<$BlogRSDUrl$>

2004/05/28

Às voltas com o tempo 

Neste belo dia de Maio faz dois meses que o Rodrigo nos deixou. Um desses dias em que, tal como no 1º de Dezembro, o sol lhe brilhava mais por dentro que por fora.

Travei conhecimento com o Rodrigo a propósito de alguns serões de debate sobre o passado e o presente da cultura portuguesa. Daí surgiu a ideia, prontamente concretizada, de lançar um Manifesto de Cultura Lusíada para o Terceiro Milénio, que o Rodrigo abraçou desde o primeiro momento e com o seu impulso paternal nos ajudou a levar até ao fim. Estávamos na Primavera de 2001.

Impulso paternal porque tendo sido ele um grande orientador e inspirador das nossas incipientes letras, não quis aparecer, sequer, como co-autor que na realidade foi: “Isto é obra da vossa geração, a do séc. XXI; a minha geração é do séc. XX”, dizia-nos. Senti que o Rodrigo dizia isso como que a passar o testemunho, de algo que com ele se tinha gerado e que ele ajudou a gerar, mas que já não era ele nem dele. Daí a paternidade literária.

Eu aprendi a escrever com o Rodrigo. Explico-me. Naqueles longos e riquíssimos serões que, com o Rodrigo, dedicámos à preparação e redacção do Manifesto, aprendi dele a escrever com um certo estilo, que é muito mais do que a habilidade de manejar as palavras, em que a clareza e a eufonia são critérios máximos de qualidade literária. Clareza porque as palavras são usadas – sem eufemismos nem antinominalismos – para designar aquilo que significam: a clareza das ideias deve traduzir-se na clareza da escrita. Eufonia porque “as palavras têm música”, como ele dizia, e essa música tinha que entrar pelos olhos dos que nos lessem e chegar aos ouvidos dos que nos ouvissem.

Porque escrever não é apenas juntar uma letras e umas palavras. Isso ficava bem claro para quem privava com o Rodrigo.

Como notável poeta que era, o Rodrigo tinha uma relação muito particular com o tempo, fora do comum dos mortais. Não estou certo se usava relógio, mas, para ele, o dia não se decompunha tanto em horas, seguramente mais em quadrantes. Por isso, algumas dessas inesquecíveis sessões de Manifesto terminaram pouco antes do nascer do sol, quadrante que ele asseverava ser o melhor para se render ao descanso.

O que vi eu no Rodrigo durante aquele tempo que agora sabemos terem sido os últimos três ou quatro anos da sua passagem por este mundo? Vi uma imagem perfeita e um sinal vivo de Portugal. Vi Portugal em figura humana no dealbar do séc. XXI. Isso tenho que lhe agradecer eternamente. E ao João, ao Francisco, ao Miguel e ao Bruno, que tornaram possível que a propósito do Manifesto privasse com o Rodrigo. Quem nos dera que, como o Rodrigo, muitos mais houvesse para quebrar a avitaminose criadora que nos atormenta.

Naquilo que julgo ser um dos seus últimos escritos, publicado em “Futuro Presente” nº 53/54, com data do equinócio de Março de 2001, sobre os hussardos, dizia a propósito: “Eles pertencem ao número dos mortos que não envelhecem, garanto-lhes eu. Oxalá pudesse alguém dizer de nós, um dia, a mesma coisa...!”

E eis que o Rodrigo já faz parte desse número. Cá estamos nós para o dizer.

Manuel Brás

Etiquetas:


This page is powered by Blogger. Isn't yours?

  • Página inicial





  • Google
    Web Aliança Nacional