2004/06/07
Campanha eleitoral para as europeias. "A Segunda vingança de Salazar sobre Sousa Mendes". Porque é que Salazar faz tanta sombra?
Com o título acima entre aspas, trouxe há dias o "Público" uma nota, em página dedicada à propaganda eleitoral, que transcrevo:
"Na II Guerra Mundial, um cônsul português em Bordéus, Aristides de Sousa Mendes, salvou de uma morte quase certa 30 mil refugiados (um terço dos quais judeus) concedendo-lhes vistos para fugirem de França em direcção a Portugal (de onde depois partiram para os mais variados destinos, a maior parte para os EUA). Salazar não gostou. Fez expulsar Sousa Mendes da carreira diplomática. Este foi empobrecendo até morrer na miséria, em 1954. Vendeu a bela mansão de Cabanas de Viriato (concelho de Carregal do Sal, distrito de Viseu).
No penúltimo Governo, Jaime Gama, ministro dos Negócios Estrangeiros, financiou a constituição de Uma Fundação Aristides de Sousa Mendes — em cuja administração têm assento dois dos seus netos — que, com o subsídio recebido, comprou de novo a mansão de Cabanas, de há muito só um velho destroço onde as paredes mal se aguentam em pé. A Fundação recebia também um subsídio anual do Ministério da Cultura. Só que este terá sido cortado. Resultado: agora tem a mansão mas não tem dinheiro para a recuperar. Ontem a campanha do PS, com Sousa Franco à cabeça, foi visitar Cabanas de Viriato e a Fundação, aproveitando para falar de Sousa Mendes como um "exemplo sempre presente" da "luta da Europa boa contra a Europa má".
Os administradores aproveitaram então para se queixar da falta de dinheiro (um dos netos do cônsul confessou ao PÚBLICO que a comunidade judia ainda não se comprometeu a apoiar a iniciativa). Um deles, precisamente o presidente da Fundação, Luís Fidalgo, queixou-se mesmo da "ironia da História": aparentemente não falta nem dinheiro nem vontade para, em Santa Comba Dão, a escassos quilómetros de Cabanas de Viriato, reconstruir a "Casa Salazar" (o ditador nasceu nesta vila viseense), no que se pretende vir a ser um museu do Estado Novo. Por outras palavras: há verbas para recuperar a memória de Salazar — como Fidalgo disse, o "carrasco de Sousa Mendes". Já parece não haver para fazer o mesmo com a obra de um homem que salvou 30 mil almas. Os candidatos do PS a eurodeputados comprometeram-se a tudo fazer para conseguir na Europa financiamentos para a Fundação, nomeadamente ao abrigo de programas de apoio à luta contra o racismo."
Uns breves comentários.
Sousa Mendes "salvou de uma morte quase certa", diz o jornal, uns dez mil Judeus; e os administradores da fundação com o nome dele indignam-se por não serem subsidiados para restaurar a casa — que foi faustosa — construída pelo Cônsul em Cabanas de Viriato. Dizem mesmo que nem a "comunidade judia" (em Portugal?) ainda se prestou a abrir os cordões à bolsa.
Salazar, com o seu governo, "salvou" mais de 300.000 Judeus deixando-os entrar e sair livremente de Portugal na mesma altura, em geral também para os EUA (que aliás bem parecem ter dificultado a sua entrada, enquanto puderam). Mas os mesmos "administradores" indignam-se porque se quer reconstruir a "Casa de Salazar", aliás umas pobres casas, mesmo quase miseráveis e hoje em caminho curto para a completa ruína.
Não esclarece a notícia donde vêm os fundos para recuperar a "Casa de Salazar" e fazer dela um museu do Estado Novo.
Mas, em maré de campanha eleitoral, os responsáveis socialistas de visita a Cabanas de Viriato "comprometeram-se a tudo fazer para conseguir financiamentos" para a Fundação reconstruir o palacete Sousa Mendes. (Nesse tempo, os Cônsules portugueses, felizmente, ganhavam bastante bem).
Não parece, no entanto, que os responsáveis socialistas tenham querido com isso entrar no jogo de alimentar rivalidades de "aldeias" vizinhas, entre os méritos históricos do Cônsul que se quer forçosamente "canonizar" e os méritos históricos do estadista que, ninguém contesta, conduziu objectivamente a História de Portugal em metade do séc. XX, através das mais duras contigências.
Os senhores "administradores", pelos vistos, não suportam duas grandezas à distância de "escassos Kms" uma da outra.
Temem talvez que uma esmague completamente a outra.
Em vez de se preocuparem com a limpidez da memória do Cônsul, esclarecendo, por exemplo, algumas questões levantadas a seu respeito pelo livro do embaixador Carlos Fernandes, editado pela Universidade Autónoma, mostram-se antes decididos a torpedear o "projecto" de recuperar a "Casa de Salazar". Do "carrasco de Sousa Mendes", assim eles o dizem, para se assegurarem de que a "casa do carrasco" não venha a deitar uma sombra mortífera sobre o palacete do "homem que salvou 30.000 almas" (apenas 10.000 seriam de Judeus, também esclarecem).
Esse parece ser o verdadeiro medo dos senhores administradores e não o da falta de fundos, que os candidatos socialistas ao PE já prometeram conseguir "na Europa" toda.
E se fosse estabelecido uma trégua; melhor ainda, uma trégua, sem termo?
Os senhores administradores, fariam o vosso trabalho, sem precisarem de tentar amesquinhar com falsos pretextos a ideia de recuperação das pobres casas de Salazar.
E, tanto quanto as julgo conhecer, as entidades que se diz estarem empenhadas nesta última recuperação, continuarão... talvez devagarinho como até agora... a tentar mobilizar energias para ainda salvar o que resta daquilo que foi o notabilíssimo espólio de Salazar.
Uma coisa certa sei: não estão nada preocupados com a grandeza de Aristides de Sousa Mendes.
António da Cruz Rodrigues
Etiquetas: racismo e racialismo