<$BlogRSDUrl$>

2004/06/11

O PENSAMENTO NACIONALISTA NO SÉCULO XX (IV) 

(continuação)

J. Pinharanda Gomes
O entendimento do Nacionalismo em geral beneficia da consideração do caso português.

A tensão Tradição/Revolução, que levou aos rigores tradicionalistas do Romantismo com vista a equilibrar os radicalismos inovacionistas, tem transmitido o falso preconceito de que ela só ocorre no âmbito da Política. Embora essa tensão seja muito mais abrangente, é um facto que a Revolução Francesa operou inusitados graus de ruptura, desde logo pela quase violenta absorção das nações que constituíram o estado francês e pela inacreditável perseguição democrática às línguas e culturas das "pequenas pátrias" (Provença, Aquitânia, e Languedoque) — o status societário alterou-se e contaminou toda a Europa e o Novo Mundo, nas ordens políticas, religiosa, cultural e social. Os emblemas antigos motivantes da acção comunitária (cifras, brasões, legendas, dilemas e signos) deram lugar a outros, em que sobressaiu a trilogia Liberdade / Igualdade / Fraternidade, ou, mais tarde, a unidade do proletariado internacional, ou a reorganização positivista da sociedade no signo da Ordem e Progresso. No caso português a tensão, a princípio frágil, sobe de tom após as reformas de 1820 e de 1834, sobretudo a partir da Nobreza e do Clero, surgindo uma ideologia radicalmente tradicionalista de carácter contra-revolucionário, anti-liberal, decidida a manter a aliança do Trono e do Altar e as estruturas tradicionais das instituições históricas. Nos fins do século XIX, o nome Nacionalismo chegou a ser usado como expressão de Tradicionalismo, entendendo-se Nacionalismo como heterónimo de Tradição.

No que ao mais nítido enquadramento ideológico concerne, e definindo um quadro temporal situado entre 1890 e 1970, verifica-se que houve uma forte emergência nacionalista provocada pela causa impulsiva que foi o Ultimatum inglês de 1890, origem de uma reacção patriótica e nacionalista, que se exprimiu em simbologias literárias, artísticas, musicais (nessa reacção se situa a origem de A Portuguesa, o hino nacional desde logo adoptado) e políticas. A energia da reacção ajudou ao movimento que se exprimiu na pronúncia militar portuense, em 31 de Janeiro de 1891. A leitura dos escritos de Sampaio (Bruno) e de outros autores que reflectiram sobre o fenómeno, até de um ponto de vista jacobino, leva-nos a inferir que havia o sentimento popular (e decerto populista, o que desagradaria aos políticos de carreira...) (9) de o Estado não permitir à Nação que respirasse, que o Estado actuasse afogando a Nação; e a inferir ainda a ideia de que o Estado não podia ceder um milésimo da integridade nacional, que abrangia as Províncias do Ultramar, ainda que Bruno admitisse, por uma questão utilitarista, que talvez se pudesse abandonar o Oriente para nos fortalecermos em África. A República, sonhada como " Ilha Incógnita" não foi causa inicial; foi apenas um corolário do motim que o Ultimatum gerara no nacionalismo português. Queria-se uma renascença da Pátria. É neste contexto que Nacionalismo veio a ser termo escolhido para identificar a união católica-legitimista, qual a peculiar ao Partido Nacionalista de Jacinto Cândido, de Conde de Bertiandos, e de tanta gente ilustre dos fins do século XIX, que se viu algemada e silenciada após Outubro de 1910. A assunção do Nacionalismo republicano era inevitável, através de graves deficiências culturais e doutrinais, uma vez que não houvera uma revolução popular, mas apenas um motim militar, a que os meios urbanos aderiram, face à maioria do povo, que de todo ignorava o que a República pudesse ser.

O movimento intitulado "Renascença Portuguesa", que juntou intelectuais de vários quadrantes, teve como propósito recuperar a natureza e os valores da Pátria, elaborando uma espécie de neo-Romantismo, destinado a educar o Povo para a vida comum dentro do projecto da Nação. A revista A Águia (1912) e as doutrinas de Teixeira de Pascoaes, sobretudo as relativas ao Saudosismo, foram primaveras de iniciação pátria, ainda quando o Saudosismo veio a ser alvo das acusações de nostalgismo e de passadismo. Na teoria de Pascoaes, o Saudosismo é uma dinâmica futurante. Houve duas "Renascença" — a do Porto, poética e activa, e a de Lisboa, política, dominada pela partidocracia, que pouco ou nada produziu, embora reconhecesse que o movimento sito no Porto era mais actuante e vivo. As fissuras já patentes na origem vieram a materializar-se em correntes de pensamento, em geral dependentes de personalidades: Pascoaes, António Sérgio, Raul Proença... Sérgio enunciou uma sistemática unitiva, e compreendeu que, para além da intencionalidade partidária, melhor seria formular uma plataforma de convergência, com os integralistas. De facto, radicada no movimento renascentista, surgiu a revista Seara Nova (1921) que se distanciava de A Águia, e punha a tónica no primado da Política, de onde o dizer-se que também o seareirismo foi ferido de maurrasismo. Por outro lado, os monárquicos, elucidados por outra personalidade do tempo histórico, António Sardinha, corporizaram, depois de outras eventuais tentativas, o movimento do Integralismo Lusitano. A Sérgio e a Sardinha se ficou a dever o conceito de união cívica (outro modo de dizer união nacional, termo criado por Salazar) doutrinada nas páginas da revista Homens Livres, de curta duração: Sardinha e Sérgio eram prudentes quanto ao primado da Revolução, todavia, enquanto Sardinha admitia o progresso na tradição, Sérgio punha a tónica na renovação, e não conseguiram entender-se, por causa da questão do Regime: para Sérgio, importava prosseguir com o Regime que aí estava; para Sardinha, só a reimplantação da Monarquia era satisfatória.

Com excepção dos movimentos inspirados no Marxismo (melhor dito: do Sovietismo, sobretudo de Álvaro Cunhal, consagrado militante soviético) todas as iniciativas políticas atenderam ao critério nacionalista, a começar pela União Nacional. A instauração desta no poder levou a outras aparições, entre elas a da "Renovação Democrática" (Álvaro Ribeiro, Pedro Veiga, José Marinho, Delfim Santos, Domingos Monteiro) que se propunha ressuscitar o ideário da "Renascença Portuguesa" e a disciplina da educação pátria, colocando a reforma educativa antes acção política. Mal vista pelo sector do poder e pelos seareiros, a "Renovação Democrática" visava mais o serviço do que o poder, o que bem a distanciava da Seara Nova que, no âmbito da II Guerra Mundial, fez uma grande deriva, fugindo das mãos de Sérgio e funcionando, na prática, como promotora do Socialismo. Foi ainda na sequência que, desorganizado o Integralismo, uma nova geração (Carlos Amado, H. Barrilaro Ruas e outros) fundou a Cidade Nova, destinada a promover a reflexão da Filosofia Política no quadro de convergência do Cristianismo, do Monarquismo e do Personalismo.

O mais reflexivo momento acerca da Pátria e da Nação surgiu, contudo, e ainda na sequência da linha de pensamento regenerador "Renascença Portuguesa". — "Renovação Democrática", no movimento conhecido por "Filosofia Portuguesa". Assente no primado da Filosofia, como necessário fundamento da Política, o movimento tomou como próximo ponto de referência o magistério de Álvaro Ribeiro e, através dele, as doutrinas renascentistas de Leonardo Coimbra e de Pascoaes, não excluindo os contributos monarquistas e outros, dado que o movimento se não considerava arauto de qualquer organização político-ideológica. A presença magistral de Álvaro Ribeiro influenciou toda uma geração de estudantes que, em 1957, se revelaram ao público, mediante publicações de reflexão filosófica, em que avultou o jornal 57 — Movimento de Cultura Portuguesa, dirigido por António Quadros, e escrito por um rol de pensadores que lograram fixar seu nome na história do pensamento filosófico português contemporâneo.(10)

Assumindo a Nação como sítio existencial de um pensamento situado, a ideia de Nação/Pátria tornou-se um teorema demonstrável, requerendo ser pensado e analisado segundo as categorias e os categoremas da razão, de onde se haver formulada a escada ascendente (Filosofia para a Educação e Educação para a Política) cônscia da singularidade do Povo português na sua expressão cultural, histórica e espiritual.

Nem todos os pensadores do movimento exprimiram uma ostensiva preocupação com a Política (considerada, não ciência, mas arte), mas a consciência nacional aparece no cerne das obras de todos eles. Dos mais atentos à problemática política, citamos Alexandre Coelho, dominado já por alguma perspectiva decadentista; Fernando Sylvan, timorense, sacerdote da missão de uma Comunidade Lusíada; António Quadros, porventura o mais actualista de todos, sempre atento aos fenómenos em presença. No contexto releva a obra de Orlando Vitorino, cuja filosofia da História Pátria o compeliu à redacção de um singularíssimo documento jurídico estruturante, a "Constituição para Portugal", anexa ao ensaio intitulado Exaltação da Filosofia Derrotada (1983), constituição essa suportada pelos conceitos fundamentais de Justiça/Liberdade/Verdade.

O movimento entendeu demarcar-se desde logo dos poderes instituídos, tendo actuado no plano da marginalidade cultural, ainda que a sua influência viesse a registar-se nas novas gerações, mais atentas à ideia de amor da Pátria, ou Patriosofia, (um nome criado por António Quadros). São herdeiros desta corrente de pensamento os escritores organizados em publicações como as revistas Leonardo (1988), Teoremas de Filosofia (2000) e Lusophia, por exemplo, atentas aos valores da espiritualidade, da cultura, da tradição e da evolução perfectiva. O grau de influência nos grupos que tomaram o poder após 1970 foi nulo. Um positivista metafísico como Amorim de Carvalho, de todo desafecto à nova ordem, não acedeu a partilhar do optimismo lusíada próprio do movimento, exprimindo a sua visão catastrófica num livro de grande sentimento. O Fim Histórico de Portugal (1977), que foi o seu grito de revolta, perante a instauração da Partidocracia contra a Pátria. É imoral não reconhecer que se instalou no País a onda da opinião, do discurso demagógico, incapaz de assumir uma tese, um discurso de falácia, em que os oradores, não sendo pensadores, se tornam imerecedores de crédito.

Ao nível da mais alta magistratura nacional, após a prudência militar, auxiliada por fraca iniciação especulativa, sucederam-se as magistraturas civis do tipo coloquial, em textos disformes e por vezes dementes, não cuidando de pensar o que se diz, e juntando lenha para autofogueira.

Vem a eito mencionar a repetida preocupação de um Presidente da República com a honestidade dos políticos. Mencionemos tal preocupação, no suposto de que os políticos eleitos, fiquem no Governo ou na Oposição, constituem o melhor do Estado, a aristocracia em que o povo delega o poder . Ora, em tempo, esse Presidente achou necessário declarar que não se pode pensar que os políticos são todos uns malandros que têm de fazer prova de serem gente de bem; mas que devemos pensar que são todos gente de bem, e, caso sejam malandros, se prove. Mais tarde, veio a declarar que "a Política não é uma ovelha negra."(11) Ora, ninguém, ao que conste, diz que a Política é uma ovelha negra (com o devido respeito pela ovelha, que é doce, útil e honesta), pelo que, no dito presidencial, intuímos que ele queria dizer não Política, mas "os políticos". A sucessão declaratória leva a inferir que no pensamento presidencial há veios de dúvida acerca da seriedade e da bondade dos políticos? Nesse caso, seria melhor eleger os políticos partindo do princípio de que são uns "malandros", desafiando-os à prova de que são gente de bem?

(continua)
______________________________

(9) Os políticos de carreira, através dos oficiosos comentadores políticos, usam o nome populismo e o adjectivo populista em acepção insultuosa. Quando um cidadão escreve a um jornal (Correio da Manhã, 22.11.03, p. 18) a solicitar que as emissoras de televisão convidem para debates "gente do povo para deixarem os políticos a gaguejar", os comentadores oficiosos chamam a este pedido, populismo. O mesmo quando alguém critica os projectos de aumento da classe política, criando um Senado, quer dizer, mais gente para "comedor do povo". Entendemos que, para os políticos de carreira, é populismo toda a palavra que sugira o desejo de lhes "abanar o tacho". Todo o cão rosna...
(10) Cf. P. Gomes, Dicionário de Filosofia Portuguesa, Lisboa, D. Quixote, 1987.
(11) Correio da Manhã, 25.1.04, p. 22, transcrevendo do Jornal Público. Em outro coloquial arrazoado, e contra as opiniões que consideram os políticos uns "bandalhos", afirmou que tal opinião tinha "perpassado do salazarismo". Claro que, em 1872, quando Eça escrevia que "a política é uma ocupação de ociosos, a ciência dos ignorantes e a riqueza dos pobres" já o Salazarismo estaria em vigor?

Etiquetas: , , , ,


This page is powered by Blogger. Isn't yours?

  • Página inicial





  • Google
    Web Aliança Nacional