinha, chalaceou. Entrava-se, disse ele, “com medo de que o paço nos caia em cima”, de velho e mal conservado.

“Tenho a certeza, exagerou ele, que nos últimos dez anos aquilo não levou a mais pequenina demão de tinta! E pregos, também, uma vez que caem, como o mais pequeno parafuso numa porta ou dobradiça, e é deixá-los cair, assim fosse doença sem remédio. Olhe, Padre, o senhor está a gozar comigo, que deve saber isto melhor que eu, como frequentador habitual do paço, creio. E por fora?... Credo! Há quanto tempo as tristes paredes não vêem demão de cal! O governo devia olhar por isto! Se a Igreja não tem cobres no tesouro, o governo, porque se diz católico praticante, também devia praticar nestes insignificantes remendos, ao menos a título de que os paços são em geral – ou não, Padre? – são em geral amostras notáveis do património nacional histórico!

“Ora tu, meu Rufino!” – obtemperou-lhe o “pároco novo”.

“Pois não sabes que os paços são propriedade privada da Igreja e que o Estado não tem que fazer, nem pode fazer, obras de conservação ou restauração em propriedades privadas!"

“Não, não sei, nem me interessa saber. Só sei que é uma vergonha e que nenhum governo com prosápias e vergonha, como este se diz ter, e cheio de dinheiro das economias do forreta do Doutor Salazar, já tem mais que tempo de haver olhado por mazelas destas!

“E os trastes! – acrescentou logo com o mesmo ímpeto, como se lhe lembrasse de súbito o estado desgraçado das mobílias. – Ouça isto. Mandaram-me sentar numa cadeira que estava por sua vez assente noutra cadeira, porque aquela não se segurava nas pernas! Nunca vi maior miséria! Ou será desmazelo! – insinuou Rufino espetando o dedo na testa.

“Olhe! Não sei como é que o um Bispo daquela categoria e visão aguenta isto, sem dar remédio pronto ao descalabro que vê todos os dias à volta dele! Será indiferente ao espectáculo de tanta miséria e desleixo. Diga-me, padre, é mesmo verdade que a Igreja não tem uns tostões porque manda o grosso das esmolas dos fiéis para o Vaticano, com quem o governo tem um pacto secreto – chamam-lhe a concordata confidencial, como em segredo – para alimentar os luxos e o despesório do Papa, da Santa Sé, do Vaticano, das nunciaturas, das embaixadas e embaixadores em todo o mundo sem necessidade…”

O “pároco novo” do Salvador atirou-lhe com esta…

“Então não sabes, Rufino, amigo muito prezado e muito atento ao mundo à tua volta… Não sabes tu que as esmolas, côngruas e demais prestações para pagar serviços, baptizados, casamentos, funerais, nem dão para assegurar a vida decente dos párocos, que somos obrigados a ir dar aulas aos colégios privados e aulas de religião e moral nos liceus?...”

“Olhe, padre! Sendo assim, meu padre, se a “profissão”, desculpe chamar-lhe tal, se ela é materialmente cada vez menos atractiva, as vocações – esta é que é a palavra certa – as vocações vão ser também cada vez menos numerosas, e, dentro de cinquenta anos ou menos, terá de ser um padre para quatro, cinco ou seis paróquias! Bem sei que muitas das suas tarefas podem os párocos distribuí-las por leigos, sobretudo mulheres e jovens, raparigas e rapazes solteiros, que não há, por exemplo, melhores catequistas nem mais convincentes …”

“Bem, Rufino, deixar os padres casar é que não será com certeza solução para tornar as vocações mais numerosas e mais fixes!”

Rufino pensou uns instantes e hesitou em dizer, mas disse…

“Desculpe, meu prior… Mas, sem celibato obrigatório, o senhor não se teria deixado ordenar?...”

E ficou à espera de que o seu prior vencesse a súbita perturbação.

O padre torceu-se, contorceu-se…

Pareceu mesmo a Rufino ouvi-lo gemer por uma vez…

Seria ilusão sua, mas não é que julgou ver-lhe uma lágrima nos olhos, logo secados e límpidos?...

Rufino sentiu-se a violar a intimidade surpreendida do seu grande amigo…

Não sabia como fazer marcha atrás…

Estava quase para escapar-se, fugir…

“Não fujas!” – sussurrou-lhe o Padre, com voz rouca, mas imperativo, agarrando-o pelos dois braços.

“Então! Se querias ouvir, ouve. Não fujas. Hoje não te bato. Aqui, o penitente sou eu!”

Para logo continuar.

“Eu amei doidamente. Como tu amas ou amaste ou ainda hás-de amar. Como todos somos capazes de amar.

“Todos?... Talvez não todos. Mas muitos…

“Todos, muitos nascemos candidatos ao sofrimento e à glória de amar!

“Eu e ela também!

“Mas ela morreu dum aborto… consentido.

“E eu vivo a fazer penitência perpétua pelos dois, voluntariamente, decididamente preso no meu voto de castidade para sempre.

“Já deixou de ser-me difícil, sossega.”

A.C.R.

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