2005/04/07
O que vê o mundo em João Paulo II?
O anúncio da crescente e vertiginosa presença de líderes políticos nas exéquias fúnebres de João Paulo II, a voragem com que esses líderes se multiplicaram em discursos laudatórios da pessoa e da vida deste Papa, faz pensar se estamos perante um líder político, um profeta, um chefe religioso ou um santo.
Nenhuma destas coisas é incompatível com qualquer das outras, mas a questão está em saber o que faz correr tantos líderes políticos de renome.
Que uma multidão, contada por milhões de pessoas anónimas, se desloque a S. Pedro para orar diante dos restos mortais de João Paulo II, ou simplesmente para lhe prestar uma última homenagem, não é de espantar, a não ser pela dimensão do fenómeno: é um costume multissecular entre os cristãos e sinal evidente da sua consideração por ele.
Agora, os políticos, sendo que alguns tiveram as suas controvérsias com este Papa, o criticaram e epitetaram pejorativamente em consequência da afirmação de certas exigências morais...
O que vê o mundo em João Paulo II?
Um líder político?
É certo que toda a acção humana, individual e colectiva, é susceptível de ser enquadrada politicamente se se admitir que toda a acção, palavra, gesto e imagem é política.
É certo que ao dirigir a Igreja, Karol Wojtila dirigiu e dirigiu-se a milhões de pessoas com uma Fé comum, consequentemente com um entendimento de homem, de vida e de mundo comum. É óbvio que isso tem implicações na sociedade, na medida em que essa mundividência inspira modos de pensar e de viver, consoante é mais ou menos autêntica, lúcida e assimilada.
João Paulo II referiu-se muitas vezes às implicações morais de certas acções e de certos sistemas políticos, fossem eles socialistas ou liberais.
Mas nunca ninguém lhe ouviu dizer como deveria ser o regime político ideal, fazer sugestões ou mostrar simpatias por opções políticas concretas. Por uma razão muito simples: o Cristianismo não implica uma determinada ordem política ou social, não é uma ideologia, nem uma filosofia, nem se reduz a um conjunto de regras morais, que decorrem do espanto perante a revelação de Deus que se faz Homem.
É por isso que, dentro de uma mundividência cristã podem existir vários ordenamentos sociais e políticos legítimos, ficando a adesão a um ou a outro ao juízo de cada um. É por isso que não existem regimes católicos. É a legítima autonomia do político.
É difícil avaliar como e até que ponto a acção de João Paulo II foi determinante para a queda do sistema comunista. Da incompatibilidade entre o marxismo e o cristianismo todos estavam avisados a leste; só alguns peixinhos vermelhos cá no ocidente é que não viam esse casamento impossível. Talvez a eleição de um Papa eslavo tenha sido para o leste o sinal de que era possível vencer o ateísmo militante.
Prefiro pensar que o que move tanta gente a aproximar-se do féretro de João Paulo II é o reconhecimento de que ele foi um homem de Deus e é um homem em Deus. O reconhecimento do exemplo da sua vida e da sua morte. Porque também a maneira como aceitou a morte – num tempo em que os homens pretendem pôr-se no lugar de Deus e serem senhores da vida e da morte – foi exemplar: idêntica aquela com que aceitou a vida.
Manuel Brás
manuelbras@portugalmail.pt
Nenhuma destas coisas é incompatível com qualquer das outras, mas a questão está em saber o que faz correr tantos líderes políticos de renome.
Que uma multidão, contada por milhões de pessoas anónimas, se desloque a S. Pedro para orar diante dos restos mortais de João Paulo II, ou simplesmente para lhe prestar uma última homenagem, não é de espantar, a não ser pela dimensão do fenómeno: é um costume multissecular entre os cristãos e sinal evidente da sua consideração por ele.
Agora, os políticos, sendo que alguns tiveram as suas controvérsias com este Papa, o criticaram e epitetaram pejorativamente em consequência da afirmação de certas exigências morais...
O que vê o mundo em João Paulo II?
Um líder político?
É certo que toda a acção humana, individual e colectiva, é susceptível de ser enquadrada politicamente se se admitir que toda a acção, palavra, gesto e imagem é política.
É certo que ao dirigir a Igreja, Karol Wojtila dirigiu e dirigiu-se a milhões de pessoas com uma Fé comum, consequentemente com um entendimento de homem, de vida e de mundo comum. É óbvio que isso tem implicações na sociedade, na medida em que essa mundividência inspira modos de pensar e de viver, consoante é mais ou menos autêntica, lúcida e assimilada.
João Paulo II referiu-se muitas vezes às implicações morais de certas acções e de certos sistemas políticos, fossem eles socialistas ou liberais.
Mas nunca ninguém lhe ouviu dizer como deveria ser o regime político ideal, fazer sugestões ou mostrar simpatias por opções políticas concretas. Por uma razão muito simples: o Cristianismo não implica uma determinada ordem política ou social, não é uma ideologia, nem uma filosofia, nem se reduz a um conjunto de regras morais, que decorrem do espanto perante a revelação de Deus que se faz Homem.
É por isso que, dentro de uma mundividência cristã podem existir vários ordenamentos sociais e políticos legítimos, ficando a adesão a um ou a outro ao juízo de cada um. É por isso que não existem regimes católicos. É a legítima autonomia do político.
É difícil avaliar como e até que ponto a acção de João Paulo II foi determinante para a queda do sistema comunista. Da incompatibilidade entre o marxismo e o cristianismo todos estavam avisados a leste; só alguns peixinhos vermelhos cá no ocidente é que não viam esse casamento impossível. Talvez a eleição de um Papa eslavo tenha sido para o leste o sinal de que era possível vencer o ateísmo militante.
Prefiro pensar que o que move tanta gente a aproximar-se do féretro de João Paulo II é o reconhecimento de que ele foi um homem de Deus e é um homem em Deus. O reconhecimento do exemplo da sua vida e da sua morte. Porque também a maneira como aceitou a morte – num tempo em que os homens pretendem pôr-se no lugar de Deus e serem senhores da vida e da morte – foi exemplar: idêntica aquela com que aceitou a vida.
Manuel Brás
manuelbras@portugalmail.pt
Etiquetas: João Paulo II, Manuel Brás