<$BlogRSDUrl$>

2007/01/24

Memórias das minhas Aldeias
Parte III – N.º 8 

(<--)

Ao terceiro dia Papadopolous regressou abatido, não porque tivesse encontrado quaisquer razões para tanto, mas porque, como largamente contou a Manuel e à mulher, o inglês, jornalista americano, acabara por ser joguete dum tal Nogueira e o avultado negócio que o grego esperava fazer, com o reabastecimento da coluna Stanley, redundara em total fiasco.

Que se passara, no fim de contas e de maus passos?

Relativamente simples.

Um filho de João Nogueira, comerciante e industrial no Ambriz, como sabemos, a conselho do pai e com pouco mais de vinte anos, viera abrir casa comercial em Boma, com capitais que o pai lhe adiantou. Mas, logo a seguir, não resistiu ao convite da mais importante firma inglesa de Boma, vendeu a loja a Hatlon & Cookson e ficou seu gerente, apoiado pelo “miúdo” Veiga Santos, que tinha andado um bocado aos caídos até então.

Comido o jantar oferecido pela grega, Veiga Santos, o “miúdo”, correu a casa do Alberto Nogueira e contou-lhe o que sabia da expedição do grego Papadopolous ao encontro de Stanley. Essa mesma noite organizaram os dois uma expedição paralela, alta madrugada puseram-se em marcha com os recursos da Hatlon & Cookson e conseguiram chegar à vista do acampamento de Stanley a tempo de o salvar da armadilha premeditada do grego, quase ao pôr-do-sol do novo dia.

Ia sendo o bom e o bonito!

Stanley não falava senão inglês e, se não fosse trazer consigo um intérprete perito em inglês, francês e português, que imediatamente o pôs ao corrente, teria caído no logro preparado pelo grego e teria pago o dobro do que pagou aos portugueses ao serviço dos ingleses seus compatriotas da Hatlon & Cookson, dois senhores que haviam sido negreiros retintos, se assim se pode dizer, e agora, vinte ou trinta anos depois, se limitavam a mandar para a Europa, por ano, vinte mil ou mais presas de elefante, num comércio que se ia auto-destruindo automaticamente mas que não incomodava ninguém, desde os espíritos humildes até aos mais sábios.

Como a sabedoria humana é frágil e pouco de fiar!

O encontro dos portugueses com Henry Morton Stanley em Boma foi um daqueles imprevistos que mudam ou aceleram mais a História que muitos gestos ou grandes planos minuciosamente premeditados.

Da parte de Manuel Cruz foi como se ele tivesse tido uma premonição inexplicável, para voltar naquela precisa altura à sua velha África.

Da parte de Stanley, foram os portugueses verdadeiras revelações que lhe adiantaram mais de vinte anos os projectos e pressentimentos que se lhe vinham desenvolvendo, na cabeça, desde a sua primeira expedição na África, em 1869-71. Fora então encarregado pelo seu jornal de socorrer o grande explorador Livingstone que tinha desaparecido nas margens do Tanganica, um dos Grandes Lagos da África Central e das origens do Nilo.

Mas, em 1877, que fazia Stanley na foz do Zaire, com tão grande acompanhamento e aparato de belgas?

Manuel Cruz jurou a si próprio que havia de descobri-lo, depois da primeira conversa com Stanley, por intermédio do intérprete, conversa que lhe suscitara uma imensa curiosidade.

Ali havia mistério, que pressentia cheio de perigos para Portugal, convenceu-se Manuel.

A colónia portuguesa de Boma, tinha a expedição de Stanley à sua mercê. Todos os portugueses juntos, armados como estavam, eram capazes, sob o comando de Manuel, de deitá-la inteira aos crocodilos do Zaire. Manuel achava-se perfeitamente apto para inflamá-los. Mas de que serviria isso, se ficasse sem saber os segredos de Stanley?

A não ser que o objectivo deste fosse apanhar de surpresa os portugueses e corrê-los de Boma… Nesse caso, teriam eles, os portugueses, que entrar em alerta máximo e estabelecer uma cadeia de vigilância das movimentações da tropa acantonada do anglo-americano.

Foi isso que fez em total segredo e com as maiores precauções.

Depois, foi ter com Stanley e o intérprete, como haviam combinado na véspera.

No acampamento, reinava o maior sossego e uma espécie de rara organização e disciplina que, não fosse ele grande admirador de longa data do povo e zelo dos ingleses, o teriam surpreendido sem reservas e com o maior espanto.

A tenda de Stanley foi-lhe naturalmente fácil de achar.

Entrarem a falar do que veio a revelar-se como o que verdadeiramente os interessava é que levou seu tempo porque ambos, Manuel e Stanley, mas sobretudo este, perseguiam sinuosamente os seus objectivos, cada um seus, naturalmente.

A.C.R.

(-->)

Etiquetas: ,


This page is powered by Blogger. Isn't yours?

  • Página inicial





  • Google
    Web Aliança Nacional