2003/09/26
NACIONALISMO E DEMOCRACIA: SÍNTESE POSSÍVEL? (III)
Comunicação ao I Congresso Nacionalista Português - Lisboa, 13 e 14 de Outubro de 2001
Engº Francisco Ferro
3. Nacionalismo – uma tentativa de interpretação
Neste ponto procuraremos seguir o notável ensaio do Professor António José de Brito intitulado “Definição e origem do Nacionalismo” e publicado em 1961. Seguir, mas não a par e passo porque nele tudo é importante, mas apenas aspirando a retirar desse documento de alguém que é um exemplo de coerência na sua trajectória política, algumas conclusões que nos parecem de uma lógica impressionante e que consideramos suficientes para justificar o propósito já antes anunciado – averiguar a possibilidade de uma eventual aliança entre Democracia e Nacionalismo ou, ao contrário, concluir pela completa oposição entre os dois conceitos. De resto, para sermos verdadeiros, a resposta está dada nessas páginas para quem as souber ler com atenção e, sobretudo, dada de uma forma clara e inequívoca. A natureza desta comunicação não permite, contudo, colocar em plena luz todas as virtualidades do estudo de A.J.B. e teremos de nos contentar com uma recolha sumária do que nele nos possa ajudar a esclarecer a questão em análise; apesar de tudo vale a pena o esforço se ele contribuir para ajudar os jovens a compreender como o texto do professor nortenho, mesmo com 40 anos, conserva toda a actualidade e pode iluminar o nosso caminho e derrotar alguns artifícios dos habilidosos do costume.
O autor começa por definir Nacionalismo “como a ética para a qual cada Nação, enquanto Nação, é um supremo valor” e avisa-nos que não devemos considerar nacionalistas “determinados movimentos assim considerados” como o Fascismo, o Nacional-Socialismo, o Rexismo, a Guarda de Ferro, o Falangismo, porque não julgam cada Nação um supremo valor, não professam o culto exclusivo da Nação”. Fundamentada a sua posição, A.J.B. conclui que “de facto, só a Action Francaise e o Integralismo Lusitano são autênticos nacionalismos”. Deixando de lado, por motivos óbvios, o movimento francês a que Maurras emprestou todo o vigor do seu pensamento, fixemo-nos então no Integralismo Lusitano. Para este “a nação é também a nação real, formada no decorrer da história, a terra dos antepassados, sem dúvida, mas sobretudo, aquela totalidade espiritual, aquele génio comum que é legado pelo passado e que importa respeitar e continuar”; o Nacionalismo, para o autor do ensaio já referido, é a atitude dos que colocam, acima de tudo, a Nação concreta tal qual a história a faz aparecer, na medida em que consideram que nela está aquela ordem maximamente universal que a vontade dos homens hoje em dia, e de futuro, tem possibilidade de erguer. Antes de passar às consequências da opção nacionalista, A.J.B. deixa-nos um esclarecimento: “Não está excluído que outros movimentos, que não proclamam colocar a nação acima de tudo, e que, por isso, num sentido formal, não podem ser considerados nacionalistas, coincidam em cheio com o nacionalismo, designando através de uma óptica diversa precisamente o mesmo ideal”. Anotação preciosa esta, que dissipará, estamos certos, algumas dúvidas; por outras palavras: a oposição entre nacionalismo e outras concepções políticas só será irredutível se estas defenderem ideais cuja substância se oponha, de forma absoluta, ao conceito de nação, devendo ser identificadas e combatidas as ideologias “que ponham em perigo a existência mesma da nação”. O que deve então ser combatido? Trataremos o assunto de forma a destacar o essencial.
Em primeiro lugar, o nacionalismo combate o liberalismo. “O liberalismo, na justa definição de Croce, é a religião da liberdade. O Nacionalismo é o culto da Nação concreta e real, enquanto expressão da universalidade, e, assim, colocada na posição de ideal máximo; ora a religião da liberdade, por princípio, tem de considerar legítimos quaisquer actos, quaisquer atitudes, produtos dessa mesma liberdade e nessa medida autoriza, legitima e permite todos os actos livremente cometidos contra a nação (…)”.
Em segundo lugar o nacionalismo é anti-individualista: “se a nação real, que consiste numa herança determinada, um património moral comum que cada um de nós deve respeitar, continuar e fazer durar, e, representa o valor supremo, parece evidente que os indivíduos ou pessoas têm de subordinar-se inteiramente à nação”.
Em terceiro lugar o Nacionalismo é anti-democrático, porque a democracia não passa “de uma ampliação do erro liberal e individualista estendido, depois, ao conjunto das pessoa, à multidão”. Depois, o Nacionalismo é claramente contra os partidos, ou porque são desnecessários ou porque são perniciosos; infelizmente, não podemos desenvolver aqui as considerações do professor Brito tendentes a demonstrar esta opção, mas já podemos deduzir que o nacionalismo é anti-liberal, anti-democrático, anti-individualista e anti-partidarista; era essencial que isto fosse dito e que quem o dissesse possuísse a cultura e o vigor mental para nos convencer.
É claro que há quem não goste do Nacionalismo e entre essa gente esteve Sua Excelência Reverendíssima o Bispo do Porto, D. António Ferreira Gomes, o tal de quem Salazar terá dito que “tinha cultura demais para a sua inteligência”, o tal que, pelo seu democratismo e anti-nacionalismo mereceu ser condecorado com a Ordem da Liberdade, exactamente a mesma que sobressai no peito altaneiro de Palma Inácio. D. António, como se sabe, escreveu uma carta ao Presidente do Conselho com disparates em cascata, carta da qual viria a retractar-se, circunstância que ninguém referiu nos meios eclesiásticos ou democráticos. Mas referiu-o o Prof. Herlânder Duarte no seu livro “Salazar e a Santa Igreja”, para cujo capítulo III remetemos os ouvintes, já que as opiniões do Bispo não merecem atenção especial. Deixemo-lo em paz, até por caridade.
(continua num próximo post)
Engº Francisco Ferro
3. Nacionalismo – uma tentativa de interpretação
Neste ponto procuraremos seguir o notável ensaio do Professor António José de Brito intitulado “Definição e origem do Nacionalismo” e publicado em 1961. Seguir, mas não a par e passo porque nele tudo é importante, mas apenas aspirando a retirar desse documento de alguém que é um exemplo de coerência na sua trajectória política, algumas conclusões que nos parecem de uma lógica impressionante e que consideramos suficientes para justificar o propósito já antes anunciado – averiguar a possibilidade de uma eventual aliança entre Democracia e Nacionalismo ou, ao contrário, concluir pela completa oposição entre os dois conceitos. De resto, para sermos verdadeiros, a resposta está dada nessas páginas para quem as souber ler com atenção e, sobretudo, dada de uma forma clara e inequívoca. A natureza desta comunicação não permite, contudo, colocar em plena luz todas as virtualidades do estudo de A.J.B. e teremos de nos contentar com uma recolha sumária do que nele nos possa ajudar a esclarecer a questão em análise; apesar de tudo vale a pena o esforço se ele contribuir para ajudar os jovens a compreender como o texto do professor nortenho, mesmo com 40 anos, conserva toda a actualidade e pode iluminar o nosso caminho e derrotar alguns artifícios dos habilidosos do costume.
O autor começa por definir Nacionalismo “como a ética para a qual cada Nação, enquanto Nação, é um supremo valor” e avisa-nos que não devemos considerar nacionalistas “determinados movimentos assim considerados” como o Fascismo, o Nacional-Socialismo, o Rexismo, a Guarda de Ferro, o Falangismo, porque não julgam cada Nação um supremo valor, não professam o culto exclusivo da Nação”. Fundamentada a sua posição, A.J.B. conclui que “de facto, só a Action Francaise e o Integralismo Lusitano são autênticos nacionalismos”. Deixando de lado, por motivos óbvios, o movimento francês a que Maurras emprestou todo o vigor do seu pensamento, fixemo-nos então no Integralismo Lusitano. Para este “a nação é também a nação real, formada no decorrer da história, a terra dos antepassados, sem dúvida, mas sobretudo, aquela totalidade espiritual, aquele génio comum que é legado pelo passado e que importa respeitar e continuar”; o Nacionalismo, para o autor do ensaio já referido, é a atitude dos que colocam, acima de tudo, a Nação concreta tal qual a história a faz aparecer, na medida em que consideram que nela está aquela ordem maximamente universal que a vontade dos homens hoje em dia, e de futuro, tem possibilidade de erguer. Antes de passar às consequências da opção nacionalista, A.J.B. deixa-nos um esclarecimento: “Não está excluído que outros movimentos, que não proclamam colocar a nação acima de tudo, e que, por isso, num sentido formal, não podem ser considerados nacionalistas, coincidam em cheio com o nacionalismo, designando através de uma óptica diversa precisamente o mesmo ideal”. Anotação preciosa esta, que dissipará, estamos certos, algumas dúvidas; por outras palavras: a oposição entre nacionalismo e outras concepções políticas só será irredutível se estas defenderem ideais cuja substância se oponha, de forma absoluta, ao conceito de nação, devendo ser identificadas e combatidas as ideologias “que ponham em perigo a existência mesma da nação”. O que deve então ser combatido? Trataremos o assunto de forma a destacar o essencial.
Em primeiro lugar, o nacionalismo combate o liberalismo. “O liberalismo, na justa definição de Croce, é a religião da liberdade. O Nacionalismo é o culto da Nação concreta e real, enquanto expressão da universalidade, e, assim, colocada na posição de ideal máximo; ora a religião da liberdade, por princípio, tem de considerar legítimos quaisquer actos, quaisquer atitudes, produtos dessa mesma liberdade e nessa medida autoriza, legitima e permite todos os actos livremente cometidos contra a nação (…)”.
Em segundo lugar o nacionalismo é anti-individualista: “se a nação real, que consiste numa herança determinada, um património moral comum que cada um de nós deve respeitar, continuar e fazer durar, e, representa o valor supremo, parece evidente que os indivíduos ou pessoas têm de subordinar-se inteiramente à nação”.
Em terceiro lugar o Nacionalismo é anti-democrático, porque a democracia não passa “de uma ampliação do erro liberal e individualista estendido, depois, ao conjunto das pessoa, à multidão”. Depois, o Nacionalismo é claramente contra os partidos, ou porque são desnecessários ou porque são perniciosos; infelizmente, não podemos desenvolver aqui as considerações do professor Brito tendentes a demonstrar esta opção, mas já podemos deduzir que o nacionalismo é anti-liberal, anti-democrático, anti-individualista e anti-partidarista; era essencial que isto fosse dito e que quem o dissesse possuísse a cultura e o vigor mental para nos convencer.
É claro que há quem não goste do Nacionalismo e entre essa gente esteve Sua Excelência Reverendíssima o Bispo do Porto, D. António Ferreira Gomes, o tal de quem Salazar terá dito que “tinha cultura demais para a sua inteligência”, o tal que, pelo seu democratismo e anti-nacionalismo mereceu ser condecorado com a Ordem da Liberdade, exactamente a mesma que sobressai no peito altaneiro de Palma Inácio. D. António, como se sabe, escreveu uma carta ao Presidente do Conselho com disparates em cascata, carta da qual viria a retractar-se, circunstância que ninguém referiu nos meios eclesiásticos ou democráticos. Mas referiu-o o Prof. Herlânder Duarte no seu livro “Salazar e a Santa Igreja”, para cujo capítulo III remetemos os ouvintes, já que as opiniões do Bispo não merecem atenção especial. Deixemo-lo em paz, até por caridade.
(continua num próximo post)
Etiquetas: Engº Francisco Ferro, socialismo
2003/09/25
NACIONALISMO E DEMOCRACIA: SÍNTESE POSSÍVEL? (II)
Comunicação ao I Congresso Nacionalista Português - Lisboa, 13 e 14 de Outubro de 2001
Eng.º Francisco Ferro
2. Democracia: as definições possíveis
Afinal, meus senhores, em que consiste a Democracia, não aquela que Aristóteles definiu, de acordo com o “elemento portador da soberania”, como o regime em que o poder “reside em todos os membros da comunidade” mas sim a democracia de hoje? O que nos interessa agora não é o esquema aristotélico (sem embargo de constituir uma referência histórica) – monarquia, aristocracia e democracia – mas antes os princípios fundamentais que caracterizam a democracia actual, ou seja a democracia liberal e parlamentar que vigora no Ocidente, que exalta e defende os “imortais princípios” da Revolução Francesa e assenta em meia dúzia (ou pouco mais) de ideias base. São estas que vou indicar, de início, citando um pequeno trabalho que escrevi em 1995 e está publicado no livro “Salazar sem máscaras”:
a) a soberania reside no povo, entendendo por povo o conjunto de pessoas às quais o Estado reconhece capacidade eleitoral;
b) o instrumento utilizado para se conhecer a vontade do povo soberano é o voto, expresso através do sufrágio universal individualista;
c) todos os votos são iguais e têm o mesmo peso, residindo aqui o que Mussolini chamava “a absurda mentira do igualitarismo político”,
d) a democracia reconhece o pluralismo da sociedade e este manifesta-se na existência de “partidos políticos” teoricamente tantos quantas as correntes de opinião. No contexto ocidental, não há democracia sem partidos;
e) o poder deve ser exercido pelo partido ou coligação deles, que obtiver maioria dos votos, mesmo que a abstenção exceda 50% dos eleitores inscritos;
f) é reconhecido o direito à greve como forma de defesa do direito dos trabalhadores;
g) a validade do sistema é universal e não há nenhum melhor, independentemente dos povos a que se aplica e das suas tradições, crenças, culturas e níveis de desenvolvimento;
h) não existem regras éticas ou morais invioláveis: tudo o que a maioria aprova é “bom”, mesmo que seja péssimo; tudo o que a maioria reprova é “mau”, mesmo que respeitador dos sentimentos mais profundos do tal “povo soberano”. Tudo o mais é secundário ou acessório: isto é a democracia e só ela defende a liberdade, garante a justiça e promove a solidariedade, embora se saiba que todas as formas de organização do poder político assumem tais objectivos e haja muitas democracias onde estes valores não são respeitados.
Este é o quadro com que nos deparamos e as características apontadas não podem ser desmentidas: estão aí à vista de todos, na Europa de Maastricht ou Amsterdão e da que se prepara para nela entrar, nos Estados Unidos e no Canadá, também no Japão, certamente com diferenças mas sem negação dos princípios enunciados. Há, no entanto, outros entendimentos da Democracia, com o mérito de terem sido enunciados por grandes figuras que escreveram sobre a Política – a Política com letra grande e não este “salve-se quem puder” em que infelizmente vivemos. Vejamos alguns.
Que tal começar por Fernando Pessoa? O genial poeta da “Mensagem” definia-se a si mesmo como “um nacionalista místico, um sebastianista racional”1.
Concretizando o seu pensamento, Pessoa define a Democracia através de três características: o sufrágio, o liberalismo e o pacifismo, para concluir que o sufrágio não passa de uma burla, que o liberalismo não é uma solução adequada e que o pacifismo lhe permite considerar a Democracia como “radicalmente inimiga do sentimento patriótico, radicalmente anti?patriótica e antinacional”.
Pessoa escreveu há muitos anos, as alterações que o mundo sofreu foram imensas, mas a sua crítica deve ser objecto de observação rigorosa pois entendemos que mantém uma grande actualidade, por um lado, e, por outro, fica-nos a satisfação de verificar que os tais princípios apresentados inicialmente não foram objecto de nenhuma contestação. Ter Pessoa do nosso lado (do lado nacionalista) é importante e verificar que não acredita na bondade das bases democráticas reforça as posições dos que partilham esse ponto de vista; claro que Pessoa é um Poeta e ele mesmo declarou que “o poeta é um fingidor” não sendo de admirar que os democratas rejeitem a sua análise. Mas terão esses democratas, que têm passado a vida a enganar os povos que governam e até às vezes lhes falta a capacidade para fingir, alguma autoridade moral para pôr restrições aos juízos de quem quer que seja? Acreditamos que não. Mas há muitos testemunhos de enorme valia. As limitações de tempo levam-nos a encurtar as citações, e teremos que diminuir o número de outros depoimentos.
Vamos lembrar agora algumas considerações de António Sardinha, também ele poeta mas, para além disso, doutrinador político da melhor água, figura cimeira do Integralismo Lusitano, expoente difícil de igualar do Nacionalismo Português.
Escolhemos algumas frases capitais, colhidas sem nenhuma sistematização rigorosa em livros como “A Prol do Comum”, “Durante a Fogueira”, “Na feira dos mitos”, todas retiradas de um trabalho de selecção (mas também de esclarecimento), organizado por Alberto Araújo Lima, ele próprio nosso camarada na divulgação dos ideais nacionalistas. Vamos a isso.
- “A democracia é, consequentemente, o regime das lutas internas permanentes, em que os argentários predominam com a corrupção arvorada em arma do triunfo”.
- “A democracia é o estado inorgânico duma sociedade primária ou, na hipótese pior, a queda irremediável de uma civilização já sem estímulo de vida...”
- “São as democracias impotentes, por pecado original, para solucionar a crise que geraram com o seu advento. O duelo do Trabalho com o Capitalismo testemunha-o claramente. A liberdade política é um embuste com que se desvirtuam e se sofismam as reclamações inalienáveis dos que produzem e nada conseguem. Não é de liberdade política que se trata. Trata-se mas é de liberdade económica. A liberdade económica, pela sua própria índole, é incompatível com os sistemas parlamentares, que importam, como consequência, as oligarquias políticas e financeiras que atiraram a Europa para a guerra e nela a mantêm. É imperioso apear o Capital do seu poderio abusivo para o tornar num acessório dos dois factores que naturalmente o antecedem – a Terra e a Produção. Exterminando a supremacia dos argentários e o cosmopolitismo da Alta Finança, a sociedade retomará, pela emancipação económica, o caminho perdido das antigas liberdades, cujo consistia somente num vigoroso espírito associativo (...)”
- Sendo contra os princípios funestos da Revolução Francesa, nós somos necessariamente contra a organização económica da sociedade moderna. O Trabalho e a Propriedade sofreram com a obra da revolução a influência de uma nova ordem de coisas, donde deriva imediatamente a crise que a todos nos toca e que escurece o horizonte com tão cerradas interrogações. O proletário, que nós vemos enfeudado ao cortejo dos agitadores políticos, deve à democracia a sua situação miseranda; a desorganização individualista da revolução aboliu os quadros corporativos em que o Trabalho se protegia e defendia dos acasos da concorrência em que o trabalho deixou o produtor entregue ao arbítrio da plutocracia, que é sem dúvida a única e verdadeira criação do espírito revolucionário. Enganam-se os humildes se nas promessas falaciosas do erro democrático supõem encontrar a realização das suas reivindicações justíssimas! Um século inteiro de experiências dolorosas mostra-nos que nunca a sorte das classes pobres pode ser tratada e minorada pelos governos saídos do voto, que são estruturalmente governos sujeitos, por defeito de origem, à venalidade e à corrupção.
Já chega. Monárquico, anti-democrata e por isso inimigo dos princípios revolucionários de 89, também Sardinha não confiava no sufrágio universal e defendia um sistema orgânico e corporativo. Morreu muito novo, no início de 1925, e não chegou a ver concretizadas algumas das suas aspirações, mesmo essas perdidas com a Revolução de Abril. É interessante verificar como a sua crítica feroz ao domínio da alta finança é uma visão profética do que se passa hoje com a gestão do socialismo dito democrático onde o dinheiro é quem tudo manda, e também com a corrupção que as instituições permitem ou fingem não ver, a bem do consenso e do diálogo; e é igualmente interessante notar como os democratas que se sentam agora na cadeira do poder criticavam o predomínio dos grandes grupos económicos no Regime anterior (embora tivessem obrigação de saber que o Presidente do Conselho os metia na ordem quando o exigisse o interesse nacional) e agora se calam perante o ressurgir de novos grupos, mais poderosos e mais influentes junto do governo, escudados na competitividade exigida pela União Europeia. Mas nós somos competitivos em quê, a não ser na incapacidade de nos sabermos governar?
Vai longo este texto, o tempo aperta, há muito para dizer ainda, mas não queria deixar de referir, para evitar ser acusado de sectário, a célebre frase de Churchill sobre a Democracia: “A democracia é o pior dos sistemas com excepção de todos os outros”. Devo dizer honestamente que, com grande compreensão pelo dito do chamado “leão britânico”, a frase se resume a uma meia verdade. De facto, depende das circunstâncias e dos países que a democracia, apesar de reconhecidamente péssima, seja sempre melhor que qualquer outro sistema; assim, não pode ser negado que foi Ataturk – que não era democrata – o pai da Turquia moderna e fez melhor que os seus antecessores mais ou menos democráticos; não pode também ser negado que o salazarismo – que não era democrático – serviu Portugal em nível substancialmente superior ao da I República, democrática e maçónica; está igualmente provado que o generalíssimo Franco – que não era democrata – fez da Espanha a 8ª potência industrial do mundo, proporcionou o aparecimento de uma sólida classe média e seria perfeitamente estúpido comparar a sua gestão governativa à do Sr. Manuel Azaña; por fim, a noção de autoridade e justicialismo introduzida na Argentina por Peron – que não era democrata, mas sim grande admirador de Mussolini – deu àquele país uma independência e uma liberdade de movimentos até então desconhecidas. Podia ainda falar em Pinochet e na recuperação económica do Chile, arruinado até ao extremo pelo democratíssimo Allende, mas não o farei pois não desejo ferir alguns ouvidos porventura sensíveis.
Resumindo: a presunção de que a democracia, em qualquer tempo e condicionalismo, é sempre melhor que qualquer outro regime, não passa de uma imbecilidade manifesta: até um capitão de Abril sabe que é problemático aplicar o regime que vigora na Inglaterra à Somália, ou impor o modelo democrático nórdico a Bornéu ou ao Afeganistão. A validade universal da democracia nunca foi provada até hoje e as probabilidades de isso acontecer são baixíssimas: não só a democracia não é um facto científico (como as leis da mecânica celeste ou da gravitação universal), nem a história tem demonstrado a existência de regimes universais. Bem pelo contrário. Muito mais modesto que Churchill, o filósofo Norberto Bobbio contenta-se em verificar que a democracia é “um sistema melhor do que aqueles que o precederam e lhe sucederam até ao momento”; perante esta contenção, apetece-nos dizer que a humildade nunca fez mal a ninguém, sem prejuízo da afirmação de Bobbio ser, também ela, altamente discutível, como anteriormente se procurou justificar.
_____________________________
1. Todas as referências a Fernando Pessoa são retiradas do livro “Fernando Pessoa, o antidemocrata pagão” da autoria de Ruy Miguel, edição da “Nova Arrancada” de Janeiro de 1999.
(continua num próximo post)
Eng.º Francisco Ferro
2. Democracia: as definições possíveis
Afinal, meus senhores, em que consiste a Democracia, não aquela que Aristóteles definiu, de acordo com o “elemento portador da soberania”, como o regime em que o poder “reside em todos os membros da comunidade” mas sim a democracia de hoje? O que nos interessa agora não é o esquema aristotélico (sem embargo de constituir uma referência histórica) – monarquia, aristocracia e democracia – mas antes os princípios fundamentais que caracterizam a democracia actual, ou seja a democracia liberal e parlamentar que vigora no Ocidente, que exalta e defende os “imortais princípios” da Revolução Francesa e assenta em meia dúzia (ou pouco mais) de ideias base. São estas que vou indicar, de início, citando um pequeno trabalho que escrevi em 1995 e está publicado no livro “Salazar sem máscaras”:
a) a soberania reside no povo, entendendo por povo o conjunto de pessoas às quais o Estado reconhece capacidade eleitoral;
b) o instrumento utilizado para se conhecer a vontade do povo soberano é o voto, expresso através do sufrágio universal individualista;
c) todos os votos são iguais e têm o mesmo peso, residindo aqui o que Mussolini chamava “a absurda mentira do igualitarismo político”,
d) a democracia reconhece o pluralismo da sociedade e este manifesta-se na existência de “partidos políticos” teoricamente tantos quantas as correntes de opinião. No contexto ocidental, não há democracia sem partidos;
e) o poder deve ser exercido pelo partido ou coligação deles, que obtiver maioria dos votos, mesmo que a abstenção exceda 50% dos eleitores inscritos;
f) é reconhecido o direito à greve como forma de defesa do direito dos trabalhadores;
g) a validade do sistema é universal e não há nenhum melhor, independentemente dos povos a que se aplica e das suas tradições, crenças, culturas e níveis de desenvolvimento;
h) não existem regras éticas ou morais invioláveis: tudo o que a maioria aprova é “bom”, mesmo que seja péssimo; tudo o que a maioria reprova é “mau”, mesmo que respeitador dos sentimentos mais profundos do tal “povo soberano”. Tudo o mais é secundário ou acessório: isto é a democracia e só ela defende a liberdade, garante a justiça e promove a solidariedade, embora se saiba que todas as formas de organização do poder político assumem tais objectivos e haja muitas democracias onde estes valores não são respeitados.
Este é o quadro com que nos deparamos e as características apontadas não podem ser desmentidas: estão aí à vista de todos, na Europa de Maastricht ou Amsterdão e da que se prepara para nela entrar, nos Estados Unidos e no Canadá, também no Japão, certamente com diferenças mas sem negação dos princípios enunciados. Há, no entanto, outros entendimentos da Democracia, com o mérito de terem sido enunciados por grandes figuras que escreveram sobre a Política – a Política com letra grande e não este “salve-se quem puder” em que infelizmente vivemos. Vejamos alguns.
Que tal começar por Fernando Pessoa? O genial poeta da “Mensagem” definia-se a si mesmo como “um nacionalista místico, um sebastianista racional”1.
Concretizando o seu pensamento, Pessoa define a Democracia através de três características: o sufrágio, o liberalismo e o pacifismo, para concluir que o sufrágio não passa de uma burla, que o liberalismo não é uma solução adequada e que o pacifismo lhe permite considerar a Democracia como “radicalmente inimiga do sentimento patriótico, radicalmente anti?patriótica e antinacional”.
Pessoa escreveu há muitos anos, as alterações que o mundo sofreu foram imensas, mas a sua crítica deve ser objecto de observação rigorosa pois entendemos que mantém uma grande actualidade, por um lado, e, por outro, fica-nos a satisfação de verificar que os tais princípios apresentados inicialmente não foram objecto de nenhuma contestação. Ter Pessoa do nosso lado (do lado nacionalista) é importante e verificar que não acredita na bondade das bases democráticas reforça as posições dos que partilham esse ponto de vista; claro que Pessoa é um Poeta e ele mesmo declarou que “o poeta é um fingidor” não sendo de admirar que os democratas rejeitem a sua análise. Mas terão esses democratas, que têm passado a vida a enganar os povos que governam e até às vezes lhes falta a capacidade para fingir, alguma autoridade moral para pôr restrições aos juízos de quem quer que seja? Acreditamos que não. Mas há muitos testemunhos de enorme valia. As limitações de tempo levam-nos a encurtar as citações, e teremos que diminuir o número de outros depoimentos.
Vamos lembrar agora algumas considerações de António Sardinha, também ele poeta mas, para além disso, doutrinador político da melhor água, figura cimeira do Integralismo Lusitano, expoente difícil de igualar do Nacionalismo Português.
Escolhemos algumas frases capitais, colhidas sem nenhuma sistematização rigorosa em livros como “A Prol do Comum”, “Durante a Fogueira”, “Na feira dos mitos”, todas retiradas de um trabalho de selecção (mas também de esclarecimento), organizado por Alberto Araújo Lima, ele próprio nosso camarada na divulgação dos ideais nacionalistas. Vamos a isso.
- “A democracia é, consequentemente, o regime das lutas internas permanentes, em que os argentários predominam com a corrupção arvorada em arma do triunfo”.
- “A democracia é o estado inorgânico duma sociedade primária ou, na hipótese pior, a queda irremediável de uma civilização já sem estímulo de vida...”
- “São as democracias impotentes, por pecado original, para solucionar a crise que geraram com o seu advento. O duelo do Trabalho com o Capitalismo testemunha-o claramente. A liberdade política é um embuste com que se desvirtuam e se sofismam as reclamações inalienáveis dos que produzem e nada conseguem. Não é de liberdade política que se trata. Trata-se mas é de liberdade económica. A liberdade económica, pela sua própria índole, é incompatível com os sistemas parlamentares, que importam, como consequência, as oligarquias políticas e financeiras que atiraram a Europa para a guerra e nela a mantêm. É imperioso apear o Capital do seu poderio abusivo para o tornar num acessório dos dois factores que naturalmente o antecedem – a Terra e a Produção. Exterminando a supremacia dos argentários e o cosmopolitismo da Alta Finança, a sociedade retomará, pela emancipação económica, o caminho perdido das antigas liberdades, cujo consistia somente num vigoroso espírito associativo (...)”
- Sendo contra os princípios funestos da Revolução Francesa, nós somos necessariamente contra a organização económica da sociedade moderna. O Trabalho e a Propriedade sofreram com a obra da revolução a influência de uma nova ordem de coisas, donde deriva imediatamente a crise que a todos nos toca e que escurece o horizonte com tão cerradas interrogações. O proletário, que nós vemos enfeudado ao cortejo dos agitadores políticos, deve à democracia a sua situação miseranda; a desorganização individualista da revolução aboliu os quadros corporativos em que o Trabalho se protegia e defendia dos acasos da concorrência em que o trabalho deixou o produtor entregue ao arbítrio da plutocracia, que é sem dúvida a única e verdadeira criação do espírito revolucionário. Enganam-se os humildes se nas promessas falaciosas do erro democrático supõem encontrar a realização das suas reivindicações justíssimas! Um século inteiro de experiências dolorosas mostra-nos que nunca a sorte das classes pobres pode ser tratada e minorada pelos governos saídos do voto, que são estruturalmente governos sujeitos, por defeito de origem, à venalidade e à corrupção.
Já chega. Monárquico, anti-democrata e por isso inimigo dos princípios revolucionários de 89, também Sardinha não confiava no sufrágio universal e defendia um sistema orgânico e corporativo. Morreu muito novo, no início de 1925, e não chegou a ver concretizadas algumas das suas aspirações, mesmo essas perdidas com a Revolução de Abril. É interessante verificar como a sua crítica feroz ao domínio da alta finança é uma visão profética do que se passa hoje com a gestão do socialismo dito democrático onde o dinheiro é quem tudo manda, e também com a corrupção que as instituições permitem ou fingem não ver, a bem do consenso e do diálogo; e é igualmente interessante notar como os democratas que se sentam agora na cadeira do poder criticavam o predomínio dos grandes grupos económicos no Regime anterior (embora tivessem obrigação de saber que o Presidente do Conselho os metia na ordem quando o exigisse o interesse nacional) e agora se calam perante o ressurgir de novos grupos, mais poderosos e mais influentes junto do governo, escudados na competitividade exigida pela União Europeia. Mas nós somos competitivos em quê, a não ser na incapacidade de nos sabermos governar?
Vai longo este texto, o tempo aperta, há muito para dizer ainda, mas não queria deixar de referir, para evitar ser acusado de sectário, a célebre frase de Churchill sobre a Democracia: “A democracia é o pior dos sistemas com excepção de todos os outros”. Devo dizer honestamente que, com grande compreensão pelo dito do chamado “leão britânico”, a frase se resume a uma meia verdade. De facto, depende das circunstâncias e dos países que a democracia, apesar de reconhecidamente péssima, seja sempre melhor que qualquer outro sistema; assim, não pode ser negado que foi Ataturk – que não era democrata – o pai da Turquia moderna e fez melhor que os seus antecessores mais ou menos democráticos; não pode também ser negado que o salazarismo – que não era democrático – serviu Portugal em nível substancialmente superior ao da I República, democrática e maçónica; está igualmente provado que o generalíssimo Franco – que não era democrata – fez da Espanha a 8ª potência industrial do mundo, proporcionou o aparecimento de uma sólida classe média e seria perfeitamente estúpido comparar a sua gestão governativa à do Sr. Manuel Azaña; por fim, a noção de autoridade e justicialismo introduzida na Argentina por Peron – que não era democrata, mas sim grande admirador de Mussolini – deu àquele país uma independência e uma liberdade de movimentos até então desconhecidas. Podia ainda falar em Pinochet e na recuperação económica do Chile, arruinado até ao extremo pelo democratíssimo Allende, mas não o farei pois não desejo ferir alguns ouvidos porventura sensíveis.
Resumindo: a presunção de que a democracia, em qualquer tempo e condicionalismo, é sempre melhor que qualquer outro regime, não passa de uma imbecilidade manifesta: até um capitão de Abril sabe que é problemático aplicar o regime que vigora na Inglaterra à Somália, ou impor o modelo democrático nórdico a Bornéu ou ao Afeganistão. A validade universal da democracia nunca foi provada até hoje e as probabilidades de isso acontecer são baixíssimas: não só a democracia não é um facto científico (como as leis da mecânica celeste ou da gravitação universal), nem a história tem demonstrado a existência de regimes universais. Bem pelo contrário. Muito mais modesto que Churchill, o filósofo Norberto Bobbio contenta-se em verificar que a democracia é “um sistema melhor do que aqueles que o precederam e lhe sucederam até ao momento”; perante esta contenção, apetece-nos dizer que a humildade nunca fez mal a ninguém, sem prejuízo da afirmação de Bobbio ser, também ela, altamente discutível, como anteriormente se procurou justificar.
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1. Todas as referências a Fernando Pessoa são retiradas do livro “Fernando Pessoa, o antidemocrata pagão” da autoria de Ruy Miguel, edição da “Nova Arrancada” de Janeiro de 1999.
(continua num próximo post)
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2003/09/24
NACIONALISMO E DEMOCRACIA: SÍNTESE POSSÍVEL? (I)
Comunicação ao I Congresso Nacionalista Português - Lisboa, 13 e 14 de Outubro de 2001
Engº Francisco Ferro
1. Introdução
Há várias décadas, em plena guerra do Ultramar, o Chefe do Governo Português pronunciou um discurso com o objectivo de explicar ao mundo em que consistia a nossa política (em especial a ultramarina) e sintetizou o que se propunha dizer nesta frase: “vamos lá a ver se nos entendemos”. É uma peça notável de oratória política em que o domínio da linguagem foi posto ao serviço dos valores e das raízes de que todos nos orgulhamos; ninguém esperará por isso que um vulgaríssimo observador do que se passa nesta “nesga de terra debruada de mar”, como escreveu Miguel Torga, faça algo de semelhante: se citei esse texto admirável foi apenas porque os motivos que me levam a falar-vos hoje e as razões que me assistem para dizer o que digo se baseiam igualmente nessa ideia nuclear de nos entendermos sobre essas palavras, mil vezes repetidas, de Nacionalismo e de Democracia; o que significam para além das roupagens com que as vestem os admiradores e os adversários; finalmente o que devemos pensar de uma eventual aliança entre os dois conceitos que uns defendem como um imperativo da hora presente e outros combatem em nome da nossa honra, do nosso caracter e da necessidade de preservar acima de tudo a integridade e soberania da Nação. Nação que nos cumpre transmitir aos nossos filhos mais forte, mais próspera, mais consciente do que devemos aos mortos que a construíram e engrandeceram com o seu sacrifício e, sobretudo, menos dependente de decisões alheias aos nossos interesses e às quais, não raro, nos temos vindo a submeter progressivamente.
Não antecipo conclusões, embora os poucos que me conhecem as possam imaginar; de resto, o que verdadeiramente importa não são as minhas conclusões mas principalmente as vossas, das quais me permito destacar as da juventude que me ouve e a quem compete a árdua missão de continuar Portugal. Por isso mesmo, e porque ela não pode ser enganada por modas efémeras ou fundamentalismos irracionais, é que estas considerações (que desejo tão breves quanto possível) terão como fundamento quando se justifique testemunhos de gente que através do estudo, da meditação e da intervenção activa no campo do pensamento ou da vida pública se tornou exemplo de referência e conquistou o respeito de todos nós. Não vos peço que concordem comigo; peço simplesmente que ouçam com espírito crítico mas aberto quem não comunga do “politicamento correcto” e só aspira a que saiam daqui mais esclarecidos e mais preparados para os terríveis combates que se avizinham. Oxalá o consiga. Como disse alguém, “a grande divisão, o inultrapassável abismo, será entre os que servem a Pátria e os que a negam”. Estou seguro de que ninguém desejará estar na última trincheira, mesmo que haja palavras sedutoras e habilmente utilizadas pelos nossos inimigos para nos convencerem de que tudo é discutível e tudo pode ser posto em causa em nome dos “ventos da história” ou dos ventos da demagogia. Vamos então, a ver se nos entendemos.
(continuação num próximo post)
Engº Francisco Ferro
1. Introdução
Há várias décadas, em plena guerra do Ultramar, o Chefe do Governo Português pronunciou um discurso com o objectivo de explicar ao mundo em que consistia a nossa política (em especial a ultramarina) e sintetizou o que se propunha dizer nesta frase: “vamos lá a ver se nos entendemos”. É uma peça notável de oratória política em que o domínio da linguagem foi posto ao serviço dos valores e das raízes de que todos nos orgulhamos; ninguém esperará por isso que um vulgaríssimo observador do que se passa nesta “nesga de terra debruada de mar”, como escreveu Miguel Torga, faça algo de semelhante: se citei esse texto admirável foi apenas porque os motivos que me levam a falar-vos hoje e as razões que me assistem para dizer o que digo se baseiam igualmente nessa ideia nuclear de nos entendermos sobre essas palavras, mil vezes repetidas, de Nacionalismo e de Democracia; o que significam para além das roupagens com que as vestem os admiradores e os adversários; finalmente o que devemos pensar de uma eventual aliança entre os dois conceitos que uns defendem como um imperativo da hora presente e outros combatem em nome da nossa honra, do nosso caracter e da necessidade de preservar acima de tudo a integridade e soberania da Nação. Nação que nos cumpre transmitir aos nossos filhos mais forte, mais próspera, mais consciente do que devemos aos mortos que a construíram e engrandeceram com o seu sacrifício e, sobretudo, menos dependente de decisões alheias aos nossos interesses e às quais, não raro, nos temos vindo a submeter progressivamente.
Não antecipo conclusões, embora os poucos que me conhecem as possam imaginar; de resto, o que verdadeiramente importa não são as minhas conclusões mas principalmente as vossas, das quais me permito destacar as da juventude que me ouve e a quem compete a árdua missão de continuar Portugal. Por isso mesmo, e porque ela não pode ser enganada por modas efémeras ou fundamentalismos irracionais, é que estas considerações (que desejo tão breves quanto possível) terão como fundamento quando se justifique testemunhos de gente que através do estudo, da meditação e da intervenção activa no campo do pensamento ou da vida pública se tornou exemplo de referência e conquistou o respeito de todos nós. Não vos peço que concordem comigo; peço simplesmente que ouçam com espírito crítico mas aberto quem não comunga do “politicamento correcto” e só aspira a que saiam daqui mais esclarecidos e mais preparados para os terríveis combates que se avizinham. Oxalá o consiga. Como disse alguém, “a grande divisão, o inultrapassável abismo, será entre os que servem a Pátria e os que a negam”. Estou seguro de que ninguém desejará estar na última trincheira, mesmo que haja palavras sedutoras e habilmente utilizadas pelos nossos inimigos para nos convencerem de que tudo é discutível e tudo pode ser posto em causa em nome dos “ventos da história” ou dos ventos da demagogia. Vamos então, a ver se nos entendemos.
(continuação num próximo post)
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2003/09/22
O Papa Pio XII um Grande Estadista? A Igreja, Mestra na Arte de Governar?
Alguém me perguntou, um dia destes, porque não considerei PIO XII entre os grandes governantes do séc. XX que podem ser considerados modelos de estadistas (v. post de 2003/09/12).
Respondi: – Lamento muito. Lapso meu!
Vou tentar explicar porque penso ter cometido um erro lamentável.
O papa Pio XII foi um estadista, não tanto porque dirigia um Estado, embora pequeno, mas porque, como Chefe Supremo da Igreja, uma organização à escala universal, exerceu uma grande influência nos assuntos mundiais, o que o tornava ouvido e considerado pelos homens de Estado mais importantes e lhe permitiu influenciar opções políticas, ou com efeitos políticos, de muitos milhões de católicos, entre eles incontáveis católicos governantes dos mais importantes Estados em todo o Mundo.
Nestes termos, sim, Pio XII — Papa de 1939 a 1958 — foi, na verdade, um estadista e mesmo um dos maiores ou mais influentes estadistas do séc. XX, grande particularmente pela acuidade e profundidade da sua visão da ordem política mundial.
É que — só com os meios citados de que dispunha — pôde exercer uma influência enorme, absolutamente determinante do desenho do mundo que se foi construindo no pós – Guerra Mundial de 1939-45.
Graças também à herança do seu antecessor Pio XI, o criador da Acção Católica e signatário do Pacto de Latrão com Benito Mussolini, Pio XII soube iniciar a mobilização dos católicos para a resistência à ameaça comunista na Europa e no Mundo, tornada evidente para todos por factos tão graves como a chamada “Cortina de Ferro” (1946), o Golpe de Praga (1947), a vitória de Mao-Tse-Tung (1949), a Guerra da Coreia (1951-53), etc.
Nas democracias europeias, de grandes Países europeus — a Itália, a França, a República Federal da Alemanha — mas também a Bélgica e a Holanda, impuseram-se, com o apoio decidido do Papa e da Igreja, os respectivos partidos democratas-cristãos dirigidos por grandes estadistas como Adenauer, Da Gasperi, Schuman, Bidault.
Foram eles, politicamente, os mais importantes factores, nesses Países, da oposição aos grandes partidos comunistas locais que, com os sindicatos comunistas, pareceram, algumas vezes, tornar irresistível a vitória do Comunismo num ou outro daqueles Estados, sobretudo na França e na Itália.
A Guerra Fria — declarada com a Guerra da Coreia — só viria a findar em 1991, trinta e três anos depois da morte de Pio XII. Mas sem dúvida que a firmeza da visão e orientação do Papa, no plano político europeu, foi decisiva para a afirmação e consolidação da frente interna de resistência ao marxismo, principalmente na Europa.
Tanto mais que, nesse tempo, os partidos socialistas seguiam ainda, em muitos casos, políticas ambíguas e nem sequer pensavam em riscar dos seus estatutos e programas a submissão do socialismo às teses da mais pura ortodoxia marxista.
Não admira que muitos ainda hoje não perdoem a Pio XII e à sua memória... Porque, contrariando talvez a linha desses muitos, Pio XII foi um dos maiores dirigentes e inspiradores da resistência ao Comunismo, no terreno político como no domínio da reacção espiritual e ideológica ao marxismo.
Aos olhos de muitos observadores, só um outro grande Papa, João Paulo II, vinte e três anos depois voltou a enfrentar a ameaça do totalitarismo marxista-leninista-estalinista com a mesma firmeza e lucidez, ao dar todo o seu apoio ao sindicato dos metalúrgicos polacos Solidariedade e a toda a luta deste e dos católicos polacos com o governo comunista da Polónia.
Ao fim dessa luta que durou oito anos, até 1989 — João Paulo II era Papa desde 1981 — o destino da Cortina de Ferro estava marcado. Todos os Países dela foram renegando rápida e sucessivamente o Comunismo — em revoltas secretas ou mais ou menos “de veludo” — até que em 1991 ruía a própria URSS.
Não eram apenas Reagan e o alemão Kohl os grandes vencedores máximos da Guerra Fria: havia um terceiro, não menos decisivo que qualquer deles: o Papa João Paulo II (ordenado sacerdote no pontificado de Pio XII).
Mas antes deles houvera muitos outros grandes estadistas e, logo nos primeiros anos da reacção anti-comunista, outro grande Papa , Pio XII.
O meu interlocutor do começo deste “post” tinha razão: omitir Pio XII na lista foi imperdoável.
Espero ter-me redimido.
Mas agora completo: Como a omissão aí de João Paulo II igualmente o foi, imperdoável também.
Só falta responder à outra pergunta do título: A Igreja, mestra na Arte de Governar?
Não tenho dúvida em responder:
E que Mestra!
Louvada seja a Igreja que, em horas decisivas, de riscos extremos, não hesita em “sujar as mãos” nas coisas do governo deste Mundo!
A.C.R.
Respondi: – Lamento muito. Lapso meu!
Vou tentar explicar porque penso ter cometido um erro lamentável.
O papa Pio XII foi um estadista, não tanto porque dirigia um Estado, embora pequeno, mas porque, como Chefe Supremo da Igreja, uma organização à escala universal, exerceu uma grande influência nos assuntos mundiais, o que o tornava ouvido e considerado pelos homens de Estado mais importantes e lhe permitiu influenciar opções políticas, ou com efeitos políticos, de muitos milhões de católicos, entre eles incontáveis católicos governantes dos mais importantes Estados em todo o Mundo.
Nestes termos, sim, Pio XII — Papa de 1939 a 1958 — foi, na verdade, um estadista e mesmo um dos maiores ou mais influentes estadistas do séc. XX, grande particularmente pela acuidade e profundidade da sua visão da ordem política mundial.
É que — só com os meios citados de que dispunha — pôde exercer uma influência enorme, absolutamente determinante do desenho do mundo que se foi construindo no pós – Guerra Mundial de 1939-45.
Graças também à herança do seu antecessor Pio XI, o criador da Acção Católica e signatário do Pacto de Latrão com Benito Mussolini, Pio XII soube iniciar a mobilização dos católicos para a resistência à ameaça comunista na Europa e no Mundo, tornada evidente para todos por factos tão graves como a chamada “Cortina de Ferro” (1946), o Golpe de Praga (1947), a vitória de Mao-Tse-Tung (1949), a Guerra da Coreia (1951-53), etc.
Nas democracias europeias, de grandes Países europeus — a Itália, a França, a República Federal da Alemanha — mas também a Bélgica e a Holanda, impuseram-se, com o apoio decidido do Papa e da Igreja, os respectivos partidos democratas-cristãos dirigidos por grandes estadistas como Adenauer, Da Gasperi, Schuman, Bidault.
Foram eles, politicamente, os mais importantes factores, nesses Países, da oposição aos grandes partidos comunistas locais que, com os sindicatos comunistas, pareceram, algumas vezes, tornar irresistível a vitória do Comunismo num ou outro daqueles Estados, sobretudo na França e na Itália.
A Guerra Fria — declarada com a Guerra da Coreia — só viria a findar em 1991, trinta e três anos depois da morte de Pio XII. Mas sem dúvida que a firmeza da visão e orientação do Papa, no plano político europeu, foi decisiva para a afirmação e consolidação da frente interna de resistência ao marxismo, principalmente na Europa.
Tanto mais que, nesse tempo, os partidos socialistas seguiam ainda, em muitos casos, políticas ambíguas e nem sequer pensavam em riscar dos seus estatutos e programas a submissão do socialismo às teses da mais pura ortodoxia marxista.
Não admira que muitos ainda hoje não perdoem a Pio XII e à sua memória... Porque, contrariando talvez a linha desses muitos, Pio XII foi um dos maiores dirigentes e inspiradores da resistência ao Comunismo, no terreno político como no domínio da reacção espiritual e ideológica ao marxismo.
Aos olhos de muitos observadores, só um outro grande Papa, João Paulo II, vinte e três anos depois voltou a enfrentar a ameaça do totalitarismo marxista-leninista-estalinista com a mesma firmeza e lucidez, ao dar todo o seu apoio ao sindicato dos metalúrgicos polacos Solidariedade e a toda a luta deste e dos católicos polacos com o governo comunista da Polónia.
Ao fim dessa luta que durou oito anos, até 1989 — João Paulo II era Papa desde 1981 — o destino da Cortina de Ferro estava marcado. Todos os Países dela foram renegando rápida e sucessivamente o Comunismo — em revoltas secretas ou mais ou menos “de veludo” — até que em 1991 ruía a própria URSS.
Não eram apenas Reagan e o alemão Kohl os grandes vencedores máximos da Guerra Fria: havia um terceiro, não menos decisivo que qualquer deles: o Papa João Paulo II (ordenado sacerdote no pontificado de Pio XII).
Mas antes deles houvera muitos outros grandes estadistas e, logo nos primeiros anos da reacção anti-comunista, outro grande Papa , Pio XII.
O meu interlocutor do começo deste “post” tinha razão: omitir Pio XII na lista foi imperdoável.
Espero ter-me redimido.
Mas agora completo: Como a omissão aí de João Paulo II igualmente o foi, imperdoável também.
Só falta responder à outra pergunta do título: A Igreja, mestra na Arte de Governar?
Não tenho dúvida em responder:
E que Mestra!
Louvada seja a Igreja que, em horas decisivas, de riscos extremos, não hesita em “sujar as mãos” nas coisas do governo deste Mundo!
A.C.R.
Etiquetas: João Paulo II, socialismo