<$BlogRSDUrl$>

2010/06/30

Engº Francisco Ferro 

Manuel Brás

Surpreendeu, seguramente, a todos quantos o conheciam o seu falecimento no passado dia 25 de Junho. O AVC que o vitimou não lhe permitiu mais do que umas derradeiras horas de vida.

É sempre duro ver partir um amigo, alguém com quem se colaborou nisto ou naquilo, sobretudo de um dia para o outro, sem mais avisos.

Mas a vida é mesmo assim. Num dia está-se bem e no seguinte não sabemos.

Da pessoa e da personalidade que conheci do Engº Francisco Ferro, devo destacar a sua frontalidade e clareza em matéria de ideias políticas, de Pátria, de Nação e, em geral, de serviço a Portugal, que ele próprio encarnou como exemplo vivo.

Foi um combatente da Pátria, da Nação, de Portugal e por Portugal. Sem ser militar, nem ter uniforme, foi na verdade um soldado político, que não precisou de aparelhos, máquinas políticas ou subsídios para intervir: bastou-lhe a convicção e a responsabilidade nunca lhe faltou.

Intervenção pela palavra e pela escrita, pelo esclarecimento dos espíritos sobre o presente e o passado, do séc XX, em que viveu grande parte da sua vida e era um profundo interessado e conhecedor, perante as tentativas de certa ideologia de escrever a História à sua maneira.

Intervenção que se plasmou desde a sua participação em congressos, grupos de reflexão até à escrita de artigos publicados em diversos momentos e suportes.

Além de ter aprendido política com o Engº Francisco Ferro, pelo que lhe estou imensamente grato, une-me a ele e à família uma grande amizade que cresceu ao longo de todos estes anos.

Perante a convicção de que a vida não se acaba, apenas se transforma, mantenho a esperança de que essa amizade não acabará, mas se continua a fortalecer.

Que a sua alma descanse em paz.

Etiquetas:


2003/09/29

NACIONALISMO E DEMOCRACIA: SÍNTESE POSSÍVEL? (IV) 

Comunicação ao I Congresso Nacionalista Português - Lisboa, 13 e 14 de Outubro de 2001

Eng.º Francisco Ferro

4. Apontamentos finais

Caracterizada a Democracia e definido o Nacionalismo, julgo estarmos de posse dos elementos necessários para responder à pergunta decisiva: é possível uma aliança entre os dois conceitos? A resposta é não. Pouco importa que alguns considerem o sufrágio universal a única fonte de legitimidade do poder, o que é falso, porque a maioria não tem a capacidade de criar verdade e não é o número de votos, qualquer que seja a sua expressão, que torna o poder legítimo mas sim o seu exercício, respeitador do interesse nacional, ou desenvolvido no sentido da sua negação; nem importa sequer que outros defendam, aliás com argumentos pouco convincentes, essa aliança espúria como indispensável: os democratas, a nosso ver, devem sim aliar-se aos comunistas, com quem mantêm laços familiares muito fortes; por isso é que vemos o Dr. Mário Soares dar palmadinhas nas costas de Fidel Castro; por isso é que o General Eanes se curvou, comovido, diante dos restos mortais de Josip Broz, mais conhecido por marechal Tito; por isso é que a democracia americana, conduzida por Kennedy, se juntou à União Soviética para nos expulsar das nossa posições africanas; por isso é que o inefável Ceausescu se viu condecorado pelos dirigentes de Abril.
A verdade, a nossa verdade (em política não há uma única verdade, mas há verdades que devemos ter em conta), é outra. A democracia tem no sufrágio universal um pilar insubstituível e o Nacionalismo rejeita-o porque não tem em conta a diferenciação humana; a democracia grita-nos que a soberania reside no povo, considerado como mera soma aritmética dos eleitores inscritos, e o Nacionalismo defende a soberania da Nação, entendida como identidade de destino no plano universal; a democracia é liberal e o Nacionalismo condena sem apelo o liberalismo, cujo culto da liberdade permite, afinal, atitudes e acções dirigidas contra a Nação; a democracia é individualista e o Nacionalismo submete o interesse individual ao interesse colectivo, ou seja, ao interesse da comunidade que representa a Nação; a democracia não pode viver sem os partidos e o Nacionalismo combate-os, porque “a Nação tende irresistivelmente para a unidade e os partidos para a divisão”; finalmente, como já foi dito, o Nacionalismo é, por tudo isto, resolutamente anti-democrático. As contradições entre democracia e Nacionalismo são insanáveis e nenhuma moda, por natureza transitória e efémera, as pode resolver; por outro lado democracia e Portugal não se dão bem: será necessário falar no período 1910-1926 e da política democrática de Afonso Costa? Será necessário escalpelizar aqui as “conquistas” de Abril, a posição subserviente perante Bruxelas, a degradação moral da sociedade, o crescimento galopante da corrupção partidocrática, o desrespeito pela dignidade das Forças Armadas, a descolonização exemplar e outras atitudes de incontroversa gravidade? Julgamos que não; não há sínteses possíveis entre conceitos radicalmente opostos.
Sinto que fui demasiado longo e até me admiro por não me terem já mandado calar, mas não posso concluir esta intervenção sem fazer referência a duas personalidades: Alfredo Pimenta, meu mestre da juventude longínqua a que permaneço fiel, e Salazar, o “criminoso” na linguagem mesquinha dos abrilaicos, a quem devo, em grande parte, o meu orgulho de português. Escreveu Alfredo Pimenta: “A Democracia afoga-nos, subverte-nos, arruina-nos, envenena-nos. Diante dela, a sociedade portuguesa está vencida, sucumbida e morta para toda a energia sã, para toda a acção salvadora. (...) A sociedade portuguesa sofre do uso e abuso da Democracia. Deixaram-se corromper por ela todas as classes, todos os partidos, todas as categorias. A onda democrática bate o seu pleno – desde as mais altas esferas intelectuais até às mais baixas camadas populares. Por isso, a sociedade portuguesa se encontra na fase mais crítica da sua existência, fugindo do poço de lama para que a Democracia arrasta para ir cair no lago de sangue para que a Democracia a atrai”2.
Escreveu Salazar: “Não discutimos a Pátria, quer dizer, a Nação na sua integridade territorial e moral, na sua plena independência, na sua vocação histórica. (...) Deixemos aos filósofos e aos historiadores o entretenimento de alguns devaneios acerca da possibilidade de diferente aglomeração de povos e até das vantagens materiais de outras combinações que a História não criou ou desfez; no terreno político ou social, para nós portugueses que somos de hoje e velhos de oito séculos, não há processo que possa ser revisto, pedaço de soberania ou de terra que nos pese e estejamos dispostos a alijar de cansados ou de cépticos”3.
Tinha de acabar assim, neste momento em que tudo se compra e tudo se vende, menos a nossa alma. Muito obrigado aos que tiveram a paciência de me ouvir.

VIVA PORTUGAL!
_________________________________
2. Acabemos com isto, "A Época", 1924
3. Salazar, Discursos

Etiquetas:


2003/09/26

NACIONALISMO E DEMOCRACIA: SÍNTESE POSSÍVEL? (III) 

Comunicação ao I Congresso Nacionalista Português - Lisboa, 13 e 14 de Outubro de 2001

Engº Francisco Ferro

3. Nacionalismo – uma tentativa de interpretação

Neste ponto procuraremos seguir o notável ensaio do Professor António José de Brito intitulado “Definição e origem do Nacionalismo” e publicado em 1961. Seguir, mas não a par e passo porque nele tudo é importante, mas apenas aspirando a retirar desse documento de alguém que é um exemplo de coerência na sua trajectória política, algumas conclusões que nos parecem de uma lógica impressionante e que consideramos suficientes para justificar o propósito já antes anunciado – averiguar a possibilidade de uma eventual aliança entre Democracia e Nacionalismo ou, ao contrário, concluir pela completa oposição entre os dois conceitos. De resto, para sermos verdadeiros, a resposta está dada nessas páginas para quem as souber ler com atenção e, sobretudo, dada de uma forma clara e inequívoca. A natureza desta comunicação não permite, contudo, colocar em plena luz todas as virtualidades do estudo de A.J.B. e teremos de nos contentar com uma recolha sumária do que nele nos possa ajudar a esclarecer a questão em análise; apesar de tudo vale a pena o esforço se ele contribuir para ajudar os jovens a compreender como o texto do professor nortenho, mesmo com 40 anos, conserva toda a actualidade e pode iluminar o nosso caminho e derrotar alguns artifícios dos habilidosos do costume.

O autor começa por definir Nacionalismo “como a ética para a qual cada Nação, enquanto Nação, é um supremo valor” e avisa-nos que não devemos considerar nacionalistas “determinados movimentos assim considerados” como o Fascismo, o Nacional-Socialismo, o Rexismo, a Guarda de Ferro, o Falangismo, porque não julgam cada Nação um supremo valor, não professam o culto exclusivo da Nação”. Fundamentada a sua posição, A.J.B. conclui que “de facto, só a Action Francaise e o Integralismo Lusitano são autênticos nacionalismos”. Deixando de lado, por motivos óbvios, o movimento francês a que Maurras emprestou todo o vigor do seu pensamento, fixemo-nos então no Integralismo Lusitano. Para este “a nação é também a nação real, formada no decorrer da história, a terra dos antepassados, sem dúvida, mas sobretudo, aquela totalidade espiritual, aquele génio comum que é legado pelo passado e que importa respeitar e continuar”; o Nacionalismo, para o autor do ensaio já referido, é a atitude dos que colocam, acima de tudo, a Nação concreta tal qual a história a faz aparecer, na medida em que consideram que nela está aquela ordem maximamente universal que a vontade dos homens hoje em dia, e de futuro, tem possibilidade de erguer. Antes de passar às consequências da opção nacionalista, A.J.B. deixa-nos um esclarecimento: “Não está excluído que outros movimentos, que não proclamam colocar a nação acima de tudo, e que, por isso, num sentido formal, não podem ser considerados nacionalistas, coincidam em cheio com o nacionalismo, designando através de uma óptica diversa precisamente o mesmo ideal”. Anotação preciosa esta, que dissipará, estamos certos, algumas dúvidas; por outras palavras: a oposição entre nacionalismo e outras concepções políticas só será irredutível se estas defenderem ideais cuja substância se oponha, de forma absoluta, ao conceito de nação, devendo ser identificadas e combatidas as ideologias “que ponham em perigo a existência mesma da nação”. O que deve então ser combatido? Trataremos o assunto de forma a destacar o essencial.

Em primeiro lugar, o nacionalismo combate o liberalismo. “O liberalismo, na justa definição de Croce, é a religião da liberdade. O Nacionalismo é o culto da Nação concreta e real, enquanto expressão da universalidade, e, assim, colocada na posição de ideal máximo; ora a religião da liberdade, por princípio, tem de considerar legítimos quaisquer actos, quaisquer atitudes, produtos dessa mesma liberdade e nessa medida autoriza, legitima e permite todos os actos livremente cometidos contra a nação (…)”.

Em segundo lugar o nacionalismo é anti-individualista: “se a nação real, que consiste numa herança determinada, um património moral comum que cada um de nós deve respeitar, continuar e fazer durar, e, representa o valor supremo, parece evidente que os indivíduos ou pessoas têm de subordinar-se inteiramente à nação”.

Em terceiro lugar o Nacionalismo é anti-democrático, porque a democracia não passa “de uma ampliação do erro liberal e individualista estendido, depois, ao conjunto das pessoa, à multidão”. Depois, o Nacionalismo é claramente contra os partidos, ou porque são desnecessários ou porque são perniciosos; infelizmente, não podemos desenvolver aqui as considerações do professor Brito tendentes a demonstrar esta opção, mas já podemos deduzir que o nacionalismo é anti-liberal, anti-democrático, anti-individualista e anti-partidarista; era essencial que isto fosse dito e que quem o dissesse possuísse a cultura e o vigor mental para nos convencer.

É claro que há quem não goste do Nacionalismo e entre essa gente esteve Sua Excelência Reverendíssima o Bispo do Porto, D. António Ferreira Gomes, o tal de quem Salazar terá dito que “tinha cultura demais para a sua inteligência”, o tal que, pelo seu democratismo e anti-nacionalismo mereceu ser condecorado com a Ordem da Liberdade, exactamente a mesma que sobressai no peito altaneiro de Palma Inácio. D. António, como se sabe, escreveu uma carta ao Presidente do Conselho com disparates em cascata, carta da qual viria a retractar-se, circunstância que ninguém referiu nos meios eclesiásticos ou democráticos. Mas referiu-o o Prof. Herlânder Duarte no seu livro “Salazar e a Santa Igreja”, para cujo capítulo III remetemos os ouvintes, já que as opiniões do Bispo não merecem atenção especial. Deixemo-lo em paz, até por caridade.

(continua num próximo post)

Etiquetas: ,


2003/09/25

NACIONALISMO E DEMOCRACIA: SÍNTESE POSSÍVEL? (II) 

Comunicação ao I Congresso Nacionalista Português - Lisboa, 13 e 14 de Outubro de 2001

Eng.º Francisco Ferro

2. Democracia: as definições possíveis

Afinal, meus senhores, em que consiste a Democracia, não aquela que Aristóteles definiu, de acordo com o “elemento portador da soberania”, como o regime em que o poder “reside em todos os membros da comunidade” mas sim a democracia de hoje? O que nos interessa agora não é o esquema aristotélico (sem embargo de constituir uma referência histórica) – monarquia, aristocracia e democracia – mas antes os princípios fundamentais que caracterizam a democracia actual, ou seja a democracia liberal e parlamentar que vigora no Ocidente, que exalta e defende os “imortais princípios” da Revolução Francesa e assenta em meia dúzia (ou pouco mais) de ideias base. São estas que vou indicar, de início, citando um pequeno trabalho que escrevi em 1995 e está publicado no livro “Salazar sem máscaras”:

a) a soberania reside no povo, entendendo por povo o conjunto de pessoas às quais o Estado reconhece capacidade eleitoral;
b) o instrumento utilizado para se conhecer a vontade do povo soberano é o voto, expresso através do sufrágio universal individualista;
c) todos os votos são iguais e têm o mesmo peso, residindo aqui o que Mussolini chamava “a absurda mentira do igualitarismo político”,
d) a democracia reconhece o pluralismo da sociedade e este manifesta-se na existência de “partidos políticos” teoricamente tantos quantas as correntes de opinião. No contexto ocidental, não há democracia sem partidos;
e) o poder deve ser exercido pelo partido ou coligação deles, que obtiver maioria dos votos, mesmo que a abstenção exceda 50% dos eleitores inscritos;
f) é reconhecido o direito à greve como forma de defesa do direito dos trabalhadores;
g) a validade do sistema é universal e não há nenhum melhor, independentemente dos povos a que se aplica e das suas tradições, crenças, culturas e níveis de desenvolvimento;
h) não existem regras éticas ou morais invioláveis: tudo o que a maioria aprova é “bom”, mesmo que seja péssimo; tudo o que a maioria reprova é “mau”, mesmo que respeitador dos sentimentos mais profundos do tal “povo soberano”. Tudo o mais é secundário ou acessório: isto é a democracia e só ela defende a liberdade, garante a justiça e promove a solidariedade, embora se saiba que todas as formas de organização do poder político assumem tais objectivos e haja muitas democracias onde estes valores não são respeitados.

Este é o quadro com que nos deparamos e as características apontadas não podem ser desmentidas: estão aí à vista de todos, na Europa de Maastricht ou Amsterdão e da que se prepara para nela entrar, nos Estados Unidos e no Canadá, também no Japão, certamente com diferenças mas sem negação dos princípios enunciados. Há, no entanto, outros entendimentos da Democracia, com o mérito de terem sido enunciados por grandes figuras que escreveram sobre a Política – a Política com letra grande e não este “salve-se quem puder” em que infelizmente vivemos. Vejamos alguns.

Que tal começar por Fernando Pessoa? O genial poeta da “Mensagem” definia-se a si mesmo como “um nacionalista místico, um sebastianista racional”1.

Concretizando o seu pensamento, Pessoa define a Democracia através de três características: o sufrágio, o liberalismo e o pacifismo, para concluir que o sufrágio não passa de uma burla, que o liberalismo não é uma solução adequada e que o pacifismo lhe permite considerar a Democracia como “radicalmente inimiga do sentimento patriótico, radicalmente anti?patriótica e antinacional”.

Pessoa escreveu há muitos anos, as alterações que o mundo sofreu foram imensas, mas a sua crítica deve ser objecto de observação rigorosa pois entendemos que mantém uma grande actualidade, por um lado, e, por outro, fica-nos a satisfação de verificar que os tais princípios apresentados inicialmente não foram objecto de nenhuma contestação. Ter Pessoa do nosso lado (do lado nacionalista) é importante e verificar que não acredita na bondade das bases democráticas reforça as posições dos que partilham esse ponto de vista; claro que Pessoa é um Poeta e ele mesmo declarou que “o poeta é um fingidor” não sendo de admirar que os democratas rejeitem a sua análise. Mas terão esses democratas, que têm passado a vida a enganar os povos que governam e até às vezes lhes falta a capacidade para fingir, alguma autoridade moral para pôr restrições aos juízos de quem quer que seja? Acreditamos que não. Mas há muitos testemunhos de enorme valia. As limitações de tempo levam-nos a encurtar as citações, e teremos que diminuir o número de outros depoimentos.

Vamos lembrar agora algumas considerações de António Sardinha, também ele poeta mas, para além disso, doutrinador político da melhor água, figura cimeira do Integralismo Lusitano, expoente difícil de igualar do Nacionalismo Português.

Escolhemos algumas frases capitais, colhidas sem nenhuma sistematização rigorosa em livros como “A Prol do Comum”, “Durante a Fogueira”, “Na feira dos mitos”, todas retiradas de um trabalho de selecção (mas também de esclarecimento), organizado por Alberto Araújo Lima, ele próprio nosso camarada na divulgação dos ideais nacionalistas. Vamos a isso.

- “A democracia é, consequentemente, o regime das lutas internas permanentes, em que os argentários predominam com a corrupção arvorada em arma do triunfo”.

- “A democracia é o estado inorgânico duma sociedade primária ou, na hipótese pior, a queda irremediável de uma civilização já sem estímulo de vida...”

- “São as democracias impotentes, por pecado original, para solucionar a crise que geraram com o seu advento. O duelo do Trabalho com o Capitalismo testemunha-o claramente. A liberdade política é um embuste com que se desvirtuam e se sofismam as reclamações inalienáveis dos que produzem e nada conseguem. Não é de liberdade política que se trata. Trata-se mas é de liberdade económica. A liberdade económica, pela sua própria índole, é incompatível com os sistemas parlamentares, que importam, como consequência, as oligarquias políticas e financeiras que atiraram a Europa para a guerra e nela a mantêm. É imperioso apear o Capital do seu poderio abusivo para o tornar num acessório dos dois factores que naturalmente o antecedem – a Terra e a Produção. Exterminando a supremacia dos argentários e o cosmopolitismo da Alta Finança, a sociedade retomará, pela emancipação económica, o caminho perdido das antigas liberdades, cujo consistia somente num vigoroso espírito associativo (...)”

- Sendo contra os princípios funestos da Revolução Francesa, nós somos necessariamente contra a organização económica da sociedade moderna. O Trabalho e a Propriedade sofreram com a obra da revolução a influência de uma nova ordem de coisas, donde deriva imediatamente a crise que a todos nos toca e que escurece o horizonte com tão cerradas interrogações. O proletário, que nós vemos enfeudado ao cortejo dos agitadores políticos, deve à democracia a sua situação miseranda; a desorganização individualista da revolução aboliu os quadros corporativos em que o Trabalho se protegia e defendia dos acasos da concorrência em que o trabalho deixou o produtor entregue ao arbítrio da plutocracia, que é sem dúvida a única e verdadeira criação do espírito revolucionário. Enganam-se os humildes se nas promessas falaciosas do erro democrático supõem encontrar a realização das suas reivindicações justíssimas! Um século inteiro de experiências dolorosas mostra-nos que nunca a sorte das classes pobres pode ser tratada e minorada pelos governos saídos do voto, que são estruturalmente governos sujeitos, por defeito de origem, à venalidade e à corrupção.

Já chega. Monárquico, anti-democrata e por isso inimigo dos princípios revolucionários de 89, também Sardinha não confiava no sufrágio universal e defendia um sistema orgânico e corporativo. Morreu muito novo, no início de 1925, e não chegou a ver concretizadas algumas das suas aspirações, mesmo essas perdidas com a Revolução de Abril. É interessante verificar como a sua crítica feroz ao domínio da alta finança é uma visão profética do que se passa hoje com a gestão do socialismo dito democrático onde o dinheiro é quem tudo manda, e também com a corrupção que as instituições permitem ou fingem não ver, a bem do consenso e do diálogo; e é igualmente interessante notar como os democratas que se sentam agora na cadeira do poder criticavam o predomínio dos grandes grupos económicos no Regime anterior (embora tivessem obrigação de saber que o Presidente do Conselho os metia na ordem quando o exigisse o interesse nacional) e agora se calam perante o ressurgir de novos grupos, mais poderosos e mais influentes junto do governo, escudados na competitividade exigida pela União Europeia. Mas nós somos competitivos em quê, a não ser na incapacidade de nos sabermos governar?

Vai longo este texto, o tempo aperta, há muito para dizer ainda, mas não queria deixar de referir, para evitar ser acusado de sectário, a célebre frase de Churchill sobre a Democracia: “A democracia é o pior dos sistemas com excepção de todos os outros”. Devo dizer honestamente que, com grande compreensão pelo dito do chamado “leão britânico”, a frase se resume a uma meia verdade. De facto, depende das circunstâncias e dos países que a democracia, apesar de reconhecidamente péssima, seja sempre melhor que qualquer outro sistema; assim, não pode ser negado que foi Ataturk – que não era democrata – o pai da Turquia moderna e fez melhor que os seus antecessores mais ou menos democráticos; não pode também ser negado que o salazarismo – que não era democrático – serviu Portugal em nível substancialmente superior ao da I República, democrática e maçónica; está igualmente provado que o generalíssimo Franco – que não era democrata – fez da Espanha a 8ª potência industrial do mundo, proporcionou o aparecimento de uma sólida classe média e seria perfeitamente estúpido comparar a sua gestão governativa à do Sr. Manuel Azaña; por fim, a noção de autoridade e justicialismo introduzida na Argentina por Peron – que não era democrata, mas sim grande admirador de Mussolini – deu àquele país uma independência e uma liberdade de movimentos até então desconhecidas. Podia ainda falar em Pinochet e na recuperação económica do Chile, arruinado até ao extremo pelo democratíssimo Allende, mas não o farei pois não desejo ferir alguns ouvidos porventura sensíveis.

Resumindo: a presunção de que a democracia, em qualquer tempo e condicionalismo, é sempre melhor que qualquer outro regime, não passa de uma imbecilidade manifesta: até um capitão de Abril sabe que é problemático aplicar o regime que vigora na Inglaterra à Somália, ou impor o modelo democrático nórdico a Bornéu ou ao Afeganistão. A validade universal da democracia nunca foi provada até hoje e as probabilidades de isso acontecer são baixíssimas: não só a democracia não é um facto científico (como as leis da mecânica celeste ou da gravitação universal), nem a história tem demonstrado a existência de regimes universais. Bem pelo contrário. Muito mais modesto que Churchill, o filósofo Norberto Bobbio contenta-se em verificar que a democracia é “um sistema melhor do que aqueles que o precederam e lhe sucederam até ao momento”; perante esta contenção, apetece-nos dizer que a humildade nunca fez mal a ninguém, sem prejuízo da afirmação de Bobbio ser, também ela, altamente discutível, como anteriormente se procurou justificar.
_____________________________
1. Todas as referências a Fernando Pessoa são retiradas do livro “Fernando Pessoa, o antidemocrata pagão” da autoria de Ruy Miguel, edição da “Nova Arrancada” de Janeiro de 1999.

(continua num próximo post)

Etiquetas: , ,


2003/09/24

NACIONALISMO E DEMOCRACIA: SÍNTESE POSSÍVEL? (I) 

Comunicação ao I Congresso Nacionalista Português - Lisboa, 13 e 14 de Outubro de 2001

Engº Francisco Ferro

1. Introdução

Há várias décadas, em plena guerra do Ultramar, o Chefe do Governo Português pronunciou um discurso com o objectivo de explicar ao mundo em que consistia a nossa política (em especial a ultramarina) e sintetizou o que se propunha dizer nesta frase: “vamos lá a ver se nos entendemos”. É uma peça notável de oratória política em que o domínio da linguagem foi posto ao serviço dos valores e das raízes de que todos nos orgulhamos; ninguém esperará por isso que um vulgaríssimo observador do que se passa nesta “nesga de terra debruada de mar”, como escreveu Miguel Torga, faça algo de semelhante: se citei esse texto admirável foi apenas porque os motivos que me levam a falar-vos hoje e as razões que me assistem para dizer o que digo se baseiam igualmente nessa ideia nuclear de nos entendermos sobre essas palavras, mil vezes repetidas, de Nacionalismo e de Democracia; o que significam para além das roupagens com que as vestem os admiradores e os adversários; finalmente o que devemos pensar de uma eventual aliança entre os dois conceitos que uns defendem como um imperativo da hora presente e outros combatem em nome da nossa honra, do nosso caracter e da necessidade de preservar acima de tudo a integridade e soberania da Nação. Nação que nos cumpre transmitir aos nossos filhos mais forte, mais próspera, mais consciente do que devemos aos mortos que a construíram e engrandeceram com o seu sacrifício e, sobretudo, menos dependente de decisões alheias aos nossos interesses e às quais, não raro, nos temos vindo a submeter progressivamente.
Não antecipo conclusões, embora os poucos que me conhecem as possam imaginar; de resto, o que verdadeiramente importa não são as minhas conclusões mas principalmente as vossas, das quais me permito destacar as da juventude que me ouve e a quem compete a árdua missão de continuar Portugal. Por isso mesmo, e porque ela não pode ser enganada por modas efémeras ou fundamentalismos irracionais, é que estas considerações (que desejo tão breves quanto possível) terão como fundamento quando se justifique testemunhos de gente que através do estudo, da meditação e da intervenção activa no campo do pensamento ou da vida pública se tornou exemplo de referência e conquistou o respeito de todos nós. Não vos peço que concordem comigo; peço simplesmente que ouçam com espírito crítico mas aberto quem não comunga do “politicamento correcto” e só aspira a que saiam daqui mais esclarecidos e mais preparados para os terríveis combates que se avizinham. Oxalá o consiga. Como disse alguém, “a grande divisão, o inultrapassável abismo, será entre os que servem a Pátria e os que a negam”. Estou seguro de que ninguém desejará estar na última trincheira, mesmo que haja palavras sedutoras e habilmente utilizadas pelos nossos inimigos para nos convencerem de que tudo é discutível e tudo pode ser posto em causa em nome dos “ventos da história” ou dos ventos da demagogia. Vamos então, a ver se nos entendemos.
(continuação num próximo post)

Etiquetas:


This page is powered by Blogger. Isn't yours?

  • Página inicial





  • Google
    Web Aliança Nacional