2007/01/26
Memórias das minhas Aldeias
Parte III – N.º 9
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Não obstante, Stanley partiu visivelmente, desde o primeiro instante, à conquista da simpatia do Mister Cruce, como ele pronunciava, também no seu esforço para se mostrar amável.
Começou por oferecer-lhe Whisky que Manuel nunca provara mas ao qual ficou imediatamente rendido.
Pelo rótulo da garrafa que Stanley lhe passou para a mão, Manuel achou logo maneira de ser igualmente simpático mas muito especialmente surpreendente.
Soletrando a palavra disse hesitante…
Whi… - Sky… Ou me engano muito ou isto deve querer significar… Bebida do céu, hem!
Stanley não percebeu nada, mas quando o intérprete lhe explicou, depois de alguma hesitação, desatou à gargalhada.
- Sim, sim! – exclamou ele – Bebida do céu! – garantia também.
Para desatar em novas gargalhadas.
E assim várias vezes. Sem se calar, até que avançou para Manuel apertando-o num grande abraço como se selassem uma forte amizade.
Manuel segredou para dentro que aquele já não era um verdadeiro inglês. Poderia tratá-lo com outro à vontade e sentido prático. Decidiu que havia de fazê-lo mas, por estar em jogo tudo quanto prezava, fá-lo-ia com toda a prudência e muita segurança, apesar de inglês americanizado, como o outro se lhe afigurava.
Em todo o caso, a tal ponto que passados instantes o inglês naturalizado americano lhe pareceu retrair-se.
Ou estaria Manuel demasiado tenso e sensível às responsabilidades de que o encontro a seus olhos se revestia para si?
Os dois interlocutores eram ambos homens de acção, de “ir em frente”, como sabemos, mas Stanley sabia mais de si próprio que do outro e decidiu ir em frente, sem mais cautelas, de certo modo desarmado pelo humor de Manuel, que ainda o não sabia, mas veio a percebê-lo e a descobrir nisso outra razão para um pouco “baixar as armas”.
De chofre, Stanley perguntou-lhe se conhecia bem toda aquela zona do Zaire, como lhe haviam dito.
- Sim, conheço bem, talvez como poucos… - respondeu sem hesitar, mas também sem ostentar vaidade nisso.
Porquê? – insistiu Stanley, como que a não perder tempo.
Manuel Cruz explicou-lhe com largueza toda a sua trajectória, incluindo os tempos de negreiro, com as pausas necessárias para que o intérprete tivesse tempo de traduzir fielmente, sem perda de uma palavra só.
Mas Stanley não se contentou com tantos pormenores, que lhe suscitaram ainda maior interesse, e por isso fez de imediato muitas perguntas a que Manuel Cruz respondeu sem hesitar também, com uma riqueza de novos pormenores, tão precisos que iam deixando o americano cada vez mais satisfeito, a ponto de verificarem que havia lugares onde ambos tinham estado e pessoas, certos sobas, que ambos tinham conhecido, apesar de, para Manuel, isso ter acontecido há uma porção de anos mais.
Tão satisfeito Stanley e seguro que quis saber logo se Mr. Cruce estaria disposto a acompanhá-lo numa nova expedição que estava a projectar para daí a dois anos, o mais tardar, subindo o Congo, coisa para ano e meio. Que partiria para a Europa daí a dias, quando o vapor da carreira passasse, para angariar apoios e obter fundos que poderia repartir com Mr. Cruce e o pessoal que Mr. Cruce juntasse.
“Fundos largos!” – esclareceu Stanley.
“Porque as expedições custam milhões, mas há grandes interesses dispostos a aplicar nelas fundos cada vez maiores!” – completou, alargando os olhos e fixando-os bem a direito e firmemente nos olhos de Mr. Cruce, muito seguro de si e de que Mr. Cruce dificilmente recusaria, já talvez pronto, como lhe parecia, a fixar o seu preço. Mas seria ele tão ingénuo que o fizesse sem ter muito mais informações?...
E, de facto, Mr. Cruce não o desiludiu também por esse lado.
- Talvez, mas preciso de mais informações. Estamos aqui há trezentos e cinquenta anos e nunca vimos tanto interesse por isto, a não ser…
- Trezentos e cinquenta anos! Quem?... Vocês…
- Sim nós, os portugueses. Conhecemos estas gentes e estas terras desde Diogo Cão… Conhece?...
- Ouvi falar… – respondeu.
Mas, visivelmente, aquela longevidade histórica e activa dos portugueses por ali e o seu evidente “tu cá, tu lá” com tudo aquilo, surgiam ainda mais fortemente como um poderoso argumento para convencer financiadores, se aquele português excepcional, como Mr. Cruce já se lhe apresentava, garantisse a máxima colaboração aos seus projectos.
Stanley teve uma inspiração.
Perguntou, pediu a Mr. Cruce que lhe contasse a História de Portugal naquela zona de África, ao longo dos trezentos e cinquenta anos de que lhe falara.
Manuel Cruz julgou logo perceber que ele queria amolecê-lo, lisonjeando talvez o seu patriotismo.
Mas concordou de boa vontade.
Com uma reserva apenas, teriam de interromper agora e continuar no dia seguinte.
A.C.R.
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Não obstante, Stanley partiu visivelmente, desde o primeiro instante, à conquista da simpatia do Mister Cruce, como ele pronunciava, também no seu esforço para se mostrar amável.
Começou por oferecer-lhe Whisky que Manuel nunca provara mas ao qual ficou imediatamente rendido.
Pelo rótulo da garrafa que Stanley lhe passou para a mão, Manuel achou logo maneira de ser igualmente simpático mas muito especialmente surpreendente.
Soletrando a palavra disse hesitante…
Whi… - Sky… Ou me engano muito ou isto deve querer significar… Bebida do céu, hem!
Stanley não percebeu nada, mas quando o intérprete lhe explicou, depois de alguma hesitação, desatou à gargalhada.
- Sim, sim! – exclamou ele – Bebida do céu! – garantia também.
Para desatar em novas gargalhadas.
E assim várias vezes. Sem se calar, até que avançou para Manuel apertando-o num grande abraço como se selassem uma forte amizade.
Manuel segredou para dentro que aquele já não era um verdadeiro inglês. Poderia tratá-lo com outro à vontade e sentido prático. Decidiu que havia de fazê-lo mas, por estar em jogo tudo quanto prezava, fá-lo-ia com toda a prudência e muita segurança, apesar de inglês americanizado, como o outro se lhe afigurava.
Em todo o caso, a tal ponto que passados instantes o inglês naturalizado americano lhe pareceu retrair-se.
Ou estaria Manuel demasiado tenso e sensível às responsabilidades de que o encontro a seus olhos se revestia para si?
Os dois interlocutores eram ambos homens de acção, de “ir em frente”, como sabemos, mas Stanley sabia mais de si próprio que do outro e decidiu ir em frente, sem mais cautelas, de certo modo desarmado pelo humor de Manuel, que ainda o não sabia, mas veio a percebê-lo e a descobrir nisso outra razão para um pouco “baixar as armas”.
De chofre, Stanley perguntou-lhe se conhecia bem toda aquela zona do Zaire, como lhe haviam dito.
- Sim, conheço bem, talvez como poucos… - respondeu sem hesitar, mas também sem ostentar vaidade nisso.
Porquê? – insistiu Stanley, como que a não perder tempo.
Manuel Cruz explicou-lhe com largueza toda a sua trajectória, incluindo os tempos de negreiro, com as pausas necessárias para que o intérprete tivesse tempo de traduzir fielmente, sem perda de uma palavra só.
Mas Stanley não se contentou com tantos pormenores, que lhe suscitaram ainda maior interesse, e por isso fez de imediato muitas perguntas a que Manuel Cruz respondeu sem hesitar também, com uma riqueza de novos pormenores, tão precisos que iam deixando o americano cada vez mais satisfeito, a ponto de verificarem que havia lugares onde ambos tinham estado e pessoas, certos sobas, que ambos tinham conhecido, apesar de, para Manuel, isso ter acontecido há uma porção de anos mais.
Tão satisfeito Stanley e seguro que quis saber logo se Mr. Cruce estaria disposto a acompanhá-lo numa nova expedição que estava a projectar para daí a dois anos, o mais tardar, subindo o Congo, coisa para ano e meio. Que partiria para a Europa daí a dias, quando o vapor da carreira passasse, para angariar apoios e obter fundos que poderia repartir com Mr. Cruce e o pessoal que Mr. Cruce juntasse.
“Fundos largos!” – esclareceu Stanley.
“Porque as expedições custam milhões, mas há grandes interesses dispostos a aplicar nelas fundos cada vez maiores!” – completou, alargando os olhos e fixando-os bem a direito e firmemente nos olhos de Mr. Cruce, muito seguro de si e de que Mr. Cruce dificilmente recusaria, já talvez pronto, como lhe parecia, a fixar o seu preço. Mas seria ele tão ingénuo que o fizesse sem ter muito mais informações?...
E, de facto, Mr. Cruce não o desiludiu também por esse lado.
- Talvez, mas preciso de mais informações. Estamos aqui há trezentos e cinquenta anos e nunca vimos tanto interesse por isto, a não ser…
- Trezentos e cinquenta anos! Quem?... Vocês…
- Sim nós, os portugueses. Conhecemos estas gentes e estas terras desde Diogo Cão… Conhece?...
- Ouvi falar… – respondeu.
Mas, visivelmente, aquela longevidade histórica e activa dos portugueses por ali e o seu evidente “tu cá, tu lá” com tudo aquilo, surgiam ainda mais fortemente como um poderoso argumento para convencer financiadores, se aquele português excepcional, como Mr. Cruce já se lhe apresentava, garantisse a máxima colaboração aos seus projectos.
Stanley teve uma inspiração.
Perguntou, pediu a Mr. Cruce que lhe contasse a História de Portugal naquela zona de África, ao longo dos trezentos e cinquenta anos de que lhe falara.
Manuel Cruz julgou logo perceber que ele queria amolecê-lo, lisonjeando talvez o seu patriotismo.
Mas concordou de boa vontade.
Com uma reserva apenas, teriam de interromper agora e continuar no dia seguinte.
A.C.R.
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