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2006/12/14

Memórias das minhas Aldeias
Parte II – N.º 14 

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O padre superior, quatro dias depois, mandou chamar Manuel e Raul, que precisava de falar-lhes urgentemente. A urgência e o inesperado da convocatória fizeram-nos correr à missão.

O padre superior queria nada menos que isto, que aproveitassem o barco da cabotagem para Luanda, que passava essa noite pelo Ambriz. Com eles embarcaria também o comendador porque o governador queria receber os três em conjunto, para falarem do projecto da milícia.

Acrescentou um comentário. Se não estranhavam a rapidez com que lhe chegara o pedido do governador para o visitarem. Pois deviam estranhar, disse. “Que estas coisas não costumam levar menos de um mês e agora nem uma semana!”

Manuel passou as mãos pela testa, num gesto seu habitual quando lhe ocorria uma pequena brutalidade que não conseguia conter… E disse-a.

- Senhor padre superior, talvez o senhor Governador queira mostrar trabalho, o trabalho que não fez na altura devida… Os ingleses vieram aqui, estiveram umas horas sem contestação alguma, porque não havia meios mínimos de reacção. Pode ser ou não ser culpa do governador mas, à cautela, ele precisa de mostrar ao governo e ao Rei que aprendeu a lição e que alguma coisa já fez para que alguma coisa se faça de tanto que tem de ser feito… Talvez até a ideia da milícia acabe por ter sido dele, senhor padre superior! O governador não é completamente burro!

O padre superior não respondeu à ironia, mas sorria enquanto pensava. “Grande escola, o tráfico de escravos! Não lhes apurou o jeito só para os negócios. Também para a política! Ou pelo menos também para o conhecimento das arteirices dos políticos, que é quase a mesma coisa!”

Manuel pareceu tê-lo entendido.

Acenou com a cabeça, a sorrir também, certo de que podia confiar na inteligência do padre e de que o teria sempre do seu lado, porque também tinha toda a confiança dele.

- E o senhor padre superior não vem connosco? Faz-nos falta, julgo ter entendido que são amigos e que o governador lhe diz a tudo que sim…

- Ó Manuel! – era a primeira vez que o padre superior o tratava assim – Então não conhece as regras a que obedece um padre superior! Não posso deslocar-me senão ao serviço da minha missão. E não posso também meter-me em política, o que vai ser o caso de alto a baixo!

- Mas a política ao serviço exclusivamente de Portugal e não dos partidos, não é verdade?

- Claro que sim, meu amigo, mas não deixa de ser política de objectivos fundamentalmente terrenos.

- Compreendo. Concordo. Mas lastimo. E vejo agora o senhor padre superior… Não sei se mais cauteloso!... Menos seguro… – balbuciou depois de muito hesitar.

- Ofende-me, Manuel!

Mas avançou direito a ele, com os braços abertos para o acolher num abraço que desfez todas as dúvidas.

- Estranha que eu lhe pareça agora menos envolvido, não é?... Pois engana-se. É que o projecto está transformado em dois. E em breve serão mais, que você – também era a primeira vez que o chamava tal – porque você nunca vai parar, conheço-o há poucos dias mas conheço-o já por dentro e por fora. É o homem mais… mais tremendo que por aqui apareceu! Não vou conseguir acompanhar a sua passada de corrida. Tenho de travar agora, mas tudo o que lhe prometi será cumprido e feito, não receie. Entendido?... Entendido, não?

- Não vê?... Não vê, padre superior. Olhe para mim. Estou a chorar. A última vez que chorei foi há cinco anos e tanto, a despedir-me em Seia da minha mãe e das minhas irmãs, quando parti para a aventura de África e ela me abençoou. A aventura está a mudar, creio que para muito melhor, e para esta nova aventura a bênção foi sua, padre. Está a ver o paralelo? O outro dia foi o senhor que me abençoou e ao Raul. Parece que adquirimos um novo pai, cá longe, neste muito, muito longe do primeiro pai!

- Vê como precisamos de si, padre superior! – gritou Raul da porta por onde acabava de entrar e de surpreendê-los.

A.C.R.

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